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A QUE(M) SERVE A AMPLIFICAÇÃO DA HOMO(LESBO)(TRANS)FOBIA?

3 VIOLAÇÕES E VIOLÊNCIAS PELOS (DES)CAMINHOS DO DESEJO

3.4 A QUE(M) SERVE A AMPLIFICAÇÃO DA HOMO(LESBO)(TRANS)FOBIA?

A organização de ajuda humanitária AI (Anistia Internacional) divulgou, no ano de 2001, um vasto relatório atestando que países latino-americanos promovem repressão, de diversas ordens, aos homossexuais como vítimas não apenas devido às suas opiniões ou ativismos, mas também por causa da sua própria identidade

Ao contrário de luta em prol dos Direitos Humanos das(os) homossexuais, em mais de setenta nações, como já visto, a homossexualidade está tipificada (é considerada crime) e, em cerca de trinta países são diuturnamente verificados abusos/perseguições a homossexuais – conforme a AI.

A Anistia denunciou casos em países como o Brasil, Argentina, México, Equador, El Salvador e Peru no relatório “Crimes de Ódio, Conspiração de Silêncio:

Torturas e Maus Tratos Baseados na Identidade Sexual” (2001). A Anistia inclusive apresenta, em seu texto, um testemunho da repressão a homossexuais, travestis e transexuais, que sofrem não apenas nos campos social, judicial e policial, mas também na vida familiar. O relatório denuncia que a maioria dos governos nega a repressão, é frequente que a facilite com dispositivos legais e que a favoreça ao adotar uma linguagem que desumaniza as vítimas e abre caminho para que sejam cometidas atrocidades contra grupos sociais estigmatizados. A AI diz, ainda, que, nos últimos anos, foram registrados “níveis alarmantes de abusos contra transexuais, inclusive tortura, na região das Américas” (Idem).

O referido relatório denuncia casos de violência cometida pela polícia no Brasil e na Venezuela. Em nosso país, é assinalado o já citado caso de Edson Néris

da Silva, assassinado em São Paulo por um grupo de Skinheads apenas por ser

homossexual. A condenação de duas pessoas pela sua morte “indicou uma mudança importante na impunidade” (Idem) que caracterizava os crimes contra homossexuais.

Mesmo que todos os crimes perpetrados contra homossexuais e transgêneras(os) não tenham como motivação única ou preponderante a homofobia(lesbofobia)(transfobia), significaria um avanço considerável a tipificação de conduta homofóbica como crime no Brasil – assim como ocorrera com relação ao racismo. A Câmara dos Deputados, neste particular, deu um passo considerável ao ter aprovado, no dia 23/11/2006, o Projeto 5003/01 (que tramitava desde 2001, de autoria da Deputada Iara Bernardi / PT-SP), que tipifica a discriminação de pessoas em razão da orientação sexual. Isso inclui impedir a manifestação de afetividade de pessoas do mesmo sexo em locais públicos ou privados abertos ao público. Quem discriminar, segundo o Projeto, poderá ser punido com até cinco anos de prisão.

A aprovação do substitutivo a tal Projeto (o de nº 122/2006, que se encontrava no Senado), já resta prejudicada e o texto foi arquivado, por conta das opiniões desfavoráveis de parlamentares com visões religiosas fundamentalistas (das bancadas evangélica e católica em particular) que, no geral, pedem vistas a proposições que possam beneficiar as(os) LGBTTT e procuram se valer dos meios que forem necessários para obstar o seu andamento nas Casas. Das disposições mais expressivas deste Projeto, destacam-se (grifos nossos):

Art. 1º Esta Lei altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, definindo os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.

Art. 2º A ementa da lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação: “Define os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.” (NR)

Art. 3º O caput do art. 1º da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.” (NR)

Art. 10. O § 3º do art. 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 140. § 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena: reclusão de 1(um) a 3 (três) anos e multa.”(NR)

Atualmente, tramita, na Câmara dos Deputados, um projeto de lei (de nº 582/11), de autoria da Deputada Dalva Figueiredo (PT-AP), que visa a alterar o Código Penal brasileiro (Decreto-Lei 2.848/40) para incluir, como circunstância agravante e como qualificador de homicídio, o fato de o agente ter cometido o crime em razão da orientação sexual da vítima. A proposta será analisada pelas comissões de Constituição e Justiça e de Cidadania, para, em seguida, ser votada pelo Plenário.

