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CAMINHOS DA PESQUISA: VASCULHANDO NOTÍCIAS E PROCESSOS

3 VIOLAÇÕES E VIOLÊNCIAS PELOS (DES)CAMINHOS DO DESEJO

4 MÚLTIPLAS REPRESENTAÇÕES E OLHARES: A MÍDIA IMPRESSA, O JUDICIÁRIO E AS FAMÍLIAS

4.1 CAMINHOS DA PESQUISA: VASCULHANDO NOTÍCIAS E PROCESSOS

A pesquisa de campo documental foi viabilizada a partir do levantamento das notícias de homocídios e transcídios veiculadas nos dois principais jornais

impressos de Feira de Santana: Folha do Estado e Tribuna Feirense18.

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Nos veículos de comunicação em questão, a expressão utilizada é homicídios, o que dificulta tanto a coleta de dados, quanto uma quantificação mais aproximada. Os vocábulos homocídios e

transcídios, como já explicitado na Introdução deste trabalho, trata-se de uma classificação adotada pelo autor para melhor especificar e contextualizar estes assassinatos, a partir das suas vítimas.

Como não poderia deixar de acontecer, a cidade de Feira de Santana, com alguns nichos de pobreza, e, além disso, situada no entroncamento rodoviário, com rota quase obrigatória para o transporte de matérias primas e de pessoas, vem, progressivamente, sendo atingida pela violência. O aumento dos óbitos por homicídios naquela área gerou um problema de saúde pública. (SILVA; SANTOS, 2004, p. 4-5)

O jornal Folha do Estado, fundado em 20 de dezembro de 1997, trata-se do veículo impresso de maior estrutura no interior do Estado da Bahia, cuja sede fica em Feira de Santana. Inicialmente, semanário, passou a circular diariamente a partir de setembro de 2009 e apresenta uma tiragem de 8.000 (oito mil) exemplares. O jornal Tribuna Feirense, também sediado em Feira de Santana, foi fundado em 10 de abril de 1999 e começou como semanário. Em novembro de 2001, tornou-se diário. No dia 24 de setembro de 2009, retornou à condição de circulação semanal e possui uma tiragem média de 5.000 (cinco mil) exemplares.

A mídia escrita é um bom instrumento para aferir valores, hábitos e opiniões de diferentes camadas da sociedade. Ela traz elementos que permitem traçar, embora com lacunas e imprecisões, o perfil atribuído às vítimas a agressores/as. (BLAY, 2008, p. 87)

Contou-se, especialmente, com o suporte documental do Grupo Liberdade,

Igualdade e Cidadania Homossexual – GLICH. Esta entidade não governamental,

fundada em 2 de abril de 2002, atua, em diversas vertentes (projetos, atividades, eventos, assessoramento jurídico, parcerias com outras instituições), em prol da população LGBTTT de Feira de Santana-BA e, desde a sua constituição, coleta dados e realiza a clipagem de notícias e informações atinentes às complexas violações sofridas por homossexuais e transgêneras(os) - especialmente no âmbito do seu município de atuação -, a exemplo dos assassinatos que as(os) vitimam19. Partiu-se do acervo do GLICH e, após a autorização do Presidente da entidade, Fábio de Jesus Ribeiro, foram feitas cópias de todas as veiculações de homocídios e transcídios ocorridos na cidade de Feira de Santana – cidade esta que

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Poder-se-ia fazer o recorte da observação nos agressores, mas como se trata de um trabalho pioneiro e inédito quanto a estes dados (para a geografia e o tempo selecionados na investigação), decidiu-se privilegiar o olhar sobre as vítimas, visibilizando-se não somente a própria violência específica, mas a intolerância e a repressão com relação a determinados grupos sociais, especialmente os chamados “sexuais alternativos”.

