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Capítulo 2: Arte e Cultura, da Regeneração às Vésperas da República

2.5. A caminho da República

Em 1870 surge em Lisboa uma nova geração de intelectuais, poetas e escritores, que em 1870/71 dão origem às conferências do casino. Desde os primeiros anos da Regeneração que o País, através das obras públicas, se tentou aproximar da restante Europa. Mas a recuperação de um certo desfasamento cultural sincrónico em relação à Europa além – Pirinéus tardava. Nas décadas de 1860 e 1870 um grande esforço foi feito e deu-se, de facto, uma revolução cultural em Portugal. Portugal já não estava tão isolado, mas não conseguia acompanhar pari passu o que acontecia no resto da Europa.

Uma nova geração, saída da Universidade de Coimbra (na época a única universidade do País depois do fecho decretado pelo marquês de Pombal da Universidade de Évora), instituição que consideravam obsoleta, e anquilosada em métodos antigos, vai criar um movimento cultural que ficaria conhecido como a Geração de 70.

Constituída por jovens universitários e intelectuais como Ramalho Ortigão (1836- 1915), Antero de Quental (1842-1891) Eça de Queirós (1845-1900), Oliveira Martins (1845-1894), Jaime Batalha Reis (1847-1935), Guerra Junqueiro (1850-1923), ainda muito pouco conhecidos, vão agitar o país a partir das suas intervenções culturais críticas. Já entre 1862-63 o jovem inspirado e poeta de origem açoriana, Antero de Quental, redigiu o Manifesto dos Estudantes da Universidade de Coimbra à Opinião Ilustrada do País. Neste manifesto adoptava a postura crítica da sua geração em relação aos métodos antiquados da Universidade de Coimbra. Eram exigidas reformas que actualizassem os planos de estudo. No que diz respeito à criação literária, Antero de Quental escreve em 1865, Odes Modernas, que dará origem à famosa Questão do Bom Senso e do Bom Gosto. Num folheto defendia uma estética literária que considerava o romantismo ultrapassado e que era uma crítica dirigida ao “velho Castilho” (António Feliciano de Castilho, 1800- 1875), defensor de uma estética romântica que se prolongava no tempo. Já na capital este grupo de intelectuais, ora se reunia em casa de Batalha Reis, ora de Antero de Quental, em tertúlias, e fundariam o grupo “O Cenáculo”.

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Em 1878 seria criado o periódico O Ocidente, que duraria até 1915, e em 1879, Rafael Bordalo Pinheiro, recém-chegado do Brasil, cria o periódico humorista O António Maria

(que terminaria em 1898), para mais tarde criar Os Pontos nos ii.

Em 1879 o arquitecto José Luís Monteiro185 regressa da sua estada como bolseiro em Paris. Irá aplicar as suas novas ideias e renovar a arquitectura portuguesa, ao iniciar a construção em 1886, da Estação do Rossio, edifício neo-manuelino, que conjuga a arquitectura do ferro, com um revivalismo arquitectónico manuelino (considerado o período de ouro da história nacional). O ano de 1889 vai ser um ano funesto para a vida cultural portuguesa. Nesse ano morre em Cascais o Rei D. Luís I186, monarca que ficaria conhecido para a história com o cognome de O Popular. O escultor António Soares dos Reis suicida-se a 16 de Fevereiro do mesmo ano; Eduardo Coelho, o fundador do principal periódico português, “O Diário de Notícias” (jornal criado em 1864), morre prematuramente e o conhecido actor teatral António Pedro desaparece também.

Em 1880 organizam-se os festejos do Tricentenário de Camões187, a partir dos quais a figura do poeta do século XVI se tornaria paulatinamente no símbolo nacional. Para estas comemorações foi criada uma Comissão de Imprensa, na qual se destacam os nomes de Eduardo Coelho (fundador do Diário de Notícias) (1835-1889); Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, Jaime Batalha Reis, Luciano Cordeiro, João Carlos Rodrigues da Costa, Pinheiro Chagas, Magalhães Lima e Rodrigo Pequito. Esta comissão- composta maioritariamente por escritores, intelectuais, jornalistas e historiadores, muito ligados ao emergente movimento republicano, mas da qual também faziam parte monárquicos- tinha como grande objectivo elevar a moral nacional, prestando homenagem ao principal vulto das letras portuguesas. Em Lisboa, no âmbito destas celebrações, organiza-se um cortejo cívico188 que se junta e parte da Praça do Comércio a 10 de Junho e que circularia pelas principais artérias da cidade. Este cortejo de carros triunfais foi apoiado pelo Estado e pelo governo da capital, e organizado e dirigido por uma Comissão de artistas. O artista Pereira Cão foi a grande alma artística deste certame. O arquitecto José Luís Monteiro

185Vide João Alves da Cunha, José Luíz Monteiro, Editorial Blau, Lda., Lisboa, 2004.

