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CAPÍTULO I OS CONDICIONANTES DO ESCRAVISMO MODERNO

1.1. O Período Cafeeiro

O café, assim como o açúcar, exerceu um papel importante na vida econômica, social e política do Brasil, e teve também, na escravidão, a solução para responder às crescentes necessidades de mão-de-obra por parte dos seus cultivadores – os fazendeiros do café.

“O Brasil é o café e café é o negro”, frase comum nos círculos dominantes da primeira metade do século XIX, só em parte é verdadeira, pois, para Fausto (2002), o Brasil não era só café como não fora só açúcar. Além disso, a produção cafeeira iria prosseguir, no futuro, sem o concurso do trabalho escravo. Mas não há dúvida de que, naquele período, boa parte da expansão do tráfico se deveu às necessidades da lavoura de café (FAUSTO, 2002, p. 104).

Um dos principais fatores responsáveis pela expansão da lavoura cafeeira pelo mundo foi o advento da modernidade. Certamente, a Revolução Industrial, deflagrada na Inglaterra no século XVIII, marco inicial dos tempos modernos, teve um importante papel na história econômica e social do país, principalmente durante a segunda metade do século XIX e o início do século XX, (BENINCASA, 2003, p.17).

O declínio do ouro em Minas e as incertezas quanto ao futuro do mercado do açúcar foram, porém, os principais motivos que levaram os lavradores do Rio a experimentarem o cultivo do café. No entanto, isso ocorreu num momento ideal, pois o Haiti, o grande produtor mundial, deixara de suprir o mercado internacional, devido à sua prolongada guerra de independência.

Na Europa e nos Estados Unidos, o consumo aumentava; a navegação marítima estava em expansão, ou seja, havia facilidade no transporte para exportação; a

Revolução nas Antilhas (1789) elevara os preços do café, deixando o mercado a descoberto, beneficiando os possíveis candidatos a concorrentes nesse mercado (BENINCASA, 2003, p. 21).

No começo do século XVIII – por volta de 1720 – foram plantadas, no Pará, as primeiras mudas trazidas, segundo uns, das Guianas, segundo outros, diretamente do Oriente Médio. Em meados do mesmo século, as mudas foram trazidas para o sul, a principio para o Rio de Janeiro e para a Província do Rio (BAUSBAUN, 1968, p.120,121); por volta de 1790, as plantações do café chegaram ao vale do Paraíba Paulista, até avançarem em direção ao centro-oeste paulista, sendo que, em 1830, já se encontravam cafezais em Campinas, de onde se expandiriam para Limeira e Rio Claro (BAUSBAUN, 1968, p.22).

Contudo, a verdadeira história do café somente começa quando ele encontra no Oeste-Noroeste de São Paulo a terra roxa e o clima ideal para florescer e se multiplicar. E, antes do fim daquele século, já aquela província exportava café pelo porto do Rio de Janeiro (BAUSBAUN, 1968, p.121). A partir daí, segundo o autor, seu crescimento foi contínuo. Em 1820, 129.000 sacas; em 1851, foi para a casa dos dois milhões, precisamente 2.485.000. Em 1870, na época do Manifesto Republicano, atingiu a 4 milhões e ao fim do Império, 1889, sua exportação já atingia 5.586.000 sacas.

Os anos que vão de 1859 a 1874 constituem quase metade do valor total de nossa exportação. E, ao final do Império, ela chegou a 57%, representando 56,63% da produção mundial.

Esses poucos números resumem a história do café e traduzem, com clareza, a importância do papel assumido, em poucos anos, por esse produto na economia brasileira. Mas, tal desenvolvimento se deveu ao fato de haver ele encontrado um

mercado internacional favorável, que recebeu muito bem a nova bebida, quando a produção mundial era mínima. Seu crescente consumo estimulou os fazendeiros e, em poucos anos, os cafezais se estendiam por São Paulo e partes de Minas, em ondas sem fim.

As fazendas de café pouco mais que nada fizeram, no que concerne ao desenvolvimento ou à melhoria da técnica de produção, em relação aos outros processos de cultura, já postos em prática no açúcar e no algodão. Embora coincidindo o seu apogeu com o apogeu do desenvolvimento industrial e capitalista que já se iniciava, a modernização e transformação nos métodos de produção do café continuaram pelo mesmo caminho lento e antiprogressista do algodão e do açúcar, baseado na enxada e no trabalho escravo.

Benincasa também compartilha da opinião de Bausbaun, pois a manutenção da escravidão, no período posterior à Independência, é uma das grandes contradições da história brasileira no século XIX. Surgido em função do capital, numa época de acumulação ainda rudimentar de transição entre o feudalismo e capitalismo (do século XV ao XVIII), esse sistema enquadrou-se no capitalismo internacional do século XIX, sem modificações estruturais. Isto se explica por três pontos principais:: o alto grau de cristalização da economia escravagista no Brasil; a condução do processo de Independência pelas classes dominantes coloniais e a capacidade de essa estrutura de integrar-se ao sistema capitalista internacional (BENINCASA, 2003, p.58).

