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I. A “Casa” Como Universo de Pesquisa

1.2. Caminhos e escolhas na pesquisa

Meu ponto de partida para esta tese foi compreender como mulheres, em situação de cárcere, constroem suas percepções sobre o mesmo; como elas enxergam a situação particular de viverem num presídio. Para tanto, elegi como fio condutor três principais categorias:

crime, justiça e liberdade. Devo dizer que a escolha destas dimensões não ocorreu de forma aleatória; ao contrário, quis privilegiar aquilo que, inicialmente, chamei de ciclo na vida das mulheres que estão no CRF, uma vez que todas as mulheres que ali estão devem (eis aqui o benefício da dúvida!) ter praticado algum ato considerado crime o que as levou a alguma relação, na verdade, algum contato, com a justiça (representada por aqueles que a fazem ― juiz, defensor público, promotor). Esta “fase” deveria culminar com a da liberdade, que eu supunha ser, explícita e declaradamente (por elas), o maior desejo das mulheres que viviam no CRF.

Ao eleger estes três aspectos, ponderava que poderia retratá-los um em cada capítulo para que esta minha idéia inicial de ciclo se concretizasse e se mostrasse ao leitor. Pensava esta tese assim ― o que, hoje vejo, a tornaria cartesiana demais para as complexas relações que eu encontrei pouco tempo depois, no campo de pesquisa. Dito isto, antecipo uma informação que se mostrará a quem lê o trabalho: as mulheres que participaram desta pesquisa não pensam crime, justiça e liberdade; elas vivem. E a vida delas, as “escolhas” que por elas foram feitas, por motivos bastante semelhantes, as conduziram ao CRF. O que quero destacar neste momento é que ao eleger a priori as categorias, incorri num erro: acreditei que as entrevistas gravitariam em torno destes aspectos porque a vida das interlocutoras era marcada por eles. Ledo engano!

Não raro encontrei mulheres que, depois que consegui estabelecer algum vínculo de empatia, me disseram “Ah, eu não fico pensando no que eu fiz de errado, o que passou, passou!” ou, se posicionaram dizendo “quem não cometeu um crime que atire a primeira pedra”. A esta última frase, “consertei” dizendo: “pecado. Quem não tem pecado que atire a primeira pedra” e a interlocutora disparou, rapidamente: “pecado, crime é tudo a mesma coisa”. Aos poucos despertei para o fato de que minhas categorias não eram as mesmas categorias delas, das entrevistadas. Estas e outras falas me fizeram suspeitar que crime não era algo que as interlocutoras gostassem (ou talvez nem quisessem) falar a respeito. Este “ajuste” era algo para ser superado do ponto de vista metodológico.

Entre o meu planejamento e as possibilidades que me foram dadas para a realização da pesquisa, este “ajuste” foi feito na medida em que passei a considerar crime, justiça e liberdade o ponto de partida para as conversas e não o fim para o qual eu estava ali. E quando me refiro que este passou a ser o início da conversa com as interlocutoras, isso é algo que não desejo que seja considerado como uma “mudança de estratégia”, como alguém poderia sugerir. E foi levando em consideração esta situação que no roteiro de entrevista, instrumento essencial para a realização das pesquisas que focam no discurso das pessoas, onde antes eu

havia posto “o que considera crime?” passou a constar “idéia sobre crime”; onde era “você recebe visita?” se transformou em “dias de visita” e “considera a sua pena justa?” redimensionei para “percepções sobre justiça”, tudo passou a ter uma formulação mais “aberta” e geral, o que acredito tenha dado chance às mulheres, tanto de descrever um dia de visita, por exemplo, quanto de falar sobre os seus dias de visita ― o que no geral acontecia exatamente ao contrário, primeiro elas falavam delas e depois ampliavam o olhar para as diversas situações que aconteciam no CRF em dias de visita.

