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Em narrativas arquetípicas constituímos nosso baú de histórias. Em novembro de 2012, em Salvador, encontrei em uma loja de artefatos da cultura negra, Katuka, uma Boneca Preta me chamou a atenção. Me veio uma certeza forte de que me inspiraria nela para fazer bonecas. Como tenho prática de artesanato e costura, herdada por tempos dedicados de minha Tia Dorah, exímia costureira em São Miguel Paulista, educadora autônoma criou metodologia de curso profissional em técnica de costura, modelagem e criação. A quem agradeço profundamente pelo amor e maestria, dos quais pude compartilhar e sempre sinto falta de mais espaço-tempo em nossas vidas juntas. Voltei para São Paulo e quase que como uma lança, o mestre Tabasisa, professor de bakongo e danças congolesas, fundador e coordenador da escola multidisciplinar Afrika, na liberdade ao atravessar a rua, me chamou para conhecer sua loja.

Interessada, seguimos em direção à loja, chegando lá perguntei se tinha bonecas, me apresentou uma Mãe Zulu.

À direita, Zulu, África do Sul, a segunda candomblezeira baiana.

A primeira, mais velha, esteve presente na performance de encerramento no curso de Marcos Ferreira-Santos envolvendo Arte e Ancestralidade.

Em um encontro do projeto “Ao pé do Baobá” do Museu Afrobrasil – SP, conheci o educador congolês Wasawulua Daniel que nos narrava histórias aos sons de seu djembê, que nos falou sobre o significado da palavra Calunga. Lembra de sua mãe que quando o chamava exigia que respondesse com vigor e vivacidade, Calunga, presente, estou aqui. Calunga é também referido como um plano espiritual abstrato. Por vezes é narrada como o termo associado à terra natal, terra longínqua, mar da morte ou mar da travessia (Atlântico). Constitui um símbolo das Diásporas. Esta experiência ocupou como ressonância em minha pesquisação das Bonecas Pretas.

Compuseram novos olhares de inspiração e permanência ao longo desta pesquisa e de minha confecção, intitulada Erenay Calunga Malunga Tupinamba.

Instalação exposta no Museu Afrobrasil

Muitas histórias compõem o imaginário das Bonecas Pretas207 conhecidas no período

da escravização. Desde os porões dos navios de deportação de pessoas escravizadas, as mulheres confeccionavam bonecas com amarração de retalhos, serviam de distração para as crianças e grupos que compartilhavam a situação de escravizados. As bonecas de porcelanas eram símbolo da infância senhoril, nas comunidades negras as Bonecas Pretas eram construídas para animar, alegrar e integrar as crianças, e também adultos, em torno da brincadeira. Abayomi, é o nome dado às bonecas feitas de amarração de retalhos, significa “aquela que vem trazer alegria”. As bonecas eram feitas sempre com

tecido preto, ou tingidos para alcanças a tonalidade. O termo Boneca Preta servia de identificação do brinquedo, mas logo passou a ser mal quista pelos senhores e senhoras cheios de recalques racistas.

Assim, nesta escrevivência busquei as lacunas do significado da Boneca, a Presença da Calunga nos Maracatus que simboliza a ancestre Matrial consagrada pela família de axé que congrega o Maracatu. Símbolo da re-existência e permanência atualizada da tradição africana que era permitida apenas nos desfiles de carnaval do calendário cristão.

Em minha confecção os malungos, igualmente do bacongo, me foram apresentados pelo mangue-boy Chico Science, que anunciou a malungagem, companheirismo, entre as rupturas Da lama ao Caos, 1994, com sua Afrociberdelia, 1996, em que parabólicas antenadas nos baques dos maracatus e afoxés de recife levou os tambores afro-

pernambucanos para o mundo. Que também foram nomeados já nos navios de tráfico negreiro, os malungos eram os parceiros na luta pela r-existência já no período

O que aprendi de Maracatu foi na convivência com os saberes de família e comunidade negra de artistas-educadore\as pernambucana em São Paulo.208 Concentram-se hoje

nos coletivos da Casa de Percussão Brasileira Prego-Batido e da Batucada Tamarindo. Fundadores de grupos Mestre Ambrósio, Songo, também marcaram a construção do imaginário brasileiro e internacional sobre a cultura negra pernambucana com o movimento MangueBeat.

Todo culto ancestral reconhece as energias fundamentais emanada pela terra genitora, o território que nos acolhe no momento presente, nossas terras, chamada de

Pindorama pelos tupinambá e tupiniquins. Terras de povos nativos com culturas profundas e conectadas através dos caminhos nas matas tropicais e no cerrado, de onde vem a capoeira, o mato rasteiro, sorrateiro que protegeu o negro fugido.

Tupinambá foi uma grande nação aguerrida que resiste até hoje de maneira atualizada, descentralizada e permeia o imaginário popular na região mais próxima à costa do Atlântico brasileiro. Deixou seus traços nos nomes dos lugares, nas palavras anasaladas de nosso linguajar, na afetividade com as ervas trocadas com o povo de ewe. Malungos de diásporas, que reverenciam as terras de quem por aqui esteve antes, em nome Tupinambá de uma nação que teve de se dispersar e ocupar novas revivências, como identificou Darcy Ribeiro, 1998, nas raízes dos troncos dos Kaapor. Veias do povo que corre nas periferias e nos campos, desaldeados precisam se atendidos, a voz de quem vem clamando a mais de quinhentos anos por justiça e liberdade.