Vide Rui Ramos, D. Carlos, Círculo de Leitores, Casais de Mem Martins, Rio de Mouro, 2006, p. 52.

186Vide Luís Nuno Espinha da Silveira e Paulo Jorge Fernandes, D. Luís, Círculo de Leitores, Casais de

Mem Martins- Rio de Mouro, 2006.

187Vide AAVV, Arte Efémera em Portugal, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001. 188 Idem.

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coordenou o trabalho de concepção dos carros. Artistas conhecidos participaram na composição e na decoração destes carros alegóricos, e a cada um coube um carro temático: a Columbano Bordalo Pinheiro, o Carro das Colónias; a Silva Porto, o Carro Militar; a José Luís Monteiro, o Carro da Imprensa; a Simões de Almeida, o Carro do Trabalho; a Pereira Cão, o Carro do Comércio e da Indústria; a Jaime Batalha Reis, o Carro da Agricultura; e a Luigi Tomasini, o Carro que representava os Descobrimentos e a Marinha.

No campo cultural, Malhoa exalta a pátria regeneradora, e Eça, defende um regresso aos autênticos valores portugueses. Este Neogarretismo, um romantismo à outrance, pretendia reportugalizar Portugal, nas artes e nas letras, numa atitude de regresso ao passado, em que o nacionalismo ganhava força. À frustração do atraso português, à glorificação da civilização cosmopolita decadentista, e do progresso da civilização, defendia-se agora um retorno ao torrão natal, às fontes, à autenticidade, a uma certa simplicidade, tal como a de Jacinto de A Cidade e as Serras. Esta herança vai prolongar- se pelo século XX dentro, na literatura de Teixeira de Pascoaes, e no seu saudosismo, do poeta leiriense Afonso Lopes Vieira, no neogarretismo de Alberto, e em tantos outros. É a época dos revivalismos, dos palacetes de gosto duvidoso, dos eclectismos e da marca da escola e herança duradoura que deixou Raul Lino 189e os seus estudos e programa da “Casa Portuguesa”.

A 19 de Outubro de 1889, o jovem príncipe D. Carlos190 torna-se rei e são organizados festejos em sua honra. Pouco tempo depois da sua aclamação, o reino é perturbado por uma crise política de enormes proporções. Após a Conferência de Berlim de 1884, Portugal viu-se obrigado a afirmar e consolidar a suas possessões em África, cobiçadas sobretudo por ingleses, alemães e belgas. Em 1875 a Sociedade de Geografia fora criada e organizam-se, em 1877, expedições que ficaram famosas, como as de Capelo e Ivens, que exploraram a África Austral Portuguesa, de Angola à Contra Costa e a expedição de Serpa Pinto que se inicia também neste mesmo ano. A expedição de Capelo e Ivens está por detrás do projecto do Mapa Cor–de-Rosa de 1886, que pretendia ligar os territórios portugueses de Angola, desde o Atlântico, até Moçambique.

189Vide Bernardo d’ Orey Manoel, Fundamentos da Arquitectura em Raul Lino, Universidade Lusíada

Editora, Colecção TESES, Lisboa, 2012.

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Seria assim criada uma enorme faixa continental de influência portuguesa e que colidia com os interesses britânicos que pretendiam ligar a cidade do Cairo (já sob domínio inglês), até à cidade do Cabo, na África do Sul, colónia britânica, e com a ambição pessoal do aventureiro Cecil Rhodes, que sonhava com a criação de uma grande colónia, entre Angola e Moçambique, o que viria a acontecer baptizada com o seu nome Rodésia (a partir do seu apelido Rhodes). Inglaterra corta esta tentativa de afirmação nacional no continente africano e lança um Ultimatum a 11 de Janeiro de 1890. Portugal sente-se ultrajado e indignado, e traído pela sua aliada mais antiga e tradicional, o que conduziu a uma fase anti-britânica e de manifestações patrióticas.