Acho relevante registrar esse aspecto da pesquisa para dar a dimensão de que, embora tenha sido planejada, a pesquisa já não buscava as elaborações, como se costuma dizer na metodologia, “fechadas”, ou seja, as opiniões preestabecidas. A principal implicação deste deslocamento (na perspectiva de como trabalhar com as categorias mencionadas) fez bastante diferença no resultado do trabalho, uma vez que passei a valorizar mais as falas que eram antecedidas por frases como “Eu nem tinha pensado sobre isso antes”, ou então, “Eu pensei mais sobre o que tu disse ontem...” e eu inquiria “o que eu disse sobre o quê?” (tentando buscar o ponto de reflexão da interlocutora) e ela continuava “De como era pra mim a liberdade e fiquei pensando à noite. Acho que sei sobre como ela é!”.

Nesse sentido, o trabalho de entrevistas e conversas informais feito com as mulheres que se dispuseram a participar da pesquisa foi realizado privilegiando a narrativa enquanto esforço intelectual que se ocupa em registrar e reproduzir, nem sempre fielmente, se é que isso é possível, os fatos vividos pelo indivíduo, já que ela é uma construção e agrega, necessariamente, o esquecimento (LE GOFF, 1994). Com isto, há nesta pesquisa uma combinação entre relatos de fatos passados, de experiências que antecederam à entrada do CRF, bem como de interpretações do que as mulheres vivem no seu presente, quando já estão vivendo o presídio feminino.

Em ambas as dimensões as percepções das entrevistadas me chegaram com bastante reticências, fruto (talvez) da insegurança sobre o modo como aquelas “informações” seriam utilizadas. Assim, encontrei, ou melhor, senti, de modo bastante recorrente durante as entrevistas que as interlocutoras tinham uma preocupação em mencionar determinadas circunstâncias relativas a vida no presídio. Foi assim quando tratei de algumas temáticas particulares que, originalmente, eu não havia previsto, como a vigilância realizada pelas agentes ou como o significado das tatuagens, porém nada neste contexto superou as ausências de fala quando o assunto era a homossexualidade entre as detentas. Uma das interlocutoras assim expôs sua visão sobre este assunto:

É...bem...não sei direito. É que quando eu vim pra cá... eu não sabia direito. Eu via que algumas dormiam, assim... juntas. Mas, eu...bem... (risos nervosos) acho que é assim mesmo. Tem gente que...é, como vou te explicar? Que... gosta de dormir assim mesmo.

Enfatizo, porém, que estas temáticas foram incorporadas à tese porque emergiram das entrevistas realizadas durante o trabalho de campo. E que a “vergonha” ou “constrangimento” que foram as primeiras impressões que tive delas quando falavam sobre a homossexualidade (incluo aí o meu próprio embaraço) não perdurou toda a pesquisa. Com o andamento desta percebi que os relacionamentos amorosos entre as detentas já não eram mais motivo para timidez e risos nervosos por parte delas e, consequentemente, eu também me senti mais a vontade quando o assunto surgia.

Privilegiando este tipo de abordagem, penso ter garantido uma relativa proximidade com as detentas, pois as entrevistas as faziam recordar de dores e alegrias da vida extra e intramuros. Na situação em que se encontravam, bastava a primeira pergunta para que a conversa se desenrolasse. Após esta experiência, vejo que a necessidade de falar traz o alívio de se reconhecer como alguém que é portador de uma história, de lembranças e que, por isso, embora esteja num presídio, deve ser visto como pessoa. A memória, por assim dizer, trouxe as “pessoas” para dentro do texto, como uma interlocutora que estava no CRF pela primeira vez me disse:

Não se preocupe com ela não (com a outra mulher que esperava sua vez para ser entrevistada). A gente fica aqui conversando e eu fico me lembrando que eu tinha uma vida lá fora. Que eu tinha lá tudo para ser feliz, mas que hoje eu não tenho nada! Pelo menos aqui eu tô me lembrando como era bom tá lá... se alguém me perguntasse nunca que eu diria que um dia vinha pra cá.

