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2.1. Apresentando a pesquisa

O objeto de estudo, hábitos alimentares, tem na Nutrição ferramentas como os inquéritos de consumo alimentar, seja por instrumentos na forma de recordatórios ou pesagens diretas com o objetivo de quantificar o consumo dos comensais e, assim, traçar as intervenções, sejam na questão clínica ou coletiva.

Os inquéritos de consumo alimentar são análises dos alimentos consumidos pelo indivíduo ou grupo estudado em determinado período e local, tendo uma visão biológica da ingestão. Ressaltamos, contudo, que neste estudo não nos direcionaremos para análise de consumo alimentar traçando julgamentos de valores biológicos, mas buscando a compreensão da construção cultural dos hábitos alimentares dos professores de educação infantil pela abordagem das Ciências Sociais, sem reproduzir os inquéritos alimentares da área de nutrição, na tentativa de evitar julgamentos de valores.

A escolha do campo desta pesquisa vem das observações de minha atuação como Nutricionista por quatorze anos, em uma creche de caráter institucional, em especial da prática profissional dos professores de Educação Infantil no desenvolvimento de projetos, inclusive na área de alimentação e nutrição. São propostas de trabalho desenvolvidas com as crianças e famílias, em que os professores utilizam suas experiências de vida relacionadas à alimentação e nutrição. A motivação da pesquisa se coaduna com a investigação da forma com que os professores compreendem seus hábitos alimentares em seus valores mais simbólicos: “há no campo da nutrição algo mais simbólico e subjetivo voltado para o social” (CANINE e RIBEIRO, 2007, p. 48).

2.2 Métodos:

A pesquisa qualitativa é ideal para os estudos de caráter subjetivo, que analisam os aspectos simbólicos, percepções, interações e análise de fenômenos interpretativos, como o de hábitos alimentares de professores de Educação Infantil, objeto de estudo

desta pesquisa. Seu objetivo não é restringir-se aos dados estatísticos, mas analisar os sistemas de relações de significados. Tem-se a possibilidade de uma análise rica das informações e uma interpretação esclarecedora ao observar o comportamento, a fala ou a linguagem não verbal dos indivíduos envolvidos na pesquisa (LAPLANTINE, 2004; SAUERBRONN e CERCHIARO, 2004).

Estudos dessa natureza exercem papel fundamental no foco de análise em questão. Neste tipo de pesquisa empregam-se as concepções das Ciências Sociais:

...com um nível de realidade que não pode ou deveria ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. Esse conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes. (MINAYO, 2013, p. 21).

Utilizamos na produção de dados a técnica de entrevistas semi-estruturadas (Roteiro de perguntas no Anexo 2). A escolha pela técnica aconteceu por possibilitar a combinação entre perguntas abertas, conferindo maior liberdade ao entrevistado no desenvolvimento sobre o tema. A aproximação com o entrevistado, na entrevista, permite ir além dos conceitos, diante do interesse na compreensão de fenômenos como os hábitos alimentares pelos professores de Educação Infantil (MAZZOTTI & GEWANDSZNAJDER, 1998).

O roteiro elaborado teve questões previamente definidas e foi conduzido informalmente, na forma de conversas, permitindo ainda retomar questões que tivessem ficado com “lacunas” no relato do entrevistado, auxiliando ainda na recomposição do contexto da entrevista, caso o entrevistado tivesse por algum motivo se afastado e prejudicado o entendimento de questões importantes para o alcance dos objetivos da pesquisa (BECKER, 1997, BONI e QUARESMA, 2005, GIL, 2009).

As entrevistas foram realizadas em instituição de Educação Infantil, individualmente, em horários previamente agendados no mês de outubro de 2014. Foram gravadas e transcritas pela pesquisadora e as mensagens quanto a gestos, forma de “falar” e impressões do entrevistador foram registradas por meio de notas. As anotações, segundo Nogueira (1975)25

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NOGUEIRA (1975) Livro composto pelas notas de aula na disciplina do curso de Introdução às técnicas de pesquisa social, ministradas pelo sociólogo Oracyr Nogueira no ano de 1951, promovido pela Comissão Paulista de Folclore e pelo Centro de Estudos de Folclore Mário de Andrade.

... devem conter elementos que permitam responder a quatro ordens de perguntas: o que, onde, quando, quem. Devem, portanto trazer, além da descrição dos fatos a que se refere, indicação do local e data em que se deu cada manifestação, bem como informações sobre os participantes de cada situação. (NOGUEIRA, 1975, p. 102)

Durante as entrevistas, os entrevistados foram solicitados a fazer relatos de questões relativas à memória de seus hábitos alimentares, processo que, de modo geral, é individual e ocorre em meio social dinâmico, valendo-se de instrumentos socialmente criados e compartilhados. Depreende-se disto que as memórias poderiam ser semelhantes, contraditórias ou sobrepostas e conferiram praticamente uma identidade que buscamos nos entrevistados (PORTELLI, 1997).

