• Nenhum resultado encontrado

Nas últimas décadas têm se dado importantes avanços em termos legais para garantir os diretos das comunidades negras, como a promulgação de leis promovidas pelas próprias organizações sociais da população negra41, mais que a vontade dos

governos. O processo de luta para libertar-se das cadeias da escravidão, visíveis e invisíveis, tem sido longo e difícil. A estrutura racista sobre a qual nossas sociedades foram cimentadas ainda permanece, razão pela qual modificar as condições atuais da dessa população é um trabalho que implica grandes esforços. A escravidão deixou a população negra em situação de iniquidade em relação ao restante das pessoas e essas diferenças são visíveis até hoje.

Brasil e Colômbia, dois dos países da América Latina com maior concentração de população negra na região42, teriam processos de desenvolvimento diferentes, mas

nos dois casos a sociedade seria fundada sob as ideias da mestiçagem e da democracia racial, com o intuito de negar a existência das comunidades negras. Wade (2008) afirma que a identidade da população negra na América Latina encontra-se definida pela conformação do Estado-Nação; a mestiçagem, o indigenismo e o branqueamento constituíram os eixos para a constituição e a definição da população na região, no intuito de que, no futuro, a população fosse majoritariamente branca. “En este discurso, lo negro y lo indígena se identifican como algo arraigado en el pasado, algo inferior, algo que se tiene que superar” (WADE, 2008, p.119). Depois de extensos processos de luta e organização, nos dois países o racismo foi reconhecido, gerando mudanças em termos legislativos, com o intuito de reparara as comunidades negras e assegurar sua manutenção, respeitando seus traços culturais específicos.

A proteção dos direitos de todas as pessoas e principalmente daquelas reconhecidas como mais vulneráveis: crianças, mulheres, determinados grupos étnicos e raciais, etc., foi garantida no mundo, em termos de leis, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) (1948), com o “reconhecimento do ser humano em termos de igualdade, dignidade e como sujeito de direitos, sem distinção alguma em relação a sua raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião pública o de

41 Inicialmente, e desde a década de 70, o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação

Racial (MNU), no Brasil, e o Movimento Cimarrón, na Colômbia, fizeram pressão para que suas demandas fossem escutadas por seus respectivos governos.

42 Na Colômbia a população negra, segundo o último censo de 2005, representa 10,7% do total e,

qualquer outra índole, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento o de qualquer condição”. (DUDH, 1948; Artigo 2).

Mesmo com a existência da DUDH, foram necessárias convenções, tratados e conferências específicas para discutir as diferentes formas de discriminação e de violação dos direitos humanos, assim como a busca por mecanismos de proteção para estes grupos particulares. Entre eles, podemos resgatar: a Convenção para a Eliminação sobre todas as formas de Discriminação contra a mulher (CEDAW), 1979, na qual são proibidas todas as formas de discriminação dirigidas à mulher; a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, que havia sido adotada pelas Nações Unidas em 1965 e que é clara em advertir que são falsas todas aquelas doutrinas que apontem algum tipo de superioridade baseada em raça, condenando enfaticamente e em todas suas formas a discriminação racial; e a IV Conferência Mundial sobre a mulher em Beijing (1995), na qual deu-se visibilidade a diferentes segmentos de mulheres, reconhecendo outras identidades femininas como o feminismo negro.

Em suma, ocorreram importantes avanços em termos legais para a proteção das pessoas, em especial de aquelas consideradas mais vulneráveis. Com isto, foi se ampliando um panorama positivo no mundo em matéria de direitos humanos.

Centrando-nos nas últimas constituições dos dois países em questão, é possível afirmar que na Colômbia, a partir da Constituição de 1991, abre-se um processo de transformação política e cultural, principalmente para a população negra. É a partir dos preparativos para a nova constituição que processos de reconhecimento e legitimação de identidades aparecem com maior força. Porém, foram as comunidades indígenas as que ganharam maior representatividade e reivindicações no documento final. As comunidades negras não obtiveram o reconhecimento como grupo étnico necessário, para ter demandas específicas e acesso a direitos de forma diferenciada. A necessidade de participar da Assembleia Constituinte gerou organizações e mobilizações nos movimentos sociais e assim, mesmo depois da promulgação da nova Constituição, as organizações e movimentos viram-se impelidos a se fortalecer.

