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Os procedimentos de coleta e análise de dados constituiram-se em uma etapa do processo, no qual se retroalimentaram constantemente, pautando-se pelo modelo de triangulação, proposto por Triviños (1987). Segundo esta técnica, e supondo que estamos estudando sujeitos ou organizações determinados, o interesse deve estar dirigido I) em primeiro lugar aos processos e produtos centrados no sujeito ou organização; II) em seguida aos elementos produzidos pelo meio do sujeito ou da organização e por último, III) aos processos e produtos originados pela estrutura socioeconômica e cultural do macro- organismo social.

I) Para buscar as informações necessárias sobre os processos e produtos centrados nos sujeitos e na organização foram utilizados três instrumentos de coleta de dados: questionário, observações e entrevista semi-estruturada;

O questionário sobre hábitos de lazer da população da cidade (anexo 2) teve por objetivo caracterizá-la quanto aos seus hábitos de lazer, seus usos do tempo, sua situação socioeconômica e o conhecimento ou desconhecimento das políticas públicas de lazer no município.

Para a aplicação destes questionários, contei com uma equipe de cinco voluntários, alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.7 Montamos uma sistemática de reuniões para organizar a coleta de dados, a divisão do trabalho, a superação dos problemas e, por fim, a discussão dos resultados obtidos e de aspectos importantes observados no processo (principalmente de cunho teórico, em confronto com a realidade).

Na aplicação dos questionários, foi utilizado o critério de amostra induzida, tomando por base os seis grupos administrativos em que estão divididas as coordenações regionais da SME8 (anexo 3). Esta divisão em dezesseis regiões também é usada para o processo do OP.

1. Centro

2. Lomba do Pinheiro, Partenon, Leste e Glória*. 3. Ilhas, Humaitá e Navegantes.

4. Sul e próximas: Cruzeiro, Cristal, Centro-Sul, Extremo-Sul* e Restinga

5. Noroeste

6. Norte, Nordeste* e Eixo da Baltazar*

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* Este símbolo representa as regiões nas quais a SME não possui atendimentos sistemáticos.

Definidas as regiões, foram sorteadas as ruas, utilizando-me de um programa que contém todos os logradouros de Porto Alegre. Estabeleceu-se um intervalo proporcional ao número de logradouros que cada região possui.

Definidas as ruas onde seriam aplicados os questionários, o entrevistador ia até o local e abordava a primeira pessoa residente que estivesse disponível a responder as perguntas. Foram aplicados 240 questionários; número que compôs a amostra final.

A intenção do questionário, em conjunto com dados obtidos no IBGE e na Organização Não Governamental (ONG) Cidade, foi caracterizar minimamente a população porto-alegrense em relação à participação e a seus hábitos sociais, políticos e econômicos.

7 Os critérios de seleção dos voluntários foram a disponibilidade de tempo para a aplicação dos questionários

e para as reuniões periódicas de discussão do andamento do trabalho e dos resultados e o interesse pela temática do estudo.

8 Para estabelecer a descentralização administrativa, a Frente Popular propôs a divisão da cidade em dezesseis

regiões, nas quais funcionam Centros Administrativos Regionais (CAR) e acontecem as plenárias regionais do OP. Como a SME possui um quadro reduzido de recursos humanos optou por aglomerar algumas regiões.

Cada um dos entrevistadores tinha um caderno de campo, no qual privilegiava a anotação de suas impressões sobre o entrevistado – quanto ao grau de fidedignidade das informações prestadas e quanto à disponibilidade e interesse -, a descrição de cada local onde foi aplicado o questionário e outras impressões que pudessem ser importantes para o tema.

As observações foram realizadas em todas as fases do OP municipal, nas plenárias temáticas (primeira e segunda rodadas), nas plenárias regionais da região extremo-sul, do centro, bem como nas comunidades dessas regiões, e nas rodadas intermediárias da plenária temática de educação, esporte e lazer.

A escolha das regiões que observei teve como parâmetros as instalações existentes, as ações sistemáticas no campo do lazer, assim como as condições organizativas e participativas de cada local; e o tempo de inserção nas discussões orçamentárias além do número de habitantes. A região centro foi escolhida por possuir um número maior de ações sistemáticas de lazer proporcionadas pela SME e de equipamentos urbanos públicos com este fim; mais tempo de inserção na discussão orçamentária; a associação comunitária mais antiga da cidade ainda em funcionamento e dificuldades físico-territoriais para a construção de novos equipamentos, destinados às atividades de lazer.

