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A Crise Cambial e as novas medidas de liberalização financeira externa (1999 a 2002) O amplo processo de abertura comercial e financeira da década de 1990 elevou o

Alterações no marco regulatório relativas à movimentação externa de capital no Brasil (1980 2010)

2.4 Medidas de abertura externa após a crise cambial e aprofundamento do processo de abertura externa (1999-2010)

2.4.1 A Crise Cambial e as novas medidas de liberalização financeira externa (1999 a 2002) O amplo processo de abertura comercial e financeira da década de 1990 elevou o

grau de integração da economia brasileira com o mercado financeiro internacional. Com isso, o país foi progressivamente tornando-se mais sensível às mudanças do mercado financeiro internacional. Após passar por dois graves episódios de dificuldades cambiais (março de 1995 e outubro de 1997), o país sofreu uma terceira crise cambial, iniciada em agosto de 1998, que levou à flexibilização do regime cambial em janeiro de 199988. A adoção do regime de câmbio flutuante elevou a influência do mercado sobre a taxa de câmbio e tornou mais complexo seu controle.

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Segundo Hermann (2005:303) “O ataque especulativo desfechado contra o real em fins de outubro de 1997, tal como o de 1995, não foi motivado prioritariamente por problemas domésticos, mas sim como efeito-contágio de outra crise cambial – a crise do sudeste asiático, iniciada em julho na Tailândia, Indonésia e Filipinas, atingindo mais tarde também a Malásia e a Coréia.” Segundo a autora, “(...) [O] ataque especulativo de outubro-novembro de 1997 no Brasil deve ser creditado, fundamentalmente,

ao elevado grau de mobilidade de capital que passou a caracterizar o mercado financeiro nacional a partir da política de

liberalização financeira – especialmente a partir da abertura de 1994-96 – e, paradoxalmente, à posição favorável dos ativos brasileiros (em termos de cotação e liquidez) no mercado financeiro internacional.” (Hermann, 2005:307) grifos meus.

43 A adoção do modelo de livre flutuação da taxa de câmbio (Res. 6.565/99), uma das primeiras medidas do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1999-2002), ocorreu meses antes da adoção de um novo regime de política macroeconômica. O novo regime, implementado logo após a adoção do regime de câmbio flutuante, estabeleceu uma política monetária regida por um regime de metas de inflação e uma política fiscal orientada por metas de superávit primário e pela Lei de Responsabilidade Fiscal89.

Além da flexibilização do regime cambial, que decretou o fim do regime de bandas cambiais90, outros passos importantes na direção da maior facilidade para movimentação externa de capital foram as diversas medidas voltadas à flexibilização dos investimentos estrangeiros e a adesão do Brasil à disciplina do artigo VIII do Estatuto do FMI, que veda restrições aos

pagamentos feitos em transações em conta corrente. Essa medida, entre outras coisas,

institucionaliza a liberdade para remessa de lucros e dividendos. Ou seja, nesse período a liberdade para movimentação do capital estrangeiro foi ampliada e a saída de capitais nacionais facilitada. As principais medidas de abertura financeira do período são descritas a seguir.

2.4.1.1 Liberalização das Transações de entrada de capitais entre 1999 e 2002

A política de aprofundamento da liberalização financeira externa do período contou com novas medidas para facilitar a captação de recursos externos. Seguindo essa linha, o BCB editou as resoluções 2625/99 e 2683/9991, logo substituídas pela Resolução 2770/00. A resolução 2770 passou a definir os critérios para as operações de repasse de recursos externos e eliminou as exigências de autorização e direcionamento compulsório92, além substituir a Resolução 63/67 e também revogar 237 normativos que disciplinavam as operações de emissão de títulos de renda fixa no exterior. Para Biancareli (2003:07):

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Política fiscal tinha como objetivo o controle permanente do endividamento do setor público.

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“[A] divisão do mercado cambial entre os segmentos comercial e flutuante foi mantida apenas para efeito de registr o, mas a

apuração dos saldos das operações foi unificada (Res. 2588/99), facilitando o ajuste das instituições financeiras aos limites de

posição comprada e vendida fixados pelo Bacen” (Hermann, 2005:318).