208 De meu padrinho Cezar Baiano, sociólogo estudioso de música popular afor-brasileira. Das rítmicas

percurssivas apreendidas com professor Valter Passarinho e um de meus amores, Abuhl Jr, Rinaldo Lins, com quem fui casada. Herdei dele uma família afro-pernambucana em São Paulo, Eder O Rocha, Maurício Badé, Mestre Nico, estão guardados em meu coração cheio de orgulho por participar, celebrar, compartilhar da vida destes negros criativistas, instrumentistas, narrativistas, artistas da cultura de matriz africanameríndia em território paulistano.

O Terreiro concentra um espaço-tempo de ligação, a presença nos assentos, peji, os altares de oferendas, estão plantadas e consagradas a vida, a fonte da água de onde emanam as forças que regem o àiyé, os ancestrais do òrun, terra mítica resguardada pela fundação do além, de Olórun.

O Mato cumpre dois terços do Terreiro, conta com árvores, arbustos e toda sorte de ervas, constituindo um reservatório natural de onde devem são recolhidos os ingredientes vegetais sagrados e indispensáveis para a matutenção litúrgica. Daí um dos fundamento do Candomblé no meio ambiente integrado. Òsanyìn, orixá patrono da vegetação, associado à veiculação de axé também de Ògún e Òsòsì, que foram fundadores de grandes e prósperos reinados, consagram o mato em seus rituais.

Kó si ewé, kó sí Òrìsà – Sem folhas não há orixá !!!209

Pinturas: Fundamentos de Agué – Ossaim; Ilustração do ritual de Águas de Lisá

209 https://soundcloud.com/sertaoitaparicamundo2012/sem-folhas-n-o-tem-orix-s-ew-1

https://myspace.com/afoxeoyaalaxederecife/music/song/sem-folhas-n-o-tem-orix-s-ew-ossain- 56011983-60768733

Não por acaso, encontrei esta imagem em minhas webanças, tenho eu que seja os fundos da roça no Terreiro do Bogun. Com a tira de pano branco – òjá-funfun, constitui o signo àlà dos funfun.210

Na floresta do rei Kpassè, fundador de Ouidah, palavra fon originada de xwéda – Kwê dan – casa de Dan, que significa reino e ao mesmo tempo Serpente Sagrada, existe um antigo e espesso Iroko que lhe é dedicado, pois segundo a crença local o rei teria certa vez se transformado em uma destas árvores para escapar da perseguição de seus inimigos.

Vódunón Nadoji- Terreiro do Bogum211

Dan, a serpente, é o símbolo do vodun regente do trono do Dahomé, Gbessen,

chamado entre os yoruba de Oxumaré. Em seu território se cultua a força da união dos elementos da natureza, representado assim também pelo arco-íris, Token, é o patrono da inteligência, versatilidade e prosperidade, da troca de pele que provoca a renovação constante de oscilações naturais em cada ciclo, lunar e solar. Ahoboboi.

Imagem réplica de gravura de Caribé212

No Candomblé, a circulação é fundamental e orgânica, em torno do Pau da Justiça, o centro do Barracão concentra, como nas pirâmides egípcias, o epicentro do vórtice energético de que se movimenta. A árvore constitui o elo da memória, do axé e da comunidade em movimento, movendo as coisas no mundo, natural e supranatural. A imagem da roda forma uma figura a que se refere à ideia de movimento, também por estarem nos princípios da representação humana ao se referir ao sol e à lua, nova ou cheia.

ADINKRA HENE é símbolo de grandeza, prudência, firmeza e magnanimidade.

O remo no centro do primeiro Adinkra Hene simboliza força, confiança e persistência Corresponde igualmente ao número quatro entre os guarani. Símbolo milenar que significa Ñande Cy – A Terra, o mundo material, o quatro.

À esquerda de autor/a desconhecido(a) direita de Caribé

Um traço fundamental dos òrìsà-funfun é sua relação com as árvores. Esse significado é traduzido no emblema que distringue por excelência, o òpásóró, que por meio dele Òsàlá diferenciou o òrun do àiyé, estabelecendo os dois planos de existência. Na segunda imagem vemos Oxalá carregando seu àpò-ìwà, a bolsa da existância.213 213 SANTOS, 2002: 73; 77

Obras de Mestre Didi em exposição no Museu Afrobrasil – SP.

Adinkra – ODO NYERA FIE KWAN. Nunca se perde ao voltar para casa. O amor ilumina o caminho. Amor, devoção e fidelidade

OSRAM – A lua não tem pressa para dar a volta em torno do nosso mundo. Símbolo da virtude, da utilidade, necessidade e paciência.214OSRAM NE NSROMMA A lua e a

estrela. Símbolo da fidelidade, do amor, da harmonia, do carinho, da lealdade, da benevolência e da essência feminina da vida.215

Abaixo, vemos uma escultura de Mawu, a parcela feminina criadora do Universo. Anterior a essa, uma gravura de Caribé para Yemanja. Mawu-Lisa, entre os Ewe fon, a energia fundadora incriável e criativa, portadora dos extremos complementares feminino e masculino (Lisa).

214 NASCIMENTO E GÁ, 2009: 62

Através de um fenômeno de transmutação, pode ser encontrado naquelas rochas cônicas cuja representação figurativa desempenha um papel tão importante nas artes gáficas dos semitas ocidentais. Simulacro da Grande Deusa, ao mesmo tempo telúrica e lunar, e que era adorada sob diferentes nomes por todas as nações semíticas. “De Tácito afirmando que Afrodite era representada, em Paphos, por uma pedra desse tipo, modelada como uma pirâmide, outros escritores antigos também se referiam à outros lugares em que eram encontrado vários tipos de pedras cônicas erguidas no centro do santuário”.216