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Exe: Pés – o poente, ancestrais Pé direito: ancestre masculino;

Espaçotempo Corporeidade

B: Exe: Pés – o poente, ancestrais Pé direito: ancestre masculino;

Pé esquerdo: ancestre feminino; C: Lado direito: elementos masculinos D: Lado esquerdo: elementos femininos

A cabeça pode ser uma parte muito importante da pessoa, mas não é auto-suficiente. Ela necessita de bom funcionamento de todas as outras partes integradas do corpo para seu bem-estar. O ori depende muito do Orixá responsável pelo interior do corpo, que é exatamente Exu Bara, que significa o Rei do Corpo. Ele é o princípio de

movimento e circulação das vias internas.

226 OLIVEIRA, 2003 227 SANTOS, 2002.

Exu Bara é quem encarna no indivíduo e proporciona a este o nascimento. Por isso mesmo, Exu Bara é também responsável pelo bom fluxo da trajetória de vida da pessoa. Presente nas cavidades do ser humano, Exu Bara conhece nossas entranhas e conhece nosso Odu, juntamente com Ifá, o Orixá do oráculo divino, conhecedor da sabedoria. Os seres humanos são resultado dos despreendimentos de matéria, massas dos orixás, e de seus ancestrais miticos, familiares falecidos, onde se encontra egun- ipori e que constituirá a pessoa no ayiê.

A pessoa é o resultado tanto de forças divinas como de naturais. Sua essência está indissociavelmente ligada às divindades como aos elementos da natureza. Ela é a síntese de todos os seres que compõem o universo, como vimos no mito de Maa Ngala. Ela é a expressão da vontade de Obatalá e fruto da empreitada de Iku. A pessoa, no entanto, não pode ser compreendida como um ser individual. Com efeito, a pessoa é o resultado de uma ação coletiva. Não se separa pessoalidade de coletividade. A

identidade do indivíduo é forjada no interior das tramas sociais. Se a pessoa é resultado da interação entre o sagrado abstrato e a natureza, é no meio-ambiente socio-cultural, geográfico, que ela encontra sua identidade. A constituição da pessoa é uma mediação entre a comunidade desde que ela é viva, e vivente nesta comunidade. Sua pertença ao grupo é anterior à sua pessoalização, que passa a ser elaborada e re- elaborada ao longo de sua vida, em sociedades de tradição na ancestralidade, a partir de ritos de iniciação e renovação. Os processos de socialização são derivados do ser, estar na comunidade, perante ela mesma.

A socialização dentre os africanos é, então, um processo de se constituir a pessoa e sua pessoalidade em um local e um coletivo ancestralmente estabelecido. A pessoa se vê no grupo e vê a si mesma, de acordo com as normas tradicionalmente estabelecidas em suas sociedades e culturas locais. Esse processo de construção dá-se, geralmente, com ritos iniciáticos que são coletivos e abrangem a totalidade dos indivíduos viventes de cada comunidade. Esse humanismo revela que a sociedade propõe a superação, pela consciência da realidade existencial, das limitações materiais e instrumentais, equilibrando a sociedade com as práticas sociais auto-geradas e sustentáveis.

As crianças, assim que têm idade, sujeitam-se aos ritos iniciáticos, o que faz com que o grupo de pessoas chegue à maturidade ao mesmo tempo e crie vínculos de

solidariedade, ocupando agora seu novo ciclo228 social e, evidente, cumprindo

rigorosamente suas novas funções diante da sociedade a que pertence. Sempre coletivo e garantindo o bem-estar social de seus membros. A formação da pessoa africana é um processo coletivo; uma responsabilidade social. Os ritos iniciáticos irmanam e emantam todos os membros de uma comunidade. A preparação da pessoa para viver em meio social é uma tarefa assumida coletivamente, permeados

primeiramente pela família expandida que é o aldeiamento imediato, logo após ganha espaço em territórios mais abrangentes, entre reinos... em constante diálogo com os preceitos dos ancestrais. Com efeito, os ritos iniciáticos, responsáveis pela socialização da pessoa, são baseados na tradição dos ancestrais e obedecem às regras

determinadas pelos antepassados. A lógica que empreende a socialização dos indivíduos, em África, é a da ancestralidade.

São elementos de origem e força particularizada que compõem uma única pessoa, mas que contém todo o ciclo organizacional da vida/ natureza/ reencarnação.

Se o espírito (pessoalidade) ligado é ao ori (morada do axé que reencarna) – ao cumprir com a iniciação a sua particularidade espiritual une-se a Olori (regente da cabeça) – no ritual (rompimento com a dissociação) de uma vida carnal e outra espiritual, a

associação com sua ancestralidade no ciclo cósmico. O corpo é sacralizado, e não tolido e estigmatizado como nas vertentes semíticas e cristãs.

