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CAPÍTULO I OS CONDICIONANTES DO ESCRAVISMO MODERNO

1.2. O Café no Oeste Paulista

O chamado Oeste Velho de São Paulo5, compreendendo as regiões de Campinas e Itu, zona açucareira desde o século XVIII, foi a primeira região do interior (exceto o Vale do Ribeira) onde o café se desenvolveu. O novo pólo cafeeiro já dispunha de sistema de produção em grandes unidades, conhecimento do transporte para Santos e mão-de-obra escrava.

Campinas funcionou como centro irradiador da cultura cafeeira por, geograficamente, indicar o limite que dá acesso à grande mancha de terra roxa do interior paulista ainda a ser explorada, naquela ocasião, solo excelente para o cultivo da

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A rigor, estes núcleos não ficam no oeste do território paulista: o nome refere-se à situação dessas áreas, a oeste do Vale do Paraíba (CAMARGO, 2004, p.127).

planta. Em pouco tempo as fazendas cafeeiras iriam se espalhar, derrubando frondosas matas (CAMARGO, 2004, p.127).

A tomada dessas áreas foi permitida a partir da Lei de Terras que passou a vigorar em 1850, visando regularizar a situação fundiária em todo o território. Até então, ainda predominavam os ditames da colônia, ou seja, as terras eram propriedades reais que poderiam ser doadas (como aos senhores de engenho), concedidas àqueles que as ocuparam antes da doação (a posse, o mais comum), herdadas e vendidas (prática menos comum). A maior parte das propriedades rurais era resultante da posse com limites vagos, definidos por acidentes geográficos. Com a expansão canavieira e cafeeira a situação dessas glebas de estatuto jurídico duvidoso passou a preocupar seus proprietários. A pressão a esse respeito contribuiu para a aprovação da Lei, regularizando, assim, a situação obscura quanto à posse de terras, gerada desde a supressão da concessão de sesmarias em 1822 (CAMARGO, 2004, p.129).

A partir da regulamentação de 1850, as terras, no Brasil, pertenciam ao Estado e só poderiam ser obtidas mediante compra. O negócio costumava ser vantajoso, quando se compravam grandes extensões para o desenvolvimento da lavoura de exportação. Mas, para lotes pequenos e médios, os preços eram elevados, de modo que os trabalhadores livres não podiam adquiri-los. A Lei funciona como um chamariz para os imigrantes, oferecendo-lhes a possibilidade de adquirirem lotes daquelas terras. No entanto, isso era difícil de se concretizar devido ao seu alto preço. Obrigava-os, dessa forma, a servir como mão-de-obra, mantendo a produção no poder das famílias pioneiras e tradicionais (CAMARGO, 2004, p.129).

À medida que o cultivo do café se estendia e se consolidava, novos problemas ameaçavam frear o avanço das lavouras: a escassez e o alto ônus da mão-de-obra

escrava e as longas distâncias entre as plantações e o porto de Santos, tornando o transporte por mulas, cada vez mais oneroso. Para a resolução desses entraves, a região experimentou um desenvolvimento com elementos até então novos para o Brasil: a mão-de-obra livre e o transporte ferroviário (CAMARGO, 2004, p.129).

A segunda metade do século XIX é marcada pela tentativa de substituição da mão-de-obra escrava pelo trabalhador europeu livre. Diversos motivos contribuíram para esse projeto: o aumento das revoltas e crimes cometidos por escravos rebelados por maus tratos internamente, bem como a pressão inglesa que, mediante um instrumento legal denominado, no Brasil, de Bill Aberdeen6 (1845), permitia o confisco de navios negreiros no Atlântico, tornando arriscado e de alto custo o tráfico externo.

Nesse contexto, o Governo adotou medidas para o fim do tráfico e começou a discussão sobre a diminuição da escravidão; algumas dessas medidas ficaram conhecidas como leis abolicionistas: proibição do tráfico externo de escravos (1850), a Lei Rio Branco – Lei do Ventre Livre (1871), a Lei dos Sexagenários e a proibição do tráfico interno (1885), até a sua ilegalidade como sistema de trabalho em 1888.

Esse período foi marcado pela crescente insubmissão escrava em regiões de grande concentração. Além da resistência individual, que poderia significar o retardamento e a diminuição da produção, com a quebra proposital de instrumentos de trabalho e até mesmo o assassinato de feitores e fazendeiros. O receio de levantes organizados de escravos provocava pânico nas populações livres das áreas cafeeiras

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Ato aprovado pelo Parlamento Inglês que no Brasil ficou conhecido como “Bill Aberdeen”, em uma referência a Lord Aberdeen, ministro das Relações Exteriores do governo Britânico. O ato autorizou a Marinha inglesa a tratar os navios negreiros como navios de piratas, com direito à sua apreensão e julgamento dos envolvidos pelos tribunais ingleses. No Brasil, o “Bill Aberdeen” foi alvo de ataques com um recheio nacionalista. Mesmo na Inglaterra, muitas vozes se levantaram contra o papel que o país se atribuía de “guardião moral do mundo” (FAUSTO, 2002, p.106)

de Campinas, Itu e Vale do Paraíba, onde estava concentrada a maior parte do contingente escravo (CAMARGO, 2004, p. 134).

Os fazendeiros de café do Oeste paulista já experimentavam o trabalho livre imigrante desde 1848, quando o Senador Vergueiro, dono da Fazenda Ibicaba, em Limeira, trouxe grupos de portugueses, alemães e suíços para sua propriedade. Esses fazendeiros eram também capitalistas empreendedores e consideravam a escravidão uma herança cara e indesejável da estrutura colonial. Além disso, os projetos de imigração revestiram-se de um caráter ideológico para a população mestiça que São Paulo então possuía: “A imigração era concebida como processo de incorporação de elementos étnicos superiores, de origem européia, que acelerariam, pela miscigenação, o processo de branqueamento” (CAMARGO, 2004, p. 137).

Foi justamente na Fazenda Ibicaba, pioneira na imigração, onde o regime predominante ainda era a parceria e não o assalariamento, que se evidenciou que as relações de poder destinadas a predominar na lavoura de café seriam capitalistas, baseadas na relação patrão-empregado e não senhor-colono ou escravo branco. Liderados pelo suíço Thomaz Davatz, em 1854, seus compatriotas por pouco não fizeram estourar em armas suas reclamações pelos resultados obtidos na lavoura, com o sistema de parceria (em que os lucros eram divididos entre fazendeiros e colonos) e pelos preços altos preços cobrados no armazém da fazenda (CAMARGO, 2004, p. 138).

Portanto, a propagada idéia de que os fazendeiros do Centro-Oeste paulista estavam mais preparados para a mudança de regime do trabalho servil para o trabalho livre, do que os do Vale do Paraíba, não passou de um grande engano, pois, praticamente, todas as fazendas do Centro-Oeste paulista mantiveram a escravidão em

suas terras até a abolição, e muitos fazendeiros acabaram indo à ruína com o fim da escravidão (BENINCASA, 2003, p.62).

Em meados de 1870, a região do Oeste Paulista era a mais carente de mão-de- obra assalariada para a lavoura cafeeira. O sistema de imigração só supriu essa demanda quando começou a “Imigração subvencionada”, patrocinada por fazendeiros e protegidas por leis provinciais e imperiais (CAMARGO, 2004, p.138).

CAPÍTULO II - CONTEXTO HISTÓRICO DA LEI DO VENTRE LIVRE E

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