Essa importante categoria analítica, “pessoa”, foi retomada em muitos momentos da pesquisa de campo, como mostrarei no decorrer da tese. O que torna alguém uma pessoa? Marcel Mauss (1974), em seu estudo clássico, sua formulação sobre esta categoria faz uma construção deste que hoje é um dos principais elementos distintivos do “eu” na sociedade. Para o autor, “pessoa” é uma categoria teórica que foi construída em todas as sociedades, desde as que se organizavam em clãs até a Grécia antiga, sem que com isso pense uma “evolução” do conceito. Pensar sobre esta categoria, nos termos de Mauss, é revelar a forma como indivíduos de uma sociedade se relacionam entre si e como estes se inscrevem no contexto social no qual estão inseridos. Por isto, falar em pessoa traz em si todo um sistema moral (de costumes e valores) e códigos jurídicos que tornam uma pessoa uma construção particular a uma determinada sociedade.

O autor em questão concebe a elaboração do “eu” em algumas culturas, como persona, ou seja, personagem (sobretudo presente nos rituais) com um papel fundamental que estabelece a relação indivíduo-sociedade, de tal forma que a persona servia para compor o todo, o clã ou a coletividade em geral. Em outras conjunturas, como no caso das tribos do noroeste americano, o “eu” era transmitido através do nome dos ancestrais em seus herdeiros; a persona passa a ser encarnada por quem possuir determinados objetos mágicos e que outorgam ao seu possuidor características essenciais para a permanência da coletividade.

Deste modo, o autor vai evidenciando, através das diversas sociedades, como a idéia de que existe um “eu” em oposição a um “outro” foi sendo reconfigurada. A culminância de tal processo é, sem dúvida, a sociedade grega que, embora utilizasse a mesma palavra persona para identificar a sua construção do “eu”, a emprega com um sentido diferente; a partir de então, a persona estaria estritamente ligada à cidadania.

[...] a palavra persona, personagem artificial, máscara e papel de comédia e de tragédia, da trapaça e da hipocrisia ― estranha ao “eu” ― prosseguiu a sua marcha. Mas o caráter pessoal do direito estava estabelecido e a persona tornou-se também sinônimo da verdadeira natureza do indivíduo. (MAUSS, 1974:231)

No sentido proposto por Marcel Mauss há uma perspectiva que se integra muito bem à dinâmica da vida no presídio. Comumente, as conversas traziam frases que marcavam bem esta diferença entre “pessoa” e “não pessoa”17. Falas do tipo “se eu fosse alguém aqui dentro e

tivesse condições de ...”; “prefiro ser assim mesmo, pelo menos eu sei que sou eu mesma. Mesmo tando aqui sei o valor que tenho” denotam a noção de que o encarceramento retira da mulher (mas, neste caso, não deve haver diferença em relação aos homens) a condição de “pessoa”: pessoa, como na categoria proposta por Mauss, sem direitos e sem liberdade de escolha, não é pessoa, não é nem “alguém”. A vida no cárcere passa a ser a vida que outros determinam que seja executada. Há aqui uma migração de pessoa para indivíduo/alguém, no sentido que esta idéia foi atualizada, no Brasil, por DaMatta, para quem o “indivíduo”, neste país, é mais um número, mais um alguém levado à condição de massa18.

17 Não posso deixar de mencionar aqui, a referencial formulação de Goffman da categoria (do conceito, na

verdade) da “não pessoa”, exposta magistralmente em Estigma ― como alguém que, mesmo presente no cenário da interação social, não tem presença reconhecida, considerada. O exemplo mais evidente, para o autor, é o dos escravos e dos domésticos.

18 Para Da Matta (1981) pessoa é aquele detentor de direitos, que tem consciência de seu espaço e dele sabe

Previamente à minha entrada em campo, já havia definido que, além da narrativa, iria trabalhar também com a categoria ou idéia de percepção. Falar nas percepções que as pessoas possuem sobre determinado objeto ou realidade tem sido um campo bastante fecundo no âmbito da psicologia. Nele, as percepções são constituídas para o entendimento da formação do processo cognitivo (HASTORF, SHINEIDER e POLEFKA, 1973), onde se explica as influências que recebemos na forma de vermos e compreendermos os outros.

Hochberg (1973), ao fazer suas considerações sobre percepção, aponta que as sensações físicas são responsáveis pela forma como as pessoas a constroem. Assim entendido, é a visão, a posição do observador, o movimento em relação aos objetos, tudo isto é capaz de moldar nossa impressão sobre determinado evento.