O sistema ritualístico busca o equilíbrio, unidade, consciência, participação, integração, acolhimento.

Para os luba, a pessoa é a reunião, a integração de, pelo menos, três sombras (umuwe): a sombra solar, susceptível de acolher os outros princípios vitais. A sombra do corpo, o modelo interior ao qual se adapta o ser em crescimento, conferindo-lhe a sua

aparência física particular, a sua pessoalidade. Uma vez que é perecível, também lhe chamam sombra de morte. A sombra de vida, é o núcleo indestrutível da pessoa que se fixará no astral (Calunga) é a presença também depois da morte.

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228 Função social entendida como uma dinâmica dialógica de criação no cotidiano – estrutura acoplada à

conjuntura – em oposição aos papéis pré-moldados normativos pela sociedade do espetáculo moderno, conforme nos inspirou Guy Debord (1992).

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1 – Corpo/ sombra negra – força/ poder – linhagem masculina. 2 – Sangue/ sombra vermelha – espírito, individualidade. 3 – Ancestralidade Sombra /translúcida – linhagem feminina.

Ausência de cor/ albino – indivíduo ancestral encarnado no mundo vivo Esses ritos iniciáticos, pautados no princípio da ancestralidade, introduzem os

indivíduos – vivos – no seio suas comunidades ou famílias-aldeia. Há, entretanto, um outro rito, que ocorre entre os viventes, mas dirige-se aos falecidos. São os rituais de morte ou, como são comumente chamados, os ritos funerários.

A morte é um evento de fundamental importância para os africanos e a ancestralidade é o mecanismo comunitário que cria os ancestrais e, como rito de passagem, tem a função de harmonizar as tensões do grupo.

O rito funeral, axexé entre os ioruba, é um ritual de permanência, transforma o morto num ancestral. Sua vida fora desfeita, não sua força vital. A comunidade, com efeito, perde um membro, mas ganha sua energia vitalizante. A força vital que dantes o habitava, reside agora na sua família, entre os membros de seu tronco familiar. A família africana típica, conhecida pela denominação de família estendida, é

constituída por um grande numero de pessoas ligadas pelo parentesco consanguíneo e\ou socioafetivo.

Em relação à estrutura física, o conjunto das relações familiares forma a família-aldeia, unidade produtiva que se ocupa da sobrevivência da comunidade. Essa família-aldeia é a unidade familiar que garante a existência do grupo. Ela está organizada sob o modelo da matrialiidade e tem sua estrutura baseada nas mulheres – ancestrais que lhes conferem origem e sentido.

A família é o núcleo da sociedade. É sua unidade mais importante. A estrutura social africana é formada pelos clãs ou famílias-aldeia e sua importância é tal que até os deuses obedecem às linhagens, a família gesta tanto a vida, digamos, espiritual, como sua vida material, através da ocupação, do ofício. Esta, no entanto, não é

compreendida como uma tarefa meramente material. Ela está intimamente ligada com a concepção sagrada do mundo, principal característica da cosmovisão africana. Por

isso, mesmo na produção, uma vez mais a ancestralidade é o princípio norteador da vida dos africanos. O trabalho é uma prática social que ajuda a definir os papéis dos indivíduos nas sociedades africanas. O trabalho integra-se qualitativamente nas práticas ligadas à produção enquanto fator de vida social total, fazendo emergir o indivíduo historicamente consciente das ações que deve à sociedade.

O trabalho é organizado dentro dos limites territoriais da família-aldeia, seguindo o princípio da ancestralidade. A sociedade africana, porém, não se restringe ao clã familiar. Em África existem sociedades com e sem Estado, mas em qualquer caso o exercício do poder229 está centrado no seio das famílias-aldeia, obedecendo à

duradoura tradição africana que tem por finalidade última o bem-estar de todos os membros dos vários grupos africanos.

O poder é um exercício calcado na tradição para garantir o bem-estar da sociedade. O poder, portanto é um instrumento da tradição dos ancestrais para perpetuar no ayê a ordem do sagrado e a moralidade dos ancestrais. Com Carlos Serrano, estudamos sobre os povos subsaarianos, entre estes os dogon apresentam uma estrutura imagética que compões as posições sociais.

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1 – pessoa, personalidade e caminho, consciência de participação; 2 – grupo social, clã, tronco familiar;

3 – comunidade, unidade (multiculturalismo) em um contexto plurinacional – sociedades globais

Ancestral

Existência ego sistema Comunitária cultural

Indivíduo coletiva-se e a comunidade une-se à consciência mútua de união/ integração.

229 Poder aqui entendido enquanto autoridade hierárquica calcada no “tempo” de iniciação –

primogenitura – e consagração/renovação de axé. Diferente do exercício do autoritarismo e da imposição através da força física.

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