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Vestígios da Reacção Pozolânica em Argamassas Antigas

Diversos estudos abordam a análise de argamassas antigas, tanto ao nível dos processos de análise, como relativamente à determinação da composição das argamassas. A conjunção de técnicas de análise química, térmica, de difracção de raios X (DRX), observação ao microscópio electrónico de varrimento (MEV) ou de transmissão (MET), entre outras, é necessária de forma a efectuar uma caracterização completa das argamassas (traço, materiais utilizados na sua composição, produtos de reacção entre materiais). Ao nível das argamassas pozolânicas, podem ser vários os produtos formados ao longo do tempo, dada a diversidade de constituição das pozolanas e a reacção com os restantes compostos integrantes da argamassas e com o meio exterior. A análise de argamassas antigas contendo pozolanas, providencia informação sobre os produtos formados, sendo para tal usualmente utilizadas técnicas de análise térmica (ATG/ATD), difracção (DRX) ou ópticas (microscópio óptico, MEV, MET).

Ellis [61] relaciona o resultado de ATD com os compostos presentes nas argamassas, permitindo a sua classificação dentro de grupos pré-definidos pelo autor (incluindo argamassas contendo compostos potencialmente provenientes de reacções pozolânicas). As análises témicas (ATG) são também utilizadas por outros autores [94, 127, 197], atribuindo as perdas de massa entre os 200ºC e os 600ºC a silicatos, aluminatos ou silicoaluminatos de cálcio, compostos desta forma identificados em argamassas. A relação entre esta perda de peso e a perda relativa à descarbonatação do carbonato de cálcio permite identificar as argamassas como aéreas, pozolânicas, hidráulicas ou com adição de pó de tijolo.

51 Santos Silva [181] detecta a presença de geis de silicato de cálcio hidratado, através da observação da micro-estrutura, em argamassas provenientes do Aqueduto das Águas Livres e no Forte do Bugio; em outras argamassas, dos Fortes de S. Julião da Barra e de S. Bruno e das ruínas romanas de Tróia (Opus Signinum), foi detectada a presença de material pozolânico através de uma metodologia de análise química e térmica, complementada com visualização no MEV. Com recurso a DRX, ATD e MEV, M.P. Luxán identifica C-S-H classificando-o como C2SH

em argamassas do século XVI existentes em Santo Domingo, República Dominicana. Também Elena Charola e Fernando Henriques [45], relativamente à análise de argamassas antigas mencionam a presença de gehlenite hidratada e silicoaluminato de cálcio hidratado nas argamassas do Coliseu de Roma, de diopsido, analcime, leucite e material vítreo (que poderão ser provenientes da pozolana e não da reacção pozolânica) na Tor di Nona, assim como a existência de aluminosilicatos de cálcio na Capela Sistina. Os mesmos autores afirmam que a visualização em MEV de uma argamassa de cal e pó de tijolo proveniente de um banho Romano de 70DC, na Alemanha (Badenweiler), permitiu a detecção de minerais fibrosos, semelhantes ao C-S-H. Em argamassas antigas provenientes da Grécia e Turquia, incorporando pozolanas, foi igualmente observada a presença da fase C-S-H utilizando Microscopia Electrónica de Transmissão (MET) [143]. Tendo igualmente como base a análise de argamassas contendo cerâmico moído, Moropoulou [142] detecta a formação de gel C-S-H entre as fases cristalinas da calcite e os fragmentos cerâmicos e quartzo; esta fase é detectada através de EDX, concluindo-se que os elementos Al e Si aumentam da pasta para o tijolo, acompanhados por um decréscimo do elemento Ca. Utilizando DRX em argamassas do período Veneziano em Creta (cerca do ano 1450), por vezes com alterações efectuadas mais tarde detectam o composto C-S-H em grande parte das amostras [127].

Embora não seja derivado de uma reacção pozolânica, o C-S-H presente em betão fabricado com cimento foi encontrado abundantemente em betão com 136 anos de idade [164] utilizado no fabrico de um muro de uma habitação. Este facto é indicativo da durabilidade do C-S-H. Contudo, a presença deste composto (C-S-H) em argamassas com pozolanas, segundo Elisabeth Goms [70], é posta em causa pela afirmação da autora de que no processo de carbonatação, o CO2

converte o gel em carbonato de cálcio e sílica e a lavagem do gel C-S-H retira o cálcio até cerca de metade da quantidade original.

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4 Breve Historial da Composição de Argamassas

Os registos de diversos autores, que conhecemos nos nossos dias, fornecem a base para o conhecimento dos materiais e das técnicas construtivas desde a antiguidade à actualidade.

Reportando à Época Romana, são mais conhecidos os registos de Marcus Vitruvius Pollio [108, 174, 217, 218], compilados no seu tratado sobre arquitectura, frequentemente designado por ‘Dez Livros sobre a Arquitectura’. Este tratado, difundido em Itália durante a Época do Renascimento, devido ao reavivar do interesse pelas culturas clássicas e consequentemente, pelos conceitos arquitectónicos subjacentes, sofreu várias interpretações e traduções [20]. É contudo, o documento que retrata de forma mais vasta a construção na Época Romana, englobando os materiais utilizados e as técnicas construtivas. O facto do autor ter nascido no ano 84 A.C. fornece a limitação temporal da sua obra, anterior ao apogeu do Império Romano.

Autores Renascentistas, como Alberti (1404-1472) e Palladio (1508-1580) [20, 250], mencionando apenas dois dos autores mais relevantes entre vários, retomam a execução de tratados de arquitectura tendo como referência a obra de Vitruvius. Durante o Século XIX, vários autores, como Vicat e Smeaton, dedicaram-se ao estudo de ligantes hidráulicos [147, 240, 247], tanto ao nível de argamassas de cal com aditivos pozolânicos como em relação ao desenvolvimento de argamassas hidráulicas, devido ao interesse despertado por este tipo de material. Na mesma época, outros, entre os quais Rondelet [257] escreveram tratados sobre a construção praticada na altura, descrevendo materiais e processos construtivos. Em Portugal, durante o Século XIX e início do Século XX, são analogamente publicados manuais referentes à arte de bem construir, onde figura a cal em lugar de destaque entre os materiais e onde é focada a execução de rebocos [116, 185, 186]. Em 1906, Castanheira das Neves [31] publica um extenso estudo sobre pozolanas nacionais, mencionando a sua aplicação em diversas obras da altura. Mais tarde, em meados do século XX, Sousa Coutinho [53] aprofunda o estudo sobre estes materiais, incluindo pozolanas de diversas proveniências, com o intuito de aplicação em betões. Durante o século XX, com a adopção do betão e argamassas cimentícias por toda a América do Norte e Europa, os estudos centraram-se no cimento Portland [59] e na sua utilização como material estrutural. No final do século, com um ressurgimento do interesse pelo património histórico e pela sua preservação, iniciam-se estudos sobre a composição de argamassas antigas, de forma a possibilitar uma adequada intervenção no Património; destas publicações emerge o conhecimento sobre materiais e técnicas empregues através das épocas.

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