• Nenhum resultado encontrado

Os Pilares Básicos da Legislação relativa a movimentação externa de capital

Alterações no marco regulatório relativas à movimentação externa de capital no Brasil (1980 2010)

2.2 Os Pilares Básicos da Legislação relativa a movimentação externa de capital

Do pós-guerra à década de 1980, as regras cambiais e taxas de câmbio utilizadas para diferentes transações foram objeto de controles e intervenções, oscilando entre maior e menor rigor em razão da conjuntura. Só a partir da década de 1990 observa-se um movimento mais consistente no sentido de uma maior liberalização da movimentação de capitais. O arcabouço legal básico a governar as operações de câmbio no Brasil é antigo e foi sobre ele que as modificações recentes no grau de abertura foram feitas. Os pilares normativos do arcabouço cambial estão listados no quadro abaixo:

33

As medidas estruturais “não são revertidas em função de dilemas de curto prazo da política econômica ou de mudanças na direção dos fluxos de capitais.” (Prates, 1997:83)

34

Segundo Prates (1997:10), em relação ao grau de abertura, “é possível distinguir dois conjuntos de políticas: a gestão macroeconômica dos fluxos e o marco regulatório relativo à abertura financeira.” Pretende-se, neste capítulo, dar maior atenção ao marco regulatório relativo à abertura financeira de caráter estrutural. O objetivo não é a descrição exaustiva das mudanças no aparato normativo e sim uma descrição sucinta que leve a compreensão do sentido e do alcance das mudanças implementadas e do processo geral em curso. Por este motivo, serão destacadas apenas algumas medidas de maior impacto e com o objetivo de analisá-las no contexto geral das mudanças.

21

Quadro 1. Resumo da legislação cambial básica

Norma Ementa

Decreto 20.451/31 Estabelece regime de monopólio cambial

Decreto 23.258/33 Institui obrigatoriedade de cobertura cambial

Decreto 9.025/46 Proíbe compensação privada de câmbio

Lei 4.131/62 Dispõe sobre o capital estrangeiro no país

Decreto-Lei 857/69 Consolida o “curso forçado” da moeda nacional,

Decreto 55.762 Dispõe sobre os investimentos brasileiros no exterior35 Fonte: Laan (2006:48), elaboração do autor.

O Decreto 20.451/31 estabeleceu monopólio cambial do Banco do Brasil, dando condições de gerenciar a escassez de fluxos externos. Em 1933, o Decreto 23.258, passa a obrigar os exportadores a vender a moeda estrangeira auferida em suas transações ao Banco Central ou a uma instituição por ele autorizada, “evitando dessa forma uma fuga de capitais, sendo que o artigo 1º subentende o monopólio cambial do BCB (Decreto 20.451/31), o qual delega essa responsabilidade a agentes por ele autorizados” (Laan, 2006). Este Decreto, que dispõe sobre o ilícito administrativo de sonegação cambial, serve de base legal para a exigência de cobertura

cambial para as exportações36.

A Lei 4.131/1962 disciplina a aplicação do capital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior. Essa lei regula capitais ingressantes no país e determina que só poderão retornar ao exterior capitais registrados no BCB quando do seu ingresso, sendo sua repatriação limitada ao valor do ingresso original acrescido dos juros pactuados. Tal lei, por um lado, assegurava o direito de retorno aos capitais estrangeiros ingressantes sob forma de moedas conversíveis e também o direito ao envio de juros e dividendos37. Contudo, é importante destacar que ela preserva o poder discricionário das autoridades para disparar, ou reverter, medidas restritivas relativas aos capitais estrangeiros38. A Lei autoriza o Banco Central do Brasil (BCB),

35

O investimento brasileiro no exterior, regido pelo decreto 55.762 de 1965, estabelecia que a aquisição no exterior de empresas cujos ativos estejam preponderantemente no Brasil dependia de autorização da SUMOC, assim como a transferência para o exterior de heranças e de patrimônios de pessoas que transfiram residência para o exterior.

36

Norma recepcionada com força de lei pelo regime constitucional de 1988 (Laan, 2006).