Como já ponderado, o discurso de que todos ou a maioria dos assassinatos de homossexuais tem a homofobia como principal motivação dos agentes dos

crimes é perigoso – compõe-se de afirmações carentes de fundamentação,

facilmente desmontadas. Tal discurso tem sido alimentado por alguns representantes de pontuais ONGs LGBTTT por motivos vários, dentre os quais, para que tais entidades tenham a sua razão de existência reforçada ou para que, ainda tendo outro foco de militância principal, tal discurso sirva à consecução de parcerias para possíveis captações de recursos. Há, por outro lado, um número considerável de militantes que divergem deste olhar (felizmente), admitindo que a homofobia (lesbofobia, transfobia) não compõe a majoritária causa dos assassinatos anti-LGBTTT, porque outros fatores devem ser levados em consideração - como aspectos patrimoniais -, além da perspectiva relevante de que cada caso é singular, devendo ser avaliado com cautela. Esta, por exemplo, é a opinião do corpo diretivo do Grupo Liberdade, Igualdade e Cidadania Homossexual (GLICH) do município de

Feira de Santana-BA – ONG que vem dando sensíveis e impactantes contribuições em tal cidade e na Bahia como um todo quanto aos direitos LGBTTT.

Refletir sobre os efeitos (e, infelizmente, são vários no Brasil) dos preconceitos homofóbico, lesbofóbico e transfóbico é importante e urgente, porque, por exemplo: de demissões sem justa causa a pressões e agressões das mais

variadas formas (físicas, morais) - algumas das quais redundando em mortes –

as(os) LGBTTT sofrem muito e de modo corriqueiro. Precisa-se de conscientização constante e são bem vindos investimentos em educação de combate ao preconceito e às discriminações, para que a homo(lesbo)(trans)fobia não venha a se perpetuar no país. Por outro lado, no que tange especificamente aos homicídios que vitimam homossexuais e transgêneras(os), amplificar, de modo irresponsável (sem o devido aprofundamento na questão), a fobia odiosa nada resolve concretamente, podendo gerar distorções.

A existência de entidades (ONGs) que lutam pelo respeito aos direitos das “minorias sexuais” e da ampliação das condições de cidadania das(os) LGBTTT é necessária e por demais louvável - frente a uma sociedade, como a brasileira, ainda muito preconceituosa e excludente. Por outro, quando tais entidades veiculam informações e realizam campanhas de conscientização, os seus discursos devem ser, objetiva, racional e cientificamente, avaliados (como todos os demais), a fim de serem “filtrados” possíveis exageros – em algumas circunstâncias, típicos de alguns(mas) militantes que desejam ser (mas, felizmente, não são) os porta-vozes de todo o movimento.

O movimento, tendo esta particularidade, tal como o movimento feminista, de reunir agentes dotados de um forte capital cultural, está fadado a encontrar, sob uma forma particularmente contundente, o problema da delegação a um porta-voz, capaz de formar o grupo, encarnando-o e expressando-o; no entanto, como em certos movimentos de extrema esquerda, ele tende a se atomizar em seitas engajadas em lutas pelo monopólio da expressão pública do grupo. (BOURDIEU, 2007, pp. 148-149)

O GGB (Grupo Gay da Bahia) vem realizando catalogações de veiculações sobre assassinatos no Brasil (de quem tenha notícia), cujas vítimas sejam transgêneros(as), homossexuais ou pessoas de orientações sexuais e/ou condutas (sexuais) vistas com preconceito.

Há mais de vinte anos, o Grupo Gay da Bahia coleta informação sobre assassinatos de gays, travestis e lésbicas. Como não existem estatísticas oficiais sobre crimes de ódio no Brasil, nossas principais fontes de informação são os jornais, a internet e cartas que nos enviam relatando homicídios cujas vítimas são homossexuais. De 1980 a 2001, dispomos em nosso arquivo o registro documentado de 2.092 assassinatos onde explícita ou indiretamente. O motivo da morte foi a condição homossexual da vítima. O que vale dizer: a cada três dias, um homossexual é violentamente assassinado no Brasil, grande parte destes crimes tendo como causa a homofobia, o ódio à homossexualidade. (GRUPO GAY DA BAHIA, 2010, grifos nossos).

