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Abençoado seja o camelô dos brinquedos de tostão:

O que vende balõezinhos de cor (...)

(...) Alegria das calçadas Uns falam pelos cotovelos (...), outros coitados, tem a língua atada.

Todos porém sabem mexer nos cordéis com o tino ingênuo de demiurgos [de inutilidades. E ensinam no tumulto das ruas os mitos heróicos da meninice... E dão aos homens que passam preocupados ou tristes uma lição de infância.

Manuel Bandeira

Nos anos noventa, a atividade comercial no setor informal foi a que mais propiciou postos de trabalho [Melo et alli (1998)], e conseqüentemente tornou-se ainda mais significativa a parcela de trabalhadores envolvidos as atividades informais. O comércio informal de produtos artesanais ou industrializados, nos espaços públicos da maioria das cidades brasileiras veio tornar ainda mais significativa a categoria dos camelôs – dentro do universo da informalidade.

O comércio informal, tão presente na paisagem urbana, vem fazendo parte da história brasileira de longa data, o termo que outrora fora associado ao comércio ambulante e ao mascate, como já fora comentado anteriormente não pode ser generalizado à atividade do camelô de hoje, porque as atividades ora citadas, correspondem a momentos históricos distintos. Muito semelhante ao ambulante de outrora, os camelôs de hoje continuam exercendo suas atividades à margem do setor formal, estão fora deste, mas não do “campo econômico”, ou seja, participam deste sem que com este possuam qualquer vínculo legal.

A literatura latino-americana que contempla a questão do incremento das atividades informais nos grandes centros urbanos, a fazem considerando que o setor informal é um refúgio àqueles desempregados rural ou industrial que possuem mão- de-obra não qualificada – e que por isso não conseguem sua inserção ou re- inserção no mercado formal de trabalho, e o local mais propício para o

desenvolvimento das atividades informais relacionadas com a prática do comércio, é claro nos centro da cidade.

Observados nas ruas, praças, geralmente compondo a paisagem urbana, os camelôs podem ser identificados geralmente como trabalhadores que após um período de desemprego passaram a desenvolver essa atividade dentro dos moldes da informalidade por não encontrar na formalidade condições de absorvê-lo.

Nesse sentido, fica claro que a situação econômica do trabalhador não é uma questão de escolha, mas um viés pela falta de opção. A crise econômica de um país, de uma região, ou da economia como um todo, vão se refletir justamente naqueles que não tendo como superar a situação de desemprego e necessidade passam a vislumbrar na atividade de camelô uma saída estratégica de sobrevivência.

O termo camelô de acordo com Ribeiro (2002) provém do dialeto francês, “camelot”. E por influência da cultura francesa, a terminologia acabou sendo utilizada também no Brasil – tendo o mesmo significado – para representar os comerciantes que se instalam nas vias públicas paralelamente ao comércio formal. Alguns desses negociantes informais possuem autorização do poder público municipal para atuar, nos logradouros públicos, outros não.

O trabalho desenvolvido nas ruas proporciona aos camelôs, não somente uma situação distinta em relação aos trabalhadores formais, mas também aos próprios informais. Por ocupar um espaço público24, estes se tornam mais

24 O setor informal estabelece uma distinção entre os atores nele envolvidos (por exemplo: os

indigentes e mendigos). Os camelôs que estão embutidos nesse setor, são trabalhadores que não pertencem ao contingente do setor formal do trabalho, porém não estão excluídos da esfera econômica. Dessa forma, a palavra “excluído” caberia melhor àqueles que não conseguem ao menos fazer parte desta esfera econômica (indigente e mendigos), que acabam por constituir um universo de pessoas que não possuem um lugar na vida social.

vulneráveis com relação ao fisco, em decorrência das denúncias feitas pelos comerciantes formais e da própria população.

Segundo estudos já desenvolvidos por Cavalcanti (1980) na região nordeste do Brasil, a atividade de camelô, atribui aos trabalhadores que a desenvolvem alguns traços bastante peculiares. No caso, geralmente o perfil dos camelôs:

“se caracteriza por possuir baixo nível escolar, pela procedência de famílias de baixa-renda, geralmente possuem idade superior a 20 anos, sendo que grande parte desse comércio é ocupado por mulheres que tem nessa atividade uma forma complementar a renda familiar”.

De acordo com pesquisas já realizadas pelo IBGE/PNAD a partir do ano de 199725, nos Estados e Regiões Metropolitanas de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, são os camelôs, a categoria mais representativa dentro da prática das atividades informais, tanto comercializando produtos quanto serviços.

Para Cavalcanti (1980), esse percentual da população que desenvolve o comércio informal, integram as atividades ocultas legais, ou seja, compõem a economia informal por falta de registro exigido pelo poder público, mas desenvolvem atividades geradoras de bens e serviços perfeitamente legais.

Dessa forma, através da ocupação de camelô, uma parcela gradativamente maior ano a ano vai se agregando às atividades informais visando driblar uma questão comum nos grandes centros urbanos, “o desemprego”. Ainda, que com

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baixos e oscilantes rendimentos, incertezas quanto a ocupação, desgaste extensivo da força de trabalho, utilização da mão-de-obra familiar sem remuneração, entre outros; muitos trabalhadores optam pelo exercício dessas atividades, geralmente porque alguns fatores dificultam sua inserção ou reinserção no mercado de trabalho – dentre estes pode-se destacar o nível de escolaridade, a falta de qualificação da mão de obra, a idade entre outros.

Nesse sentido, pode-se afirmar que observa-se, que o setor informal ocupa apenas espaços econômicos intersticiais, não se contrapondo ou mesmo se impondo ao sistema hegemônico. Como conseqüência, atividades como as desenvolvidas pelos camelôs – que se situam no limite mínimo de reprodução da força de trabalho – propagam-se e vão modificando a paisagem social e urbana, procurando amenizar a pobreza, contudo, não a eliminam. Atenuam, de certa forma, as conseqüências impostas pelo novas exigências do mercado de trabalho, porém, não modificam sua dinâmica.

Assim, os camelôs como os trabalhadores informais de maneira geral por apenas disponibilizarem sua força de trabalho, e por não deterem recursos financeiros e tecnológicos – necessários para criar condições de acumulação capitalista – assemelham-se à classe operária, sobretudo porque também são explorados pelo capitalismo. Dessa forma, pode-se até enfatizar que o exercício da atividade de camelô constitui uma atividade tão precária quanto as outras desenvolvidas no bojo do setor informal, seja pela incerteza de suas relações, seja pela própria fragilidade que o exercício desta impõe aos seus trabalhadores.