37

“É importante notar que a Lei 4.131/62 não é uma lei geral de controles cambiais, ou de regulação de todos os fluxos cambiais na conta de capitais, mas uma norma que alcança apenas o capital estrangeiro que ingressa no país para a aplicação em atividades produtivas, direta ou indiretamente através de empréstimos, tal como definido expressamente na própria Lei 4.131. O “registro” no FIRCE não é, portanto, uma obrigação imposta a todas as movimentações cambiais na conta de capitais, tampouco um direito ser reivindicado pelo titular de quaisquer entradas de divisas; é uma obrigação para algumas movimentações, as quais, a partir do registro, nos termos da Lei 4.131 passam a ter direitos, dentre os quais o de retornar à sua origem e enviar dividendos e juros independentemente de autorizações.” (Franco & Neto, 2004:19) Para o autor, “o registro de capitais estrangeiros assiste aos interesses tanto do governo do país recipiente dos capitais como dos detentores desses capitais” (Franco & Neto, 2004:18 nota de rodapé).

38

A Lei autorizava o Poder Executivo, diante à necessidade de economizar as reservas de câmbio, impor encargos financeiros de 10% sobre importações e de até 50% sobre transferência financeira. As importâncias arrecadadas não teriam as pecto fiscal, constituindo apenas reservas monetárias mantidas no Banco Central, sendo utilizadas como disponibilidades cambiais. (Magalhães, 2000:14). Além disso, a lei também autoriza o BCB a vedar a repatriação da totalidade do capital registrado e as

22 entre outras medidas, a determinar que operações cambiais referentes a movimentos de capital sejam efetuadas em mercado financeiro de câmbio, separado do mercado de exportação e importação, em caso de grave desequilíbrio cambial.

O art.1º do Decreto-Lei 857/1969, que se refere aos pagamentos em moeda estrangeira no país (3º nível de abertura), institui como “nulos de pleno direito os contratos, títulos e quaisquer documentos, bem como as obrigações que exeqüíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou, por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro” (Decreto- Lei 857/69). Ou seja, esse decreto consolida o curso forçado da moeda nacional.

Logo após o golpe militar de 1964, uma importante reforma econômica foi implementada no sistema monetário-financeiro, com impactos sobre o marco regulatório relativo à movimentação externa de capital39. Essa reforma, que havia sido planejada com base em um diagnóstico que apontava para a carência de poupança interna, procurava atrair recursos externos e incluía medidas de facilitação à entrada de capital internacional, além de estímulos, como a maior facilidade para sua remuneração40. Como destacado por Hermann (2002:241) a reforma financeira, apesar de seu caráter claramente intervencionista, teve a presença de dois elementos típicos das políticas de liberalização: a flexibilização dos juros nominais e a ampliação do grau de abertura da economia.

Nesta reforma o governo promoveu uma série de medidas de abertura externa do primeiro nível (Transações de entrada de capitais), ao permitir a captação direta de recursos externos, por meio da regulamentação de alguns tópicos da Lei 4.131/62 e da edição da Resolução 63/67 do BCB, que dispôs sobre a captação de empréstimos externos pelos bancos nacionais para repasse41. Tal resolução foi um importante passo para a ampliação do acesso ao

remessas de lucros e dividendos em excesso a 10% do capital registrado, assim como royalties e assistência técnica em excesso a 5% da receita bruta da empresa (Barbosa, 1995:7).

39

Para Hermmann (2002) “A reforma de 1964-67 no Brasil representou a primeira tentativa governamental de organização do Sistema Financeiro Brasileiro. Face as condições de operação à época, essa reforma teve por objetivo explícito constituir, formalmente, instituições, instrumentos financeiros e regras de operação capazes de desenvolver um segmento privado de intermediação de recursos à médio e longo prazo no país”. Para mais detalhes ver Hermann (2002:p.239).

40

A autora destaca ainda que “[a] reforma teve por objetivo explícito constituir, formalmente, instituições, instrumentos financeiros e regras de operação capazes de desenvolver um segmento privado de intermediação de recursos a médio e longo prazo no país. A carência dessas instituições e instrumentos tinha fiado patente no último ciclo de investimentos ocorrido no Brasil, por ocasião do „Plano de Metas‟ do governo Juscelino Kubstchek (1956-61), cujo financiamento teve como fontes predominantes a emissão de moeda e o capital externo (este último, na forma de empréstimos bancários e investimentos diretos) ”. (Hermann, 2002:p.239) Para mais detalhes sobre a reforma, ver Hermmann (2002).

