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Na Colômbia, como entidade dependente do Ministerio de Hacienda y Crédito Público, foi criada, no governo de Ernesto Samper, por meio da Lei 454, de 1998, a Superintendencia de la Economia Solidaria – Supersolidaria. A entidade guia-se por meio de cinco objetivos estratégicos: fortalecer o modelo de supervisão; implementar boas práticas de gestão; fortalecer a produtividade do capital humano; incrementar o reporte de informação jurídica e financeira de organizações da economia solidária; fortalecer o trabalho de supervisão nos níveis 1, 2 e 3 nas organizações solidárias do sector real. (MARTINEZ, 2015)

Em contraste com estes avanços em termos legislativos, no campo econômico, na mesma década de 90, as desigualdades sociais aumentaram e um modelo neoliberal

43 O governo federal já vinha estabelecendo o sistema de cotas no âmbito educacional e laboral. Com a Lei 12.711/2012, reserva-se 50% das matrículas nas universidades federais e institutos federais de Educação, Ciência e Tecnologia para alunos que cursaram o ensino médio em escolas públicas, com reservas para pretos, pardos e indígenas. Já a Lei 12.990/2014, reserva 20% das vagas em concursos públicos federais para negros.

se impôs ao país, gerando a abertura econômica, a privatização de serviços públicos, a flexibilização de políticas laborais, e em resumo, criando um espaço de contradição entre os postulados da economia solidária e o modelo real de economia imposto.

Daí que as regulamentações da economia solidária aparecem como restritivas e limitadas, já que só levaram em conta organizações legal e juridicamente constituídas, limitando a participação de pequenas agrupações, modelo contraditório em um país como a Colômbia no qual prevalecem as desigualdades sociais e as dificuldades para a organização. Por outra parte, o valor principal visível nas políticas do governo deixa de ser a solidariedade e continua sendo o lucro e o interesse individual.

Assim, a Lei 454, de 1998, por um lado, no artigo 2, define que a economia solidária deve estar guiada por práticas de autogestão, solidariedade, democracia e humanismo para possibilitar o desenvolvimento do ser humano como sujeito, ator e fim da economia; e por outro, no artigo 6, estabelece que as organizações de economia solidária devem se constituir como pessoas jurídicas sem ânimo de lucro, organizadas como empresas, cooperativas ou fundos mutuais. Desse modo, negam- se outras formas de organização e continua-se impondo um modelo como único e valido.

Nos anos posteriores, para o período 2014-2018, a Supersolidaria propôs um plano estratégico intitulado “Supervisión para el crecimiento social y económico del sector

solidario”, focado no estímulo, proteção, promoção e vigilância das entidades de

economia solidária por parte do Estado, sem intervir na sua autonomia. A partir do plano foi reestruturado o Consejo Nacional de la Economia Solidaria (CONES), encarregado de formular e coordenar políticas, estratégias, planos, programas e projetos em função da economia solidária. Do mesmo modo, foi criado o Fondo de Fomento de la Economía Solidaria (FONES), com o propósito de outorgar créditos para o fomento da economia solidária.

Porém, entidades, políticas públicas e programas criados como marco da proposta da economia solidária na Colômbia não têm conseguido sair das lógicas do modelo econômico neoliberal. Portanto, não conseguem atingir a grupos como Artesanías

Choibá, organizações constituídas por poucas integrantes e com investimentos

mínimos, se comparamos com aquelas contempladas pelas propostas do governo. Grupos como este pouco se beneficiam com estas políticas, que ao fim não reconhecem outras economias. Os possíveis benefícios limitam-se a certo tipo de

capacitações com as quais busca-se perpetuar uma visão economicista de desenvolvimento.

Tanto na Colômbia quanto no Brasil, os antecedentes da economia solidária estão vinculados com outras formas de economia presentes na América Latina, inclusive antes da colonização. Na contemporaneidade, a partir de diversos encontros entre acadêmicos, pesquisadores e trabalhadores, começou a se falar de economia solidária como categoria.