[...] sempre desafiou a imaginação de todos quantos aqui vivem, trabalham ou simplesmente passam pela suas ruas, hotéis e pousadas. Qualquer que seja a relação com a cidade, são inevitáveis crenças ou construções estereotipadas, a exemplo de: “cidade violenta”, “maior entroncamento rodoviário do Norte/Nordeste”, “é difícil encontrar alguém que tenha nascido em Feira de Santana”, “quem mora aqui não gosta daqui e, por isso, despreza e odeia Feira de Santana”... e assim por diante. (SILVA; SANTOS, 2004, p. 15-16)

A pesquisa empírica com os citados jornais foi iniciada, portanto, a partir do acervo do GLICH. Como o recorte temporal da pesquisa documental perfaz uma década (de 2001 a 2010) e esta ONG foi fundada em 2002, o ano de 2001 foi pesquisado nos acervos da Biblioteca Pública Municipal Arnold F. Silva (do município de Feira de Santana) e da Biblioteca Monsenhor Renato Galvão (da Universidade Estadual de Feira de Santana), assim como as ocorrências, entre 2001 a 2010, que não foram encontradas no acervo do GLICH. Após a autorização das chefias das referidas bibliotecas, contamos com o auxílio da Srª Helen Mara Pimentel Lima (Auxiliar Bibliotecária da Biblioteca Municipal Arnold F. Silva), que nos ajudou a fazer o levantamento de todas as ocorrências compreendidas entre os anos 2001 a 2010, tanto na Biblioteca Pública Municipal Arnold F. Silva, quanto na Biblioteca Monsenhor Renato Galvão.

A textura, a trajetória histórica, tecnológica e a reengenharia midiática do jornal nos permite situar este importante veículo como espaço de memória. Memória gráfica e fotográfica da vida e da morte, do cotidiano na sua mais elevada plenitude; e, também, dos homicídios cotidianos que conseguem redefinir a frase de Sartre: “o inferno são os outros”. (SILVA; SANTOS, 2004, p. 85)

É benfazejo pontuar, portanto, que a seleção dos assassinatos não reflete o quantitativo real de casos efetivamente ocorridos no período, porque nem sempre há veiculação na imprensa para toda e qualquer ocorrência.

É preciso cautela ao se analisar o material da imprensa escrita, já que a seleção dos crimes não reflete a quantidade dos mesmos – nem todos são noticiados -, mas permite observar a linguagem da notícia, o detalhamento dado aos crimes, a perspectiva da mídia e o suposto interesse do público leitor. (BLAY, 2008, p. 29)

Como o principal objeto de análise, nesta Dissertação, são os assassinatos cometidos contra homossexuais e travestis (cujas ocorrências se deram no

município de Feira de Santana-BA entre os anos de 2001 a 2010), pretendeu-se trabalhar, inicialmente, com processos-crime de homicídios junto à Vara do Júri e Execuções Penais, na comarca de Feira de Santana-BA, enveredando pelas trilhas da pesquisa jurídica e de documentação primária oferecida por instituições governamentais, pautadas no marco legal e processual. Após a autorização do Magistrado titular da referida Vara, quando se partiu para a busca dos autos no cartório competente, um obstáculo se apresentou: em meio a centenas de processos (arquivados e em movimentação), somente seria possível fazer a identificação de alguns casos em especial - os que apresentavam homossexuais e travestis como vítimas dos homicídios -, tendo-se o nome completo do (suposto) autor ou acusado

do delito, ou o número do processo propriamente dito – a partir do sistema

informatizado do Poder Judiciário. Caso a busca fosse efetivada a partir da identificação das vítimas, haveria viabilidade para o início da pesquisa documental com os processos, porque os nomes das mesmas nos eram conhecidos. Mas, do contrário, diante do óbice exposto, tornou-se inviável trabalhar com esta fonte documental inicialmente. Efetivada busca durante uma semana, no cartório da Vara em questão, após a autorização do Juiz, nenhum processo envolvendo homossexual ou travesti foi encontrado, partindo-se do nome das vítimas.

Somente a partir do cruzamento das fontes, ou seja, da pesquisa com as veiculações dos jornais, foi possível chegar aos processos-crime, porque, nas notícias de alguns casos, apareceram os nomes dos possíveis assassinos e a busca processual, junto à Vara do Júri e Execuções Penais, deu-se, assim, a partir de tais

nomes – registrados no sistema informatizado do Poder Judiciário. Com a

autorização expressa do Juiz titular da referida Vara, após a nossa solicitação formal (ver Apêndice II), enveredamos pela pesquisa documental com os quatro (4) processos que foram encontrados no cartório. Isto porque nem todos os assassinatos se transformaram em processos-crime e outros casos, não enquadrados como homicídio, tramitaram em outras Varas (que não foram objeto desta nossa investigação).

4.2 HOMOCÍDIOS E TRANSCÍDIOS EM FEIRA DE SANTANA-BA – 2001 A 2010: O