A estátua de Camões, que em 1875 tinha sido concebida pelo escultor Victor Bastos191 e é colocada no Largo Camões, é coberta por crepes negros, demonstrando que Portugal estava de luto. Muitos negócios e lojas de comerciantes ingleses foram fechados, e houve mesmo um boicote à compra de produtos vindos da velha Albion. É neste contexto de pesar e de indignação que é composta por Alfredo Keil 192(um lisboeta de origem alemã, também ele músico, poeta, cenógrafo, fugurinista e pintor), a canção “A Portuguesa”, um hino belicista, inspirado na Marselhesa, escrito contra os bretões, e que pretendia levantar a moral, e mostrar a honra e o patriotismo dos portugueses. O poema desta canção fora escrito por Henrique Lopes de Mendonça, militar formado pela Escola Naval e conhecido dramaturgo e escritor. “A Portuguesa”, iria ter um futuro brilhante e curioso. A 31 de Janeiro de 1891 foi novamente tocada durante a Revolta Republicana do Porto e, a pouco e pouco, foi sendo apropriada pelo imaginário das elites republicanas da época, até se ter tornado no hino nacional, após a Revolução republicana do 5 de Outubro de 1910.

A partir do Ultimatum inglês de 1890, que obrigava, Portugal a recuar nas suas ambições e pretensões coloniais, o republicanismo entrou em crescendo, vendo-se a Monarquia impotente para fazer frente a um aliado tão poderoso. Iniciava-se, assim, a

191Vítor Bastos, este escultor que foi Professor na Academia a partir de 1860, ficaria conhecido como o

grande autor da escultura monumental de Luís de Camões, no largo do Chiado. Vide Sílvia Leonor Faria da Silva Lucas Vieira de Almeida, Vítor Bastos: Um Escultor entre Pintores,Tese de Mestrado em História da Arte Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/Universidade Nova de Lisboa,2005.

192Vide Álbum Alfredo Keil (Coordenação de António Rodrigues), Ministério da Cultura, Instituto

Português do Património Arquitectónico, Lisboa, Novembro de 2001, Galeria de Pintura do Rei D. Luís.

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erosão da instituição monárquica e, embora os republicanos fossem minoritários, iam ganhando os adeptos que preferiam ver Portugal transformado numa República. A independência nacional parecia estar em risco, as colónias em perigo de se perder, o país em declínio e envolvido novamente numa grave crise financeira, e pairava no ar um certo espírito decadentista e que era próprio do fin de siècle.

Na última década do século XIX, a partir do Ultimatum inglês de 1890 Portugal vive uma crise profunda. As campanhas e expedições africanas sucedem-se, dando-se uma ocupação efectiva destes territórios ultramarinos, de forma a proteger aqueles territórios dos ambições e apetites estrangeiros (sobretudo ingleses e alemães) e a monarquia entra na fase de progressiva erosão, que conduzirá ao Regicídio, aos dois anos subsequentes de um novo reinado e ao exílio da família real.

Este espírito decadentista vinha já dos anos 70. Antero de Quental, defensor dos ideais socialistas de Proudhon e consagrado poeta ultra-romântico, chegou a escrever em 1871 a Conferência, “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares”, numa das célebres Conferências do Casino no Bairro do Chiado. Mas o decadentismo em si tinha raízes na Alma Nova do jornalista Guilherme de Azevedo, contudo foi a partir dos anos 90 que ganhou corpo, através de vultos como Eugénio de Castro, o poeta António Nobre, o romancista Raul Brandão, o pensador Alberto de Oliveira e o dramaturgo D. João de Castro. Em 1892 foi publicado na cidade do Porto, por estes quatro últimos intelectuais um panfleto intitulado “Nefelibatas”, ou seja, um grupo de simbolistas, idealistas, com ideais progressistas, que pretendiam regressar à sageza e profundamente desencantados com o panorama com que se deparavam.