No processo de divulgação dos dados, além dos

balanços/ensaios/informações que envia a diversos meios – virtuais e impressos –

de comunicação, a entidade conta com livros (da sua própria responsabilidade editorial, publicados pela Editora do Grupo Gay da Bahia) nos quais vem abordando, especialmente, os homicídios anti-LGBTTT consumados e outras violações (tentadas ou consumadas) a Direitos Humanos deste segmento populacional. Em uma destas obras - Assassinato de Homossexuais - Manual de Coleta de Informações, Sistematização e Mobilização Política Contra Crimes Homofóbicos -, há a seguinte afirmação:

Como a documentação sobre violência anti-homossexual não tem sido prioridade para a justiça criminal ou para os estudiosos, os próprios ativistas homossexuais consideram necessário realizar suas próprias investigações. A qualidade metodológica e a amostra utilizadas em alguns destes levantamentos, às vezes, deixam a desejar. (HEREK apud MOTT, 2000, p. 13)

É louvável que alguns(mas) ativistas coletem, sistematizem dados e produzam informações sobre tais violações, mas, antes, devem estar cônscios de que, tanto o que é visto como “justiça criminal” quanto o que denominam “estudiosos” são autônomos nos seus trabalhos, do ponto de vista das atribuições legais (da primeira) e do ponto de vista científico. Divulgar tais informações é benfazejo, para que haja reflexões dentro e fora do contexto das(os) LGBTTT que possam coibir ou diminuir as discriminações oriundas da homo(lesbo)(trans)fobia. Mas é preciso ter cuidado com as interpretações que vêm sendo dadas ao material que é coletado, ou seja: é preciso cautela nas inferências que são feitas das veiculações jornalísticas/midiáticas sobre os crimes anti-LGBTTT.

Na edição nº 1.699, de 9/5/2001, a Revista Veja publicou matéria denominada “Furo Estatístico”, na qual contra-argumenta o GGB sobre a

interpretação dos homicídios que vitimaram/vitimam pessoas homossexuais no Brasil.

Como não existem estatísticas oficiais no Brasil (sobre agressões sofridas por homossexuais), o Grupo Gay da Bahia tomou a iniciativa de realizar, por conta própria, um levantamento sobre o assunto. Por meio de uma pesquisa feita em arquivos de jornais, a entidade chegou à conclusão de que foram assassinados 256 homossexuais nos últimos 2 anos. VEJA fez uma apuração sobre cada um desses casos e constatou que a intolerância não foi a principal causa da morte, ao contrário do que sugere o movimento. [...] 22 não eram homossexuais; 73 foram vítimas de crimes passionais, acidentes ou assaltos; 103 morreram por estar envolvidos com prostituição; 58 pessoas, ou 23% do total, foram mortas por intolerância ou ódio dos agressores contra gays. (FURO, 2001, p. 57, grifos nossos).

Diversos meios de comunicação LGBTTT do país (o próprio Grupo Gay da Bahia, inclusive) veiculam notas e matérias sobre prisões e julgamentos de possíveis assassinos de homossexuais e transgêneros(as) – mais uma confirmação de que nem todos os homicídios são alvos do “silêncio estatal” e/ou ficam totalmente impunes, como, em diversas outras manifestações, os militantes argumentam que ocorre no Brasil. Para exemplificar, no Jornal Homo Sapiens (do GGB), Ano VIII, edição de agosto/novembro de 2005 (Salvador-Ba), há a seguinte chamada: “Assassino foi condenado a 13 anos”.

Diversas outras informações veiculadas sobre “captura”, prisão e julgamento

de supostos assassinos de homossexuais, também foram detectadas: Assassino é

preso em Natal (Jornal Homo Sapiens, nº 11, edição de junho-julho de 1999); Polícia captura homens que mataram economista em Salvador (Jornal Homo Sapiens, nº

27, Ano VII, edição de fevereiro-março de 2003); Bandidos confessam assassinato

4 MÚLTIPLAS REPRESENTAÇÕES E OLHARES: A MÍDIA IMPRESSA, O