Especificamente na Constituição de 1991, na Colômbia, é reconhecida e garantida a proteção da diversidade étnica e cultural da população. No caso de garantias de direitos das comunidades negras, pode-se afirmar que foi o Artigo Transitório 55 o único que impediu uma vez mais a invisibilidade deste grupo. A partir dele, foi criada

a Lei 70 de 1993, que reconheceria o direito à propriedade para as comunidades negras sobre as terras baldias ocupadas em zonas rurais na ribeira dos rios, na bacia do Pacífico. Direito a ter propriedade coletiva de acordo com suas práticas de produção. Com isso, estabeleciam-se mecanismos de proteção para a identidade cultural e para a proteção dos direitos dessas comunidades, junto com o fomento para o desenvolvimento econômico e social. O acesso a estes territórios específicos tem se dificultado devido aos interesses em torno a eles: ampla riqueza natural e localização estratégica; a entrega destes territórios às comunidades viria discordar do modelo de desenvolvimento neoliberal imposto no país.

Pode-se afirmar que com a promulgação da nova Constituição muda o panorama para os movimentos sociais, mas principalmente para as mulheres que percebiam a necessidade de espaços próprios de organização. Na carta constitucional, afirma-se que mulheres e homens são sujeitos de direitos e oportunidades em iguais condições. Deste modo, as condições em termos do ambiente normativo, começariam a ser favoráveis para as reivindicações de grupos historicamente vulnerados. Assim, em 1992 acontece o Encontro de Mulheres da Costa Pacífica no qual é criada a Rede de Mulheres Negras do Pacífico com o fim de articular ações relacionadas com as problemáticas que afetavam a comunidade negra em geral e particularmente as mulheres. No mesmo ano é criada também a Rede Nacional de Mulheres Chocoanas com o intuito de se organizar para reivindicar os direitos das mulheres negras, assim como as possibilidades de participação nas esferas pública e privada.

Ao mesmo tempo movimentos feministas de todas as índoles vinham se organizando para impulsionar leis de proteção e garantia dos direitos das mulheres. É o caso da Lei 248, de 1995, que aprovou a Convenção Interamericana para prevenir, sancionar e erradicar a violência contra a mulher; a Lei 1257, de 2008, com o objetivo de garantir às mulheres uma vida livre de violência tanto no espaço público quanto no âmbito privado; a Lei 1542, de 2012, que facilitaria o processo de denúncia dos casos relacionados com violência intrafamiliar, e recentemente a Lei 1761, de 6 de julho de 2015, que tipifica o feminicidio como delito autônomo, para investigar, sancionar, prevenir e erradicar as violências contra as mulheres por motivo de gênero e discriminação.

Leis como estas têm servido de insumo para começar a proteger também às mulheres negras vítimas da guerra no país. Assim, em 2011, criou-se a Lei 1448, mais

conhecida como Ley de Víctimas y Restitución de Tierras, que estabeleceu medidas judiciais, administrativas, sociais e econômicas, tanto individuais quanto coletivas, para beneficiar as vítimas do conflito armado, garantindo seu direito à verdade, justiça e reparação; além disso, com a lei foram criados os Centros de Atención e Investigación Integral de las Víctimas de Delitos Sexuais (CAIVAS).

No plano regional, no Chocó, atendendo às diretrizes nacionais, formulou-se o Plan de Acción Territorial para Víctimas (PAT) do departamento, que permitiu a implementação de programas de prevenção, promoção, atenção, assistência e reparação integral à população deslocada e vítimas do conflito armado. Já em Quibdó foi criada, numa iniciativa inédita na cidade, a Política Pública Mujer Género y Diversidad, em articulação com os movimentos sociais de mulheres e como ferramenta para atender as necessidades específicas deste grupo ainda mais no contexto do conflito.