Até o fim do Império e mesmo muitos anos depois da República, a industrialização das fazendas de café, a produção científica e racionalizada para obter diminuição dos custos da produção eram um mito que mal chegava a entrar nas cogitações dos fazendeiros. O preço do café era determinado, não pelo mercado, mas

pelos plantadores e exportadores e, sendo o braço escravo ainda barato, o problema dos preços e custos era de ínfima importância (BAUSBAUN, 1968, p. 122).

Além do escravo e da enxada, a fazenda de café conservou, ainda na grande propriedade, o sistema do latifúndio, diferentemente do que afirmou Sergio Buarque de Holanda ao dizer que “o latifúndio cafeeiro veio a tomar caráter próprio, emancipando- se das formas de exploração agrícola estereotipadas desde a era colônia, no modelo clássico do engenho de açúcar” (Id. Ibid). A única diferença que se poderia notar pertence já à fase mais recente, quando, liquidada a escravidão, os imigrantes começaram a entrar no país e, principalmente, em São Paulo, em grandes levas, estabelecendo-se nas fazendas de café, sob a forma de colonato.

O café, assim como o açúcar, conservou a política de produzir para exportar, sem se preocupar com um mercado interno. Em suma, fundamentalmente, não havia diferenças entre uma e outra cultura (Id. Ibid.) No entanto, em relação às plantações de cana-de-açúcar, a cultura do café apresenta algumas diferenças, principalmente nos seus efeitos sociais.

O café, como tipo de planta, apresenta a particularidade de levar mais ou menos 5 anos para dar os primeiros frutos. Isso, desde logo, exige uma inversão maior de capital, que deve ser antes compreendida como financiamento, não como aplicação em maquinaria, mas para a compra e manutenção de escravos. Aos custos da produção devem ser juntados os juros bancários. Além do Banco ou do financiador deve ser considerado o comissário, ou exportador, e o frete das fazendas aos portos, sempre distantes da produção. Tudo isso encarecia demais o produto. Essas observações têm importância para que se compreendam as futuras e contínuas crises do café, a política de valorização e preços altos, e sua inevitável repercussão na vida do país.

O negro revelou-se “inapto” para a produção intensiva, resistindo e trabalhando o menos possível; também fugia das fazendas, rebelava-se, lutava pela sua liberdade. Essa situação, que não era nova nem se limitava às fazendas de café, tornou-se, todavia, um grande problema, sobretudo a partir de meados do século XIX, quando o crescente consumo exigia uma produção cada vez maior. Criava-se, assim, a necessidade do desenvolvimento e do estímulo à imigração de braços livres, problema novo, originado do café (BAUSBAUN, 1968, p. 123).

A corrente imigratória se acentuou, principalmente, após a emancipação. Mesmo, porém, em pleno regime escravo, houve a tentativa de atrair imigrantes para o trabalho nas fazendas. Ao café cabe, assim, a responsabilidade pelo incentivo à imigração que, pela mesma época, nos Estados Unidos, a emancipação e o imenso mercado interno provocaram um grande desenvolvimento industrial.

O plantio do café, principalmente no Império, era ainda mais exclusivista do que o açúcar, não permitindo plantação alguma de produtos de subsistência, nem mesmo nas proximidades das fazendas ( Id. Ibid). Longe de ser uma “planta democrática”, provocou uma divisão mais nítida de classes, pois “O cafeeiro, sendo uma planta de produção retardada, exige para o seu cultivo maior inversão de capitais. Torna-se, desse modo, ainda menos acessível ao pequeno proprietário e produtor modesto” (BAUSBAUN, 1968, p. 126).

No último e não menos importante efeito da economia cafeeira está o seu entrosamento com o capital estrangeiro, em particular o inglês que, em determinado período, chegou a dominar toda a economia cafeeira e, por meio dela, toda a economia do país. Assim, como financiadores, compradores, exportadores, através das casas

comissárias de Santos, São Paulo e Rio de Janeiro, passam mesmo a ser “donos do café”, depois de terem sido donos do algodão (BAUSBAUN, 1968, p. 126).

Em suma, o café, transformando-se na fonte maior, senão única, de riquezas para o Brasil, isto é, para alguns brasileiros – não trouxe nenhuma alteração essencial no quadro e na infra-estrutura econômica do país; conservou o latifúndio, conservou o trabalho escravo, conservou o sistema ou a técnica rudimentar de produção, a enxada, conservou as relações sociais de caráter semifeudal, com agregados e foreiros. Mas uma mudança aconteceu: a classe mais rica e influente do país, que era a dos senhores de engenho, passou a ser a dos fazendeiros de café (BAUSBAUN, 1968, p. 127).

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