A Geração de 70, que tinha sido composta por um núcleo de intelectuais que se viriam a destacar, estava agora mais velha. Antero de Quental tinha-se suicidado, Oliveira Martins estava em Espanha, Eça de Queirós era diplomata em Paris, e de longe observava Portugal. Todos se sentiam desencantados, todos se sentiam “Vencidos da Vida”, nome pelo qual ficariam conhecidos, todos se sentiam defraudados no ideal a que tinham aspirado.

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Em 1900 Portugal participava na Exposição Universal de Paris193. Ao mesmo tempo, no País, o regime parecia caminhar a passos largos para o fim.

Numa última tentativa de controlar o rumo que o País tomava, o rei D. Carlos constituiu um governo que colocou como primeiro-ministro João Franco. Após a questão dos adiantamentos à Casa Real, nunca mais o rei conseguiu viver em tranquilidade. Em 1908, vindo de Vila Viçosa, desembarcava em Lisboa no Terreiro do Paço, e seria assassinado juntamente com o príncipe herdeiro D. Luís Filipe, num golpe preparado pela Carbonária. Após o regicídio, herda o trono, o filho mais novo de D. Carlos e D. Amélia, que não tinha sido preparado para o cargo, D. Manuel. D. Manuel II desempenhou o melhor que pode o seu papel, mas os ventos já não lhe corriam de feição, e a 5 de Outubro de 1910 seria proclamada a República em Portugal. A revolução desenrolou-se sobretudo em Lisboa e ao resto do País a notícia da vitória do ideal republicano foi dada por telégrafo. O País reagiu entre a surpresa, a alegria e a indiferença, pois Portugal era uma monarquia sem monárquicos. Se exceptuarmos a organização comunitária da Suíça (que era originária da época medieval), Portugal seria pioneiro, pois a república Portuguesa era, a seguir à francesa, uma das primeiras da Europa. Afirma Rui Ramos194:

“Em 1910, a República Portuguesa ficou a ser, com a III República Francesa, uma das duas únicas repúblicas modernas na Europa. Mas enquanto a III República Francesa, no princípio, durante a década de 1870, teve governantes e parlamentos onde os partidários das antigas dinastias reinantes formavam a maioria, isso não aconteceu em Portugal. Na República Portuguesa, começou por vigorar o princípio de que “o país é para todos, mas o Estado é para os republicanos”.

A família real embarcou para o exílio na Ericeira, e mesmo com as tentativas de restabelecimento monarquia em 1911-12, o misterioso pacto de Dover de 1912195, ou a chamada Monarquia do Norte em 1919, nunca mais o ideal monárquico teve capacidade de vingar, nem a República esteve em perigo de se ter tornado apenas um episódio ou

193Sobre a participação portuguesa na Exposição Universal de Paris, Vide Maria Helena Souto, Portugal

nas Exposições Universais 1851-1900, IHA/Estudos de Arte Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/Universidade Nova de Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 2011.

194Vide Rui Ramos, p. 577.

195O Pacto de Dover pressupôs um acordo entre as facções monárquicas miguelista e manuelista e que

transmitia a representação da Casa Real, visto o rei D. Manuel II, não ter tido descendentes, para o ramo miguelista exilado, na pessoa de D. Duarte Nuno, primo em 5º grau do último monarca reinante português. O seu filho, D. Duarte Pio, é assim, primo em 6 º grau, do último monarca reinante de Portugal.

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fenómeno passageiro (como veio a acontecer, por exemplo, no reino vizinho de Espanha). O açoriano Manuel de Arriaga viria a ser o primeiro Presidente da República. A República, apesar de alguns avanços e progressos notáveis, em particular no ensino e na educação, na lei do direito à greve, nas leis da família e do divórcio, na instituição do descanso semanal obrigatório, na abertura, em 1911, das Universidades de Lisboa e do Porto, e na criação, em 1913, do Ministério da Instrução Pública, em breve se viria a tornar uma decepção.

Um rotativismo centrípeto e desgastante, a efemeridade dos governos (que duravam em média entre quatro a cinco meses), a tragédia da participação portuguesa na Primeira Guerra Mundial ao lado dos aliados ingleses, vão ser os principais ingredientes que vão estar na desagregação e fim da Primeira República, encerrada com o golpe de 28 de Maio de 1926, que iria levar a um estado autocrático e ao período do Estado Novo, época histórica que escapa já ao âmbito cronológico desta tese.

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