A região extremo-sul não possui nenhuma atividade sistemática de lazer, proporcionada pela SME e poucos equipamentos urbanos públicos de lazer; tem bairros antigos e moradores que lá vivem há longa data. Os vínculos associativos estão dispersos, as comunidades reúnem-se para discutir temas específicos, muitas vezes pensando exclusivamente na solução imediata de problemas; possui espaço físico-territorial, no qual poderiam ser construídos novos equipamentos de lazer, bem como diversos clubes e entidades classistas, com as quais a prefeitura pode realizar ações conjuntas ou gestões partilhadas.

As observações foram consideradas como a possibilidade de captar o que não é expresso oralmente. Verificou-se por meio da inserção nestas comunidades, por um determinado tempo, as suas formas de organização, do lazer e de convivência social; o que existe além das representações, expressas verbalmente, as tensões que podem ser caracterizadas como lutas cotidianas de poder e/ou convivência.

As entrevistas semi-estruturadas (anexo 4) foram aplicadas a nove representantes ou ex-representantes da administração municipal e a seis líderes comunitários, três de cada região escolhida para as observações.

Podemos entender a entrevista semi-estruturada como aquela que parte de questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses que interessam à pesquisa. Segundo Triviños as entrevistas semi-estruturadas “são resultados não só da teoria que alimenta a ação do investigador, mas também de toda a informação que ele já recolheu sobre o fenômeno social que interessa, não sendo menos importantes seus contatos, inclusive, realizados na escolha das pessoas que serão entrevistadas” (1987 p. 146).

A escolha dos sujeitos entrevistados se deu no contato com os documentos da administração municipal, na participação das plenárias temáticas e regionais do OP, no Terceiro Congresso da Cidade – em todas as suas etapas - e nas observações realizadas nas regiões, que permitiram identificar as lideranças provenientes do governo e das comunidades. A escolha de sujeitos da administração se deve à estreita ligação que estes tem com os fóruns institucionalizados de participação da população e com a temática estudada. Já os líderes comunitários foram identificados junto aos seus pares, pela sua disponibilidade em defender as demandas de suas comunidades, bem as representando.

II) Para analisar os elementos produzidos pelo meio, busquei documentos legais, materiais impressos que refletissem algum aspecto da discussão das políticas públicas no âmbito do lazer, principalmente frutos do OP, do Congresso da Cidade e de diretrizes das políticas dessa temática. Foram analisados os documentos provenientes da SME e seus respectivos programas, projetos e ações; a lei Orgânica do Município de Porto Alegre; o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA); os documentos do OP: regimentos internos, planos de investimentos e serviços 2000 e prestação de contas 2000; as demandas que chegaram ao Centro de Relações Comunitárias (CRC); os documentos do III Congresso da Cidade; e os documentos que contêm as Diretrizes Gerais das Políticas para o Município de Porto Alegre.

III) A terceira perspectiva de análise – processos e produtos originados da estrutura socioeconômica e cultural – foi realizada durante todo o contato com o material bibliográfico , procurando situar o problema estudado num contexto nacional e internacional.

O estudo é composto de três capítulos.

O capítulo I, as Políticas Públicas de Lazer em Porto Alegre: o lugar da SME, trata de uma análise sobre as políticas desta secretaria. Verifiquei o processo político, no primeiro e no segundo mandatos da Frente Popular na administração em Porto Alegre. Dei destaque especial às divergências internas que existiram na SERP, durante o primeiro mandato, que influenciaram a criação e o futuro da secretaria. Constatei a criação da SME em 1993, descrevendo sua legislação, sua organização interna, na qual encontra-se contemplada a possibilidade de relação direta com as comunidades por intermédio da assessoria comunitária (ASSCOM). Baseando-me principalmente no papel da ASSCOM, discuti como a secretaria incorpora-se a uma política geral do município que prima pela participação da população na definição e gestão das políticas públicas.