41 A Lei n.° 4.131 foi alterada em 29.08.64 pela Lei n.° 4.390 e regulamentada pelo Decreto n.° 55.762 de 07.02.65. “Como

elementos-chave desta forma legal complementada pela Lei 4.390 de 1964, se notam a estipulação de um imposto progressivo sobre remessas excessivas de lucros e dividendos e equiparados, a proibição da remessa de royalties entre subsidiária e matri z, a

23 mercado internacional para as empresas de capital nacional. Essa Resolução autorizou a contratação de empréstimos externos para repasse interno, para financiamento de capital fixo ou capital de giro. Nesta operação era permitida a contratação de empréstimos externos por bancos de investimento, de desenvolvimento privado, BNDES e aos bancos comerciais brasileiros autorizados a operar em câmbio, para repasse42.

Outra importante mudança na legislação, que veio em 1969, foi a Carta-Circular nº 5 (CC-5), que estabeleceu normas relativas às contas de depósito em moeda nacional de pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior. Segundo a CC-5, que regulamentava a remessa de divisas pelos não residentes, a movimentação de saldos em moeda nacional não resultante de moeda estrangeira antes vendidas pelos não residentes dependia de autorização do BACEN (Prates, 1997:119). Então, apesar de ser uma medida de liberalização, por seu intuito de facilitar as remessas, a carta manteve o poder discricionário do BCB. Além disso, segundo o Comunicado FIRCE n.º 10, de 12/09/1969, estavam sujeitas a Fiscalização e Registro de Capitais Estrangeiros as contratações de câmbio sob a forma de empréstimos, que deviam ainda ser autorizadas pelo BCB.

No que se refere ao mercado de capitais, na década de 1970 uma série de Leis e Resoluções do Bacen e do CMN foram editadas para estabelecer as regras de funcionamento do mercado de capitais e estimular o investimento, tanto externo quanto interno, no mercado de capitais e novas medidas foram adotadas com a esperança de aumentar a importância relativa do mercado de capitais doméstico43. Em 1975 foi editado o Decreto-Lei 1.401, que instituiu as Sociedades de Investimento de Capital Estrangeiro (SICE)44. Em 1976, o governo editou a Lei das Sociedades Anônimas (S.A.) e criou a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A expectativa era dar maior confiabilidade ao mercado de capitais doméstico e elevar sua participação como fonte de financiamento ao criar um órgão fiscalizador e que regulamentaria a

necessidade de autorização do Banco Central para quaisquer pagamentos por royalties e serviços ao exterior e a limitação da dedutibilidade das despesas de assistência técnica aos primeiros cinco anos de produção da recipiente da tecnologia” (Barbosa, 1995:2).

42

As responsabilidades globais dos bancos nos empréstimos externos não poderiam exceder a duas vezes o capital realizado mais reservas livres e para a operação era necessária a aprovação do Banco Central (Magalhães, 2000:19).

43

Dentre elas destacam-se: A Lei 4.595 de dez de 1964, que estruturou o Sistema Financeiro Brasileiro; A Lei 4.728 de julho de 1965, que regulamentava o mercado de capitais; A Resolução CMN 16, de fevereiro de 1966, criando as sociedades de capital aberto; A Resolução CMN 39, de outubro de 1966, regulamentando as bolsas e; a Resolução CMN 45, de Dezembro de 1966, que criou os bancos de investimentos (Hermann 2002:p.241 nota de rodapé). Para mais detalhes, ver Hermmann (2002:240-243).

44

“[A]s SICE tinham todo seu capital composto por ações ordinárias e seu objetivo era aplicar os recursos captados numa carteira diversificada de títulos e valores mobiliários. Pelo menos 50% das aplicações deveriam ser realizadas em ações e debêntures conversíveis, emitidas por empresas de capital aberto controladas pela iniciativa privada nacional, adquiridas no mercado pri mário ou secundário” (Souza Santos, 2005).

24 emissão de títulos, registros contábeis e fiscais e a divulgação de balanços das empresas. Contudo, estas primeiras tentativas não obtiveram sucesso e o mercado de ações continuou não atraindo recursos externos. A conjuntura internacional era diversa e o contexto macroeconômico mostrava-se também desfavorável ao investimento em ativos de renda variável (não indexados) no Brasil e, por conta disso, durante a segunda metade da década de 1970 os empréstimos bancários sindicalizados continuaram sendo a principal fonte de financiamento externo do país.