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A resolução 2625/99 permitia a captação de dólares no mercado internacional por bancos e agentes financeiros para aplicação na economia nacional. A resolução 2683/99 permitiu às instituições financeiras e às sociedades de arrendamento mercantil a captação de recursos no exterior para livre aplicação no mercado doméstico e eliminou a exigência de prazo mínimo nas operações de empréstimo externo. Essa medida foi muito importante por permitir as Instituições financeiras transitarem de um tipo de investimento para outro, elevando a liberdade do capital externo ingressante.

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Resolução 2770, 30/08/00 Revoga e substitui a antiga Resolução 63/67. As operações de repasse de recursos externos passam a ser regidas pelos seguintes critérios: a) são liberadas as captações destes recursos sem a prévia autorização do Bacen, exceto se o tomador do empréstimo no Brasil for o setor público; b) os recursos podem ser captados por meio de empréstimos ou emissão de títulos no exterior; c) os recursos captados devem ser aplicados em empréstimos no país, mas são autorizadas operações de repasse interfinanceiro para instituições financeiras da mesma espécie da tomadora dos recursos no exterior; d) o banco repassador deve conceder ao tomador doméstico idênticas condições de custo da dívida originalmente contratada em moeda estrangeira, sendo autorizada apenas a cobrança de comissão de repasse (Hermann, 2010:263).

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A desregulamentação nessa área atinge (...) o seu desfecho pela Resolução 2770, de 30 de agosto de 2000, que consolida as mudanças revogando todos os instrumentos normativos que disciplinam as emissões de títulos de renda fixa no exterior. Tanto as exigências de autorização como as de direcionamento compulsório, estavam abolidas.

Mais do que um instrumento de desburocratização, essa resolução representou para os bancos e para as demais instituições financeiras uma ampliação da liberdade no que se refere à captação e movimentação de recursos. Essa Resolução eliminou a exigência de autorização do BCB para qualquer tipo de captação de recursos, tornando o regime declaratório. A exigência constante na Resolução 2770 era que o custo do repasse para o tomador doméstico deveria ser o mesmo do empréstimo original em moeda estrangeira, acrescido apenas de uma comissão de repasse93.

Nesse processo de substituição do controle efetivo dos fluxos, uma medida de caráter regulamentar, a Circular 3.027/01, que instituiu e regulamentou o Registro Declaratório Eletrônico (RDE) de empréstimos entre residentes ou domiciliados no país e residentes ou domiciliados no exterior e de captação de recursos no exterior com vínculo a e exportações, tem sido muitas vezes apresentada como medida de aumento de controle94. Na verdade, ela em nada afetou o controle dos fluxos mas apenas sua apuração ao exigir o registro das operações junto ao Bacen. A obtenção de empréstimos continuou a não depender de aprovação prévia do BCB, desde que os empréstimos estivessem dentro das condições gerais da operação e em conformidade com os padrões estabelecidos pelo BCB95.

Em relação à liberalização da entrada de investidores estrangeiros no mercado nacional, em janeiro de 2000, após a unificação dos segmentos comercial e flutuante do câmbio, a aquisição direta de títulos de renda fixa, públicos e privados, por investidores estrangeiros foi permitida pela Resolução 2689/0096. Tal resolução também extinguiu os anexos I, II e IV da Resolução 1289/87, ficando só os Anexos III (Carteira de Títulos e Valores Mobiliários - Capital

93 “Quanto às operações de repasse, como observam Prates e Freitas (1999: 88-89), antes da crise cambial de 1999 os prazos dos

empréstimos domésticos eram bem menores que os do empréstimo externo a ser repassado (respectivamente, de 90 dias e dois anos, em média) e os spreads dessas operações eram, em geral, superiores a 10 pontos percentuais sobre a taxa paga no exterior (mais correção cambial).Havia, portanto, um descasamento de prazos e juros a favor dos bancos nestas operações. Além disso, a legislação em vigor, quase sempre, permitia a aplicação dos recursos ainda não repassados no mercado interbancário e em títul os públicos, inclusive os indexados à taxa de câmbio. Essa condição foi, teoricamente, modificada pela Resolução 2770/2000” (Hermann, 2005:322).