Analisei a base conceitual que dá sustentação às ações, em especial no lazer; a distribuição geográfica dos atendimentos e as áreas não atendidas. Focalizei ainda os programas, projetos e eventos realizados, explicando cada um deles, frente a base conceitual e a legislação da SME.

No capítulo II - da Idiotia à participação cidadã -, abordo os diferentes fóruns de participação adotados pela Frente Popular em Porto Alegre e as perspectivas para uma cidadania emancipatória no âmbito do lazer. Tomei como referência o OP, o III Congresso da Cidade e as comunidades observadas. Estes fóruns são instâncias privilegiadas de interlocução do poder público com a sociedade civil para a execução do modelo híbrido, nos quais dialogam democracia representativa e participativa.

Neste capítulo discorro acerca dos principais conceitos que permeiam a proposta de participação cidadã, estabelecida pela gestão da Frente Popular em Porto Alegre. São trabalhados conceitos como esfera pública não-estatal, participação, cidadania: seus limites e alternativas para a emergência de uma forma que prime pela emancipação; democracia de massas, guerra de movimento e guerra de posição, como formas pretéritas que sustentam conceitualmente o atual modelo da Frente Popular.

O capítulo III intitula-se avanços e paradoxos - da participação cidadã na reivindicação de políticas públicas de lazer em Porto Alegre – considerações finais. A partir de algumas premissas, como por exemplo, a necessidade de analisar as reivindicações por lazer num diálogo mais abrangente com outras políticas; de que a questão conceitual do lazer é importante para a definição das ações setoriais e que o lazer possui duas categorias principais: tempo e espaço, discuto a participação cidadã na definição de políticas públicas de lazer em Porto Alegre, na forma de avanços e paradoxos, entendendo que essas são considerações que poderão ser acolhidas ou negadas e superadas na prática social.

AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER EM PORTO ALEGRE: o lugar da Secretaria Municipal de Esportes, Recreação e Lazer. _________________________________________________________________________ Abomino a ordem que confisca o tempo, que confisca a vida e ensaia tão cedo a prisão perpétua do comportamento. (Drummond)

A realidade brasileira atual, fruto de todas as mudanças ocorridas no decorrer destes últimos séculos que caracterizam a modernidade e a sociedade urbana e industrial, tem como forte tendência à especialização integral do tempo. Sintetiza-se, assim, a fragmentação do trabalho e do tempo livre de trabalho; enfim, do humano e, conseqüentemente, de suas relações sociais.

Como nos diz Drummond, é no confisco do tempo que se controla a vida e aprisionam-se os comportamentos a modelos sociais necessários às relações de produção. Esta fragmentação está diretamente relacionada com a necessidade de produzir mais e melhor, ao acúmulo de riquezas, à divisão social do trabalho e, com ela, ao controle do tempo produtivo.

No começo do capitalismo a necessidade era a produção em série, porém, para que este modelo econômico se espraiasse pelo mundo, devia expandir-se para os países periféricos. Esse ciclo expansionista foi fortemente alicerçado pela intervenção do Estado. Nessa fase, foi preciso controlar o tempo do trabalhador e dotá-lo de condições sociais mínimas à sobrevivência e à reposição de sua força. Com a industrialização “[...] os grandes centros urbanos [começaram a viver] sob a cadência de um tempo que pode e deve ser medido, dividido, contabilizado, poupado e separado em compartimentos distintos: tempo livre, tempo de trabalho, tempo de estudo, etc” (SANT`ANNA, 1994, p. 14).

Luciana Marcassa, ao analisar o que denominou de invenção do lazer na cidade de São Paulo, no início do século XX, afirma que, com o avanço do capitalismo, houve a necessidade de organização do tempo de trabalho e do tempo livre. Neste último, “a educação, o descanso e a diversão foram bem definidos e delineados, tendo em vista a necessária reposição e preparação da força de trabalho para o retorno à produção” (2002 p.11).

Deste período em diante, no Brasil, o lazer ganhou espaço como uma política pública de cunho social, estimulada e estabelecida por setores do poder público.

Como vimos na introdução, a história destas políticas em Porto Alegre não se delineou de forma diferente do restante da realidade brasileira, contudo, quando a Frente Popular assumiu a administração municipal, o discurso sobre as propostas e as ações nesta área ganhou outras características.

2.1. Alguns aspectos da conjuntura geral quando a Frente Popular assumiu a