• Nenhum resultado encontrado

4.1 Materiais

4.1.1 Cal aérea

A cal aérea foi um ligante utilizado desde tempos ancestrais, e com continuado uso até ao tempo actual, o seu fabrico e a sua incorporação em argamassas é relatada amiúde; as primeiras alusões conhecidas a este material datam da Época Romana. Com uma utilização verdadeiramente abrangente, ultrapassando o domínio da construção, este material foi empregue em obras espalhadas pelo mundo em construções tão emblemáticas como [28, 246, 254]:

• Conurbação urbana de Çatal Hoyuk, Turquia (rebocos e pavimentos), 7400 A.C. • Pirâmide de Gizé, no Egipto (reboco) em 2500 A.C.

55 • Templos Gregos a Apolo e Elis em 450 A.C.

• Muralha da China

4.1.1.1 Matéria prima

Materiais e traços utilizados na composição de argamassas são descritos na obra de Vitruvius [174, 252, 253, 254]. No Capítulo V do Livro II é mencionado o fabrico da cal a partir de pedra branca ou sílex, indicando também que pedras de textura mais fina e mais duras são melhores para construção de paredes, enquanto pedras mais porosas são mais indicadas como matéria- prima para argamassas. Na obra de Palladio [20, 250] surgem referências a vários tipos de pedra, incluindo um tipo de pedra rugosa retirada dos montes de Pádua especialmente dotada para fabrico de cal a colocar em construções muito expostas ao clima ou debaixo de água. Alberti [4] menciona, para além da cal fabricada a partir da pedra calcária, a produção deste material a partir de conchas, em França. Este mesmo autor disserta sobre a qualidade da pedra a utilizar para a produção da cal, realçando a importância de uma pedra branca (calcária) e não terrosa. Tanto Vicat [240] como Rondelet [251] focam a qualidade da pedra a utilizar para o fabrico da cal, ao nível de aspecto (compacidade, grão) [251] e ao nível de composição (conteúdo ferro, magnésio, sílica, alumina, entre outros) [240, 251]. Segundo Vicat, diferentes tipos de rocha, darão origem a diferentes tipos de cal. Actualmente é conhecida a composição mineralógica dos diversos tipos de pedra calcária, que pode conter diferentes quantidades de calcite, aragonite, dolomite e magnesite e é determinante a quantificação de material argiloso presente na matéria-prima.

4.1.1.2 Processo de cozedura

Embora a cozedura da pedra calcária para a sua transformação em cal viva tenha sofrido diversas alterações ao longo do tempo, principalmente com a sua industrialização, é inegável que o processo de cozedura artesanal subsistiu ao longo dos tempos e é ainda hoje praticado, de forma diversa, em distintas partes do globo.

Os autores Vicat e Rondelet [240, 251] relacionam a calcinação da pedra calcária com a sua decomposição e consequente libertação de um gás, designado então como ácido carbónico. Ambos consideram que o tempo de cozedura deve ser variável dependo de:

• qualidade da pedra [251] • combustível utilizado [240, 251] • tipo de forno [251]

56

Publicações portuguesas [208, 223] datadas dos Séculos XIX e XX revelam-se bastante precisas, descrevendo fornos, processos e temperatura de cozedura (800/1000ºC); de forma análoga aos restantes autores, refere a dependência do tempo de cozedura de vários factores.

Durante o século XX, com a industrialização do processo de produção, são abordados temas como a velocidade de aquecimento e, dado que o comportamento dos minerais que compõe a matéria-prima se encontra intrinsecamente ligado com o processo de cozedura, as temperaturas utilizadas relacionam-se directamente com as reacções em curso [28].

4.1.1.3 Processo de extinção

Do processo de extinção, resultará cal em pasta ou cal em pó ou, por vezes, uma mistura de cal e areia. Alberti [4] aborda processo de extinção, mencionando a utilização abundante de água, após o qual a cal deve ser deixada húmida em local sombrio e coberta de areia durante um longo tempo antes de ser utilizada. Palladio [250] acrescenta a observação de que a água deve ser adicionada aos poucos, ficando contudo pouco claro se este autor se refere à produção de cal em pasta ou cal em pó. Vicat [7] menciona três processos de extinção da cal:

• Extinção ordinária – imersão da cal viva em água criando cal em pasta

• Imersão – colocação da cal em água por alguns segundos, após os quais é retirada, criando cal em pó

• Acção atmosférica – resulta da acção da atmosfera sobre a cal viva deixada ao ar livre, produzindo cal em pó

Rondelet [251] menciona adicionalmente um outro tipo de extinção caracterizado pela colocação de uma camada de areia sobre a cal viva antes da adição de água. Nas publicações portuguesas consultadas [116, 185] são referidos quatro processos de extinção da cal, acrescentando o método de aspersão com água aos previamente definidos por Vicat. Actualmente, para além de existirem os métodos tradicionais de extinção, co-existe a produção industrializada de cal em pasta e em pó [28], sendo usual a comercialização em Portugal de cal em pó ensacada.

4.1.1.4 Classificação das cais

Desde que se iniciou o fabrico da cal, pedras com diversos teores de impurezas foram com certeza utilizadas para o seu fabrico, dependendo de recursos locais. Este factor, aliado ao deficiente controlo de temperatura e gradiente térmico existente em cada cozedura, faz crer que as cais com diversos níveis de hidraulicidade foram sendo acidentalmente fabricadas ao longo do

57 tempo. Contudo, na sua obra, Vitruvius [108, 116, 218] parece conhecer apenas as propriedades da cal aérea, pois prevê a adição de elementos pozolânicos a argamassas sujeitas à humidade ou à acção da água. Mais tarde, Palládio [250] menciona um tipo de cal, que por si só endurece debaixo de água, distinguindo-a das restantes. Publicações do século XIX já fazem distinção entre os diversos tipos de cal, ao nível do seu grau de hidraulicidade. Vicat [240] classifica as cais como cal gorda, cal magra, cal ligeiramente hidráulica e cal eminentemente hidráulica, tendo como base o aumento de volume após extinção e a consistência desenvolvida ao longo do tempo após imersão em água. O seu contemporâneo, Rondelet [251] menciona a existência de cal gorda e cal magra (que não é totalmente absorvida por ataque ácido), embora cite Vicat diferenciando entre cal comum e cal hidráulica. Augusto Leitão [116] classifica as cais como gorda, magra e hidráulica (fracamente hidráulica, medianamente hidráulica, hidráulica, eminentemente hidráulica e limite), fazendo depender o grau de hidraulicidade do tempo de presa e da dureza atingida. Enquanto em tempos recentes a classificação das cais era semelhante, mas baseada no índice de cimentação [28]4 ou índice de hidraulicidade5, actualmente está definida pela norma NP EN 459:1 como dependendo da classe de resistência (cais hidráulicas) ou composição química (cais aéreas).