Para a identificação do discurso será utilizada, como suporte, a teoria da reprodução (BOURDIEU e PASSERON, 1970). Na teoria da reprodução da Educação, Bourdieu e Passeron consideram os conceitos em sua totalidade, como a noção de

habitus, capital e campo que são utilizados para definir como opera a Educação em seu

nível de domínio; entretanto, o principal conceito dos autores, nesta teoria, é o de violência simbólica. Entendem que o espaço de Educação, e aqui incluímos o de Educação Infantil, permeia uma violência simbólica imposta pelas classes dominantes às classes dominadas, já que as relações sociais são permeadas por relações de força e de sentido entre grupos ou classes.

Os professores de Educação Infantil, em sua prática, se apropriam dos conceitos de promoção da saúde e hábitos saudáveis com as crianças e como a construção de seus

habitus (BOURDIEU, 1998) enquanto disposições duráveis, estruturas estruturadas e

estruturantes, impactam nessa relação e a relação com a teoria de reprodução na Educação. O conceito de habitus de Bourdieu considera não apenas as condições objetivas, mas sua relação como estrutura estruturante que pode afetar as condições concretas da sociedade, imprimindo, desta forma, a perspectiva subjetiva por meio da ação social.

Verificar o que os professores de Educação Infantil entendem como seus hábitos alimentares, no contexto do conceito de habitus de Bourdieu, merece destaque diante das perspectivas do Plano Nacional de Educação (PNE) para universalização de atendimento da faixa etária de pré-escola até o ano de 2016 (Meta 1) e a relação de proximidade desta categoria com as crianças servindo como referência de suma importância na construção de hábitos.

2.3. Análise dos dados

Em paralelo à produção de dados gerados pelas entrevistas, iniciamos a análise caminhando “tanto na direção do que é homogêneo quanto no que se diferencia dentro de um mesmo meio social” (GOMES, 20013, p. 80).

O foco principal da pesquisa foi a exploração dos hábitos alimentares dos professores de Educação Infantil tendo como orientação a perspectiva de análise de conteúdo. A definição de Bardin (1979) quanto à análise de conteúdo é:

Conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. (BARDIN, 1979, p. 42).

Depois de transcritas, pela pesquisadora, as entrevistas foram lidas e relidas várias vezes para possibilitar suas análises em profundidade. A partir das leituras foi realizado o levantamento dos temas mais frequentes. Além da análise das falas nas transcrições das entrevistas, foram percebidos e registrados momentos como as pausas e o “não dito” como gestos, risos, expressões de espanto, dentre outros.

Tal levantamento indicou os “núcleos de sentido”, que são a essência dos relatos das entrevistas, mas, contudo, sem perder de vista o contexto mais amplo.

Os núcleos de sentido nortearam os recortes do texto e assim organizaram as temáticas no momento da análise horizontal das entrevistas. Diante do quadro, agrupamos e reagrupamos os recortes, de acordo com o significado dado aos temas que podiam ser dos mais específicos aos mais gerais. Desta forma, as categorias foram definidas, desvelando o sentido que as entrevistas trouxeram sobre os hábitos alimentares dos professores de Educação Infantil.

Vale ressaltar ainda que as categorias da pesquisa buscaram analisar e entrecruzar os hábitos alimentares dos entrevistados nas suas lembranças em família, no passado em suas infâncias, e no presente com as famílias que constituíram. A leitura e releitura das entrevistas transcritas, com os temas recorrentes nas entrevistas, possibilitaram a construção de um quadro (Anexo 3), conforme proposta de Bardin (1979) apontando que a repetição trazia significados dentro dos objetivos propostos na pesquisa. Utilizei, ainda, o diário de campo e matérias de mídia como suporte e

sustentação às temáticas. Assim, com base no objetivo da pesquisa de conhecer os hábitos alimentares dos professores de Educação Infantil, na análise das entrevistas elegi duas categorias de análise iniciais entre o passado e o presente nos hábitos alimentares, e a partir delas surgiram outras categorias pelas observações dos entrevistados. Dentre essas, podemos citar a forma com que os professores de Educação Infantil se relacionam com a alimentação e saúde, além da contribuição da relação família e escola para o segmento de Educação.

2.4 Considerações éticas

A pesquisa obedeceu ao que estabelece os preceitos da Resolução 466 do Conselho Nacional de Saúde, de 12 de dezembro de 2012 e o projeto de pesquisa foi submetido à apreciação e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense conforme número CAAE 3667134.5.0000.5243 na Plataforma Brasil.

Os professores de Educação Infantil entrevistados foram esclarecidos sobre a não obrigatoriedade na participação da pesquisa. Além disto, realizamos a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 1), elaborado de acordo com as diretrizes do CEP-HUAP e com o consentimento na participação da pesquisa, solicitamos a assinatura do termo. Tais procedimentos foram condições obrigatórias para a realização das entrevistas.

Não previmos como critérios de participação que os professores fossem portadores de algum sofrimento ou objetos de quaisquer procedimentos experimentais. Assim, nesta pesquisa garantiu-se aos seus participantes, o cumprimento dos princípios éticos de beneficência e não maleficência.