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Ver Franco e Neto(2004) e Sicsú(2006). 95

Os empréstimos deveriam, por exemplo,cumprir limites de mercado para a taxa de juros registrada na operação.

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A Circular 2.963/00 e a Instrução CVM 325, de 2000 complementaram a Resolução 2.689. Com essa Resolução a movimentação dos recursos dos investidores estrangeiros, que depende de abertura de uma conta especial: a chamada “conta

2689”, pode se movimentar entre diferentes modalidades de aplicações (de investimento em portfólio para investimento direto e

45 Estrangeiro) e V (operações com ADR) negociados diretamente no mercado estrangeiro. Esta resolução aboliu a segmentação do mercado de capitais para investidores estrangeiros, permitindo-lhes livre trânsito de uma modalidade de aplicação à outra sem necessidade de retirada dos recursos do país (com pagamento de IR) e reingresso (com pagamento de IOF), tal como permitido a investidores locais (Hermann, 2005:318). Assim, o investimento estrangeiro passa a ingressar no país diretamente para o mercado em questão, sem a necessidade de constituição de fundos específicos. Esta resolução liberou para os investidores estrangeiros todos os instrumentos e modalidades operacionais, dos mercados financeiros e de capitais, disponíveis no país e, assim, liberalizou também a entrada de investidores estrangeiros nos mercados de derivativos.

O capital externo, com essa nova regulamentação, não precisa mais declarar o tipo de aplicação que pretende fazer. Esta medida, que representou o fim das restrições para transferência de recursos de investidores estrangeiros de uma aplicação para outra, e cujo sentido era simplificar a regulamentação sobre o investimento externo de portfolio, significou a reafirmação do compromisso do país com a liberalização do fluxo de capital externo. Também possibilitou a realização de investimentos de portfolio por pessoas físicas ou jurídicas não-institucionais residentes no exterior criando, assim, acesso direto a pessoas físicas com residência ou domicílio no exterior e para pessoas jurídicas não institucionais (Laan, 2006:59).

2.4.1.2 A ampliação do segundo e terceiro níveis de abertura entre 1999 e 2003

Tanto a unificação dos segmentos comercial e flutuante quanto a definição do regime cambial brasileiro como regime de flutuação livre, afetaram o segundo e terceiro níveis de abertura. Apesar da manutenção de um sistema dual de câmbio, com a reforma ocorre a unificação das posições cambiais dos bancos (Resolução BCB 2.588, de 25/01/1999) e o nivelamento do preço nos dois mercados97. Além disso, foram eliminadas exigências para várias transações e a conversibilidade da conta de capital foi ampliada.

A unificação reforçou o processo de liberalização da conta de capitais, contribuindo para ampliação da conversibilidade de recursos de brasileiros, cuja livre movimentação independente de ingresso prévio ou registro havia sido consolidada com a Circular 2.677/96. A liberalização foi reforçada com outras medidas tomadas, que também facilitavam a saída de

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[D]ada a existência ainda de uma série de fatores impeditivos da comunicação da taxa flutuante com a taxa controlada do MCTL, o país conviveu com esse sistema dual até março de 2005, ainda que em 1999, tenha ocorrido a comunicação dos mercados, com a unificação das posições cambiais dos bancos (Resolução BCB 2.588, de 25/01/1999), igualando-se o preço nos dois mercados (Laan 2006:51).

46 capitais brasileiros ao exterior. As circulares 3013, de 23/11/00 e 3037, de 31/05/01 do BCB elevaram o teto para investimento no exterior de pessoas jurídicas não financeiras de USD 1 milhão para USD 5 milhões para transferências a esse título sem necessidade de autorização prévia. Outra medida com o intuito de facilitar o investimento brasileiro no exterior foi a resolução 2763/00, que disciplinou os investimentos brasileiros no exterior através do mecanismo de Certificados de Depósito de Valores Mobiliários ("Brazilian Depositary Receipts" – BDRs).

Ocorreram ainda avanços relacionados à conversibilidade da conta corrente. A adesão formal às exigências do FMI em 1999, que acontece com a aceitação do Artigo VIII dessa Instituição (seções 2, 3 e 4), é uma importante marca desse processo de “efetivação” da conversibilidade da conta corrente98. Para Franco e Neto (2004:22-23) a adesão do Brasil à disciplina do Artigo VIII do FMI estabeleceu definitivamente a conversibilidade das transações da conta corrente, deixando claro que a fronteira para as tendências liberalizantes na regulamentação cambial reside na conta de capitais.