Tanto na Colômbia como no Brasil, a III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância em Durban, na África do Sul, em 2001, estabelece um marco importante para desenvolver planos de ação para combater e erradicar o racismo e promover a igualdade. Pela primeira vez na história, reconhece-se a escravidão e o tráfico de escravos como crimes contra a humanidade, cujas consequências refletem-se até os dias atuais sob a forma de exclusão social, discriminação racial e pobreza.

No caso do Brasil, na Constituição de 1988, foi incluído o Artigo Transitório 68 que, do mesmo modo que a Lei 70 na Colômbia permitiu o reconhecimento da posse de terras para os remanescentes das comunidades quilombolas. A partir daí surgiram outros fatos para reconhecer condições particulares das comunidades negras. Em 1989, por exemplo, foi criada a Lei No. 7.716 para definir como crime o preconceito por raça ou cor. Na década de 90, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi reconhecida a discriminação racial e criada uma comissão nacional com o intuito de propor medidas para superar essa situação.

Em 2003, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva

,

foi lançada a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, junto a qual, no mesmo ano, foi criada a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR), para formular políticas e implementar legislação de ação afirmativa, entre

outras ações. Além disso, com o Decreto No. 4.887, ainda em 2003, é regulamentado o procedimento para a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.

Um exemplo de medidas de integração e combate ao racismo é a criação da Lei No. 11.645, de 10 março de 2008, com a qual incluiu-se no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, trata-se de uma ação afirmativa que visa o reconhecimento da população negra como parte da história do Brasil e que busca a promoção da igualdade racial. Já no ano de 2010, com a Lei No. 12.288, é instituído o Estatuto da Igualdade Racial, que permite estabelecer políticas especificas em educação, saúde, cultura e trabalho em benefício da população negra com o intuito de diminuir as desigualdades sociais historicamente criadas em razão da raça ou cor.

No caso especifico da proteção para os direitos das mulheres, foram criados o Centro da Mulher Brasileira (1975), o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (1983), e em 1985, em São Paulo, surgiu a primeira Delegacia de Atenção Especializada à Mulher. Já na Constituição Federal Brasileira de 1988, as mulheres conquistaram a inclusão de 122 emendas relacionadas com os direitos das mulheres.

Nos anos posteriores, o governo brasileiro em 2003 criou a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM/PR), e em 2006 a Lei 11.340, mais conhecida como “Lei Maria da Penha”, para punir crimes de violência doméstica e criar mecanismo para coibi-la. Já em março de 2015 foi sancionada a Lei 13.104 de 2015, que reconhecia a tipificação do Feminicídio como um tipo de homicídio qualificado e como crime hediondo, com agravantes quando acontece em situações específicas de vulnerabilidade (gravidez, menor idade, na presença de filhos, etc.).

Do mesmo modo, na cidade de São Paulo tem se estabelecido diversas leis, assim como unidades especiais para garantir o acesso a direitos da população negra na cidade. Em 2004, mediante a Lei No. 13.791, foi criado o Programa Municipal de Combate ao Racismo e o Programa de Ações Afirmativas para Afrodescendentes. Como progresso desta Lei foi criada a Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial (SMPIR) em 2013 com o objetivo de articular ações para superar as desigualdades geradas pelo racismo a partir de várias frentes: educação, inclusão,

capacitação, informação, sistema de cotas43 e acesso a serviços, entre outras.

Também em 2013, no governo do Prefeito Fernando Haddad, é criada a Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres (SMPM), responsável pela construção de políticas públicas para as mulheres através das quais seja possível superar as desigualdades entre homens e mulheres, desenvolvendo atividades em quatro frentes: combate e enfrentamento a todas as formas de violência contra as mulheres, desenvolvimento da autonomia econômica das mulheres, incentivos à participação política das mulheres e inclusão da perspectiva de gênero em todas as áreas da Prefeitura, assim como nos programas.

Em resumo, podemos afirmar que existe um amplo marco em termos de leis, políticas, programas e espaços institucionais para a garantia dos direitos da população negra e em especial das mulheres negras, e embora as estatísticas apresentem um panorama de redução das desigualdades, estas ainda permanecem e continuam sendo significativas. Podemos considerar, portanto, que ainda há um longo caminho para superar as condições de marginalidade desta população.