No caso do Brasil, a economia solidária como modelo, começa aparecer concretamente depois do fim da ditadura militar. Movimentos sociais, Organizações não Governamentais (ONGs) e interessados na matéria começam a se organizar e desenvolver iniciativas para enfrentar a crise social, gerada pelas sequelas da ditadura e pelas políticas neoliberais. Na década de 1980, cria-se o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), que se converte em modelo de cooperativas autogestionadas; surge também a organização Cáritas do Brasil com uma proposta de projetos alternativos comunitários. Ambos constituem um exemplo das possibilidades de outras economias. Este panorama propicia a articulação de várias organizações de perfil semelhante a nível nacional e internacional. Assim, no ano 2000 é criada a Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária (RBSES), reunindo empresas de economia solidária, pesquisadores e estruturas de apoio, com o objetivo de promover um desenvolvimento alternativo no meio do sistema capitalista. (LEMAITREÎTRE, 2009)

Em 2001, no Fórum Social Mundial (FSM), em Porto Alegre, é organizado o Grupo de Trabalho Brasileiro de Economia Solidária, para incentivar diversas ações, as quais possibilitaram que em 2003, durante o primeiro mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva, fosse criada a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), dirigida pelo professor Paul Singer. A SENAES apoia as ações do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), que embora seja um ente autônomo do Estado no qual articulam-se diversos atores da economia solidária, constitui um espaço de mediação importante entre o governo e a sociedade civil. (LEMAITREÎTRE, 2009)

Atualmente, as políticas em função da economia solidária estão guiadas pelo Primeiro Plano Nacional de Economia Solidária 2015 – 2019, articulado em três eixos: contextualização do plano, determinando fortalezas e fraquezas do panorama da economia solidária no Brasil e a nível internacional; objetivos e estratégias; linhas de

ações e diretrizes do plano. Do mesmo modo, o plano estabelece um marco para a criação dos planos a nível municipal e define claramente as potencialidades da economia solidária, assim como as dificuldades no cenário político, econômico e social atual.

Nas prioridades temáticas do Plano Nacional, no seu eixo 3 sobre educação e autogestão, entre outras diretrizes, expõe-se que, em termos de educação para a economia solidária, devem ser consideradas as necessidades especificas de grupos populacionais como indígenas, quilombolas, mulheres eLésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros (LGBTT), pessoas com deficiências, etc., e que, além disso, deve-se garantir nestes processos educacionais o ensino de “História e Cultura afro-brasileira e africana”, segundo o determina a Lei 10.639/2003.

A nível estadual, São Paulo reúne o Fórum Paulista de Economia Solidária (FOPES), integrado por 11 Fóruns regionais e municipais, que representam mais de 1000 empreendimentos. O FOPES tem contribuído para o desenho do Plano Estadual de Economia Solidária, que acolhe os lineamentos do Plano Nacional. Neste, foram identificadas algumas problemáticas a ser superadas para avançar nas metas do plano: dificuldades na articulação entre grupos e organizações que trabalham com economia solidária; não reconhecimento dos valores da economia solidária; dificuldades para o financiamento e burocracia; oposição de alguns setores da sociedade, principalmente aqueles detentores de poder político e econômico; e altos índices de corrupção que afetam todos os espaços da vida social, política e econômica do país.

No caso do Brasil, é possível afirmar que, embora exista um ambiente de disposição para gerar avanços em termos normativos para a economia solidária, tanto a nível nacional, quanto a nível estadual e municipal, o modelo de desenvolvimento capitalista continua gerando dificuldades para o progresso de alternativas como a economia solidária, o que é visível na experiência de grupos como o Coletivo Guardiãs, que na prática cotidiana estão obrigados a trabalhar por seus próprios meios, já que existe uma grande dificuldade para aceder a empréstimos ou financiamentos. Em relação a crédito, existe uma ausência para apoio, principalmente para pequenos empreendimentos, como o caso deste Coletivo, que, como afirmam suas construtoras, têm que “vender o almoço para comprar a janta”.

5 TECENDO, COSTURANDO E PINTANDO HISTÓRIAS.

Com o intuito de avançar, passando de uma elaboração teórica a uma abordagem prática, neste capítulo são apresentados os dois grupos foco desta pesquisa, seguindo os lineamentos da metodologia proposta e trazendo alguns dos elementos discutidos no referencial teórico, principalmente com o propósito de começar traçando um caminho para identificar como estas iniciativas contribuem na resolução de necessidades no econômico, político, social e cultural, a partir de recursos próprios e compartilhados no coletivo.

Os empreendimentos solidários que serão apresentados em seguida constituem uma evidência das alternativas que existem para enfrentar crises, contrarrestar os efeitos do modelo capitalista e do abandono estatal. Por isso, entende-se que são formas de resistência política e econômica a partir das quais se recuperam as identidades e alcança-se um reconhecimento social.

As informações apresentadas foram compiladas e organizadas a partir das entrevistas, da observação participante e dos diários de campo. Em um primeiro momento é exposta a caracterização geral das integrantes dos grupos e de como estão organizadas, seguida pela apresentação do trabalho que fazem. Finaliza se com o relato de como é feito o trabalho de cada uma delas.