Em relação ao terceiro nível de abertura, pode-se dizer que a liberalização tem avançado de forma mais lenta. Ainda assim, podemos destacar medidas tomadas que vão nessa direção. A permissão concedida a empresas dos setores de energia, petróleo e gás em processos de privatização para manutenção de depósitos em moeda estrangeira no país (Resolução BCB 2644/99) é um exemplo. Essa Resolução permitiu, às empresas desses setores, a abertura e movimentação de contas em moeda estrangeira no país (conhecidas como “Conta 2644”) e os fundos depositados nessa conta poderiam ser livremente investidos no mercado internacional. Segundo Laan (2006:61) “ainda que tenha sido uma medida voltada para um setor econômico específico, não deixa de configurar uma flexibilização importante dos dispositivos do Decreto- Lei 857/69, interpretados hoje como normas que restringem o uso da indexação cambial – textualmente, „práticas que restrinjam ou recusem o curso da moeda nacional‟” 99

. Por permitir o

98“O Fundo cobrava a redução do IOF de 2,5% para não mais do que 2%, nas operações de câmbio para pagamento de despesas

com cartão de crédito no exterior, e a eliminação da exigência de contratação prévia de câmbio em pagamento de importações. Em resposta, em 28.10.99, mas com vigência apenas a partir do dia 30.10.99, a exigência de contratação prévia de câmbio para importações foi revogada (Circular 2.948). Da mesma forma, a alíquota de IOF para compras com cartão de crédito no exterior seria reduzida para não mais do que 2%, a partir de 01.02.2000, medida que se consumou com a edição da Portaria do MF no. 458, de 09.12.99. Todas informações gentilmente fornecidas pelo Dr. José Linaldo Gomes de Aguiar, Chefe do Departamento de Relações Internacionais (DERIN) do Banco Central do Brasil.” (Franco e Neto, 2004:22)

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Em 2000 a Medida atingiu também as sociedades seguradoras, ressegurador local, ressegurador admitido ou corretora de resseguro, com a Resolução 2.694/00, que dispôs sobre abertura e movimentação de contas em moeda estrangeira tituladas por esses agentes. A Circular 2.971/00 Regulamentou as Resoluções nº 2.644/1999, 2.694/00 e 2.695/00, e divulgou o Regulamento sobre Contas em Moedas Estrangeiras no País. Esse regulamento sofreu mais uma modificação com sentido liberalizante em 2002, com as alterações introduzidas pela Resolução 2.953. Essa Resolução altera normas relativas à abertura, manutenção e

47 pagamento em moeda estrangeira em situações além das previstas na Lei 9826 (art.6º), a Circular 3075/02, que estabeleceu procedimento para pagamento em moeda estrangeira efetuado por residente no exterior a residente no país em decorrência de venda de produtos com entrega no território brasileiro, pode ser considerada uma medida que vai no mesmo sentido de abertura do terceiro nível. Além disso, a medida é importante por abrir um precedente a pedidos de mesma natureza100.

No período de 1999 a 2002 destaca-se, portanto, o movimento de abertura à saída de capitais e seus impactos sobre a conversibilidade da conta de capitais e da conta corrente. Franco e Neto (2004:22-23) acreditam que liberalização da conta corrente está completa, e que a conversibilidade da conta de capitais avança da forma “gradual e consistente”. Já Freitas e Prates (2001:5), acreditam que “o processo de liberalização e desregulamentação da conta de capital do Balanço de Pagamentos foi finalizado” em 2000. Para Motta (2003:16 apud Laan 2006:54) “apesar de o Brasil não ser um país com total liberdade cambial, dado o controle de câmbio centralizado pelo BCB, com a liberalização dos últimos anos quase todo tipo de transferência para o exterior encontra uma forma de ser cursada”. Na verdade, como mostrará o item 2.4.2.2, a liberalização de transações de saída continua a ser aprofundada nos anos seguintes e as poucas restrições e controles restantes estão sendo progressivamente extintos.