Também Hastorf, Shineider e Polefka (1973) vão discorrendo sobre os fatores que determinam o olhar sobre situações específicas. Entre o estímulo físico e as contribuições de ordem social, têm-se na percepção um conjunto de elementos que orientam e aguçam o olhar do indivíduo sobre outrem ou algo. E este olhar, mesmo na psicologia social, é fundamentado pela experiência que a pessoa vive (ou viveu) que auxilia na produção de percepções e de emoções sobre coisas e pessoas.

Com esta escolha, pretendo destacar esse olhar das mulheres sobre o cárcere; que impressões e registros elas possuem do local onde estão cumprindo pena, como compreendem as relações que estabelecem, levando em consideração a justiça e a (idéia de) liberdade. Logo, percepção é aqui empregada como o registro que as mulheres fazem das condições às quais estão submetidas, a partir da experiência concreta de viver numa prisão. Com isto, considero que do ponto de vista sociológico, a percepção que se constrói sobre um evento ou sobre pessoas, sendo resultado de um conjunto de processos pelos quais o indivíduo mantém contato com o que está a sua volta.

Como eu disse anteriormente, as questões aqui tratadas são as que foram emanadas dos contatos com as detentas. É a visão verbalizada delas sobre o cárcere e sobre as diversas situações que lá ocorrem que estão sendo e as que ainda serão reveladas e discutidas, posto que viver o sistema penitenciário faz com que as mesmas construam impressões sobre a forma como este funciona, suas deficiências, suas implicações ―sua forma de ser, para elas, enfim.

Na medida em que foi possível adentrar no espaço do presídio foi possível entender melhor e definir com maior precisão os passos da pesquisa. Alguns tiveram que ser deixados — entre eles, a presença e uso do gravador durante as entrevistas. Este instrumento precioso não pôde ser utilizado, pois, segundo a justificativa de membros do CRF “o gravador vai colocar em risco a segurança no presídio”. O mesmo foi negado em relação ao uso da

máquina fotográfica e da escolha pessoal das interlocutoras. Neste último aspecto em especial houve algum temor por parte do corpo dirigente. Todos os dias em que fui a campo eu passava, pelo menos, de meia hora a quarenta minutos esperando que me fossem trazidas as mulheres com quem conversaria.

Nenhuma delas se configurou como escolha minha, a única prerrogativa que tive foi a de pedir que todas fossem do regime fechado, porque desta forma estaria com pessoas que passaram por todas as etapas do sistema judicial até chegarem ao presídio, além de permitir que eu começasse e terminasse a pesquisa com as mesmas interlocutoras ― o que poderia não ocorrer com detentas do regime semiaberto e aberto.19 E isto foi respeitado por parte das dirigentes. Quando as interlocutoras eram chamadas a assistente ou a agente responsável por contatá-las pedia: “chama duas aí boas de falar!”. Às vezes, transparecia certo descaso com a pesquisa; as agentes me perguntavam por que eu queria falar com elas, porque “elas não tem jeito mesmo!”.

Assim, fui convivendo com as mulheres que iam sendo liberadas e que, após a explicação do que se tratava o estudo, aceitaram fazer parte do mesmo. Houve o caso de uma mulher que, após ouvir as informações iniciais, decidiu quem não queria participar, mas pediu para ficar próximo “ouvindo a conversa”, para utilizar a mesma expressão usada por ela. Perguntei a outra interlocutora se ela se importava e esta respondeu: “Não. Ela é minha companheira de cela, mesmo!”. E assim, a mulher que não quis ser entrevistada (oficialmente), na segunda vez na qual conversei com sua colega, passou a interagir comigo e quero dizer que ela foi uma pessoa muito importante, pois foi uma das que melhor me esclareceu sobre o trabalho das mulheres no CRF, o processo de escolha de quem vai realizar que atividade e outras questões referentes a esta dimensão da vida numa casa penal.