Na década de 1980, a grande instabilidade macroeconômica fez a atuação do governo ser “orientada por objetivos de curto prazo”, como “viabilização financeira do setor público e do próprio sistema financeiro”(Hermann, 2002). As mudanças na regulamentação financeira, ainda basicamente a da reforma 1964-67, procuravam reduzir a instabilidade macroeconômica, estabelecer o controle da inflação, minimizar impactos negativos desta e reduzir o desequilíbrio externo45. A situação delicada do país e as seguidas crises cambiais levaram o governo a desestimular, em certos períodos, a aquisição de moeda estrangeira, os pagamentos ao exterior e a centralizar as operações cambiais externas no BCB46.

Assim, até meados da década de 1980, o Brasil apresentava um quadro de relativa abertura à entrada de capitais externos e certo controle sobre as saídas de capitais. Os instrumentos de dívida permitidos eram basicamente os da Lei 4.131/1962, que permitia o endividamento externo indireto, por empréstimos bancários e diretos com emissão de Euronotas. Os Eurobônus e Fixed Rate Notes haviam sido permitidos na década de 1960 e as floating rates notes, na de 1970, quando a utilização de taxa de juros flutuante tornou-se prática predominante no mercado internacional de capitais como forma de neutralizar a maior instabilidade do câmbio e dos juros vigente após o colapso de Bretton Woods (Prates, 1997:106-107). Em relação à entrada de investimentos estrangeiros, a política que trata dos investimentos estrangeiros diretos, “[a] despeito de dificuldades com a dívida externa, especialmente nos anos 1980, jamais sofreu interferência ou descontinuidade” (Franco & Neto, 2004:18). Ainda assim, é importante notar que na década de 1980 a entrada de investidores estrangeiros no mercado brasileiro estava sujeita a

45

Para Hermann (2002:262) “(…) as sucessivas alterações na regulamentação financeira criada em 1964-67 buscaram, essencialmente, minimizar os efeitos danosos do galopante processo inflacionário sobre o setor público e o s etor financeiro e, indiretamente, sobre a economia em geral. Nesse período, antes que uma política de desenvolvimento, a gradual desregulamentação do SFB assumiu o caráter de uma política macroeconômica de curto prazo, que visava a dois objetivos centrais: assegurar o financiamento do déficit público persistente e condições razoáveis de sobrevivência ao setor financeiro, em meio ao contexto de alta inflação da época – este último, além de um objetivo em si, era também uma condição para que o financiamento do déficit se viabilizasse.”

46

A centralização cambial das operações externas no BCB ocorreu em 1983/4 (Resolução 851, de 29/07/83), e em 1989 (Resolução 1.564, de 16/01/89).

25 requerimentos de diversificação e capital inicial, a tributação sobre ganhos de capital e algumas possuíam duração determinada. Em relação à entrada de investidores no mercado de capitais doméstico, apesar de certo avanço na liberalização no período, as medidas que procuraram incentivar investimentos estrangeiros em valores mobiliários brasileiros não tiveram grande impacto devido à “retração de todas modalidades de investimento e empréstimos externos para os países latino-americanos após a crise da dívida externa, em 1982.” (Prates, 1997)

Em suma, até o movimento de liberalização ser iniciado em 1987, o controle sobre o capital estrangeiro previa que não poderia haver remessas que não fossem correspondentes a ingressos prévios, excetuando-se lucros, juros e royalties que, na lógica da Lei 4.131/62 “recompensavam a permanência” do capital estrangeiro no país. A autorização para remeter (repatriar) o capital estrangeiro, ressalvados juros e dividendos, estava limitada à receita cambial prévia. Para os outros capitais, inclusive os de propriedade de brasileiros, as normas definidoras da conversibilidade estiveram sujeitas, sucessivamente, às decisões do Banco do Brasil, Conselho da SUMOC e CMN, normas essas, em geral, restritivas, mas ocasionalmente sujeitas a liberalizações (Franco & Neto, 2004:31). Existiam ainda tarifas e limites sobre as transferências unilaterais e pagamentos aos serviços fatores.