Contudo, não posso ignorar que minha presença era mais uma preocupação para as agentes, diante de tantas outras tarefas a serem cumpridas. Estar ali indicava que havia pessoas “lá de fora” interessadas no que se passava “lá dentro”. Este receio de que informações pudessem vazar ou que algo indesejável fosse dito me acompanhou pelo menos nas três primeiras entrevistas, onde percebi que as detentas (que eram escolhidas pela própria instituição) que haviam sido encaminhadas até a sala da assistência social (onde eu realizava as entrevistas) elaboravam um discurso sobre como o presídio era um lugar “como outro qualquer”, como uma destas afirmou. Intuitivamente, senti que aquelas não seriam entrevistas

19 Os tipos de regimes ao qual uma pessoa condenada fica sujeita são: regime fechado, regime semiaberto e

regime aberto. Esta distinção entre os regimes e os critérios de adequação do regime ao crime cometido serão analisados no próximo capítulo.

“confiáveis”, pois nelas havia muitas referencias a um CRF onde “as pessoas daqui de dentro ajudam a gente” e “Aqui na casa a gente tem muita assistência!”.

Minha rotina dentro do presídio feminino se estabeleceu da seguinte forma: eu ia ao CRF, regularmente, de duas a três vezes na semana; chegava por volta das 08h30min e fazia a minha identificação na portaria. Esperava a liberação para minha entrada, o que só acontecia quando uma agente, destacada por dia, fazia meu acompanhamento até a sala do Serviço Social, onde me foi concedido um espaço para realizar as entrevistas. Nesta sala, havia um computador com impressora e móveis antigos (3 mesas e 3 cadeiras já desgastadas pelo uso); um armário, cuja parte superior era ornamentada com a cafeteira elétrica. Tive à minha disposição uma mesa e uma cadeira para utilizar, mas a sala não era exclusivamente “minha”, eu a dividia com duas assistentes que nas primeiras entrevistas não ficaram lá, todavia mudaram de conduta e, depois de algum tempo, continuavam na sala mesmo quando a entrevista com as interlocutoras começava. Percebia que a presença das assistentes inibia a fala e algumas participantes, acredito que com medo de serem ouvidas, me diziam coisas apenas mexendo os lábios. Como não sei fazer leitura labial, algumas vezes fiz entender que havia compreendido, quando nada pude registrar.

Também no começo, a porta dessa sala da assistência ficava o tempo todo aberta, “por questões de segurança”, dizia a agente20. Eu sabia que estava realizando um estudo com “tema

perigoso”, como bem definiu o sociólogo Cesar Barreira (1998) quando ― por ocasião da sua pesquisa com os chamados “pistoleiros”― assim denominou os trabalhos que tem em seu horizonte “um objeto classificado como sendo, em princípio, resultado de ‘desvio de personalidade’, de uma ação delinquente e fruto de um comportamento desviante e submetido, constantemente, a classificações morais negativas”. (BARREIRA, 1998: 20). Por anuir que a pesquisa envolvia um relativo perigo, as agentes ficaram no lugar estabelecido: no corredor, de longe, do lado de fora da porta da sala, observando o que se passava lá dentro, onde eu estava, e também onde sempre havia outras “detentas”.

Passei as primeiras entrevistas dentro daquela sala e não poderia dizer que conhecia o espaço físico do CRF se lá permanecesse até o fim do trabalho de campo. Porém, num processo não-intencional de minha parte ― e que eu atribuo a própria dinâmica do presídio, uma vez que deixar uma agente especialmente destacada para me acompanhar significava

20 Agente ou agente prisional são assim denominadas as funcionárias públicas estaduais responsáveis pela

segurança dentro do presídio. No caso do CRF, por se tratar de uma instituição voltada ao público feminino, apenas mulheres exercem esta função, embora todos os dias tenham três policiais no local, “de plantão” para casos de emergências.

uma a menos nas atividades cotidianas de vigilância do CRF ― as agentes iam me perguntando “tudo bem se você ficar sozinha?”, ao que respondia “tudo bem!”.

Aos poucos, fiquei sem a agente do lado de fora da sala e, algumas semanas depois, quando a agente me perguntou se eu podia ficar sozinha perguntei se poderia sair da sala e conhecer o CRF. Neste momento, passei a ver a vida, os trabalhos, a administração, enfim