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CAMPEONATO BRASILEIRO 2019: UM HIATO NAS TRANSMISSÕES AO

CAPÍTULO 03: TRANSMISSÕES ESPORTIVAS E SEUS "DONOS": O CASO

3.4 CAMPEONATO BRASILEIRO 2019: UM HIATO NAS TRANSMISSÕES AO

A força e o monopólio exercido desde os anos de 1990 até os dias de hoje por parte do Grupo Globo já foi tema de algumas discussões e ações no âmbito do judiciário. O caso mais notório foi uma ação processual no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que acusava o Clube dos 13 e o Grupo Globo de praticarem atitudes “anticoncorrenciais” para aquisição dos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro.

Como o processo jurídico e os trâmites judiciais não são objetos dessa pesquisa, focaremos nas questões concernentes às disputas das emissoras e suas relações, enquanto “donas” das transmissões do futebol, e como isso afetou os formatos de negociação para a transmissão do Campeonato Brasileiro de 2019. Uma observação mais completa da ação posta pelo CADE e seu desenrolar pode ser obtida na análise dos trabalhos desenvolvidos por Anderson Gomes dos Santos, que investigou todo esse processo durante sua dissertação de mestrado176 e publicou um livro177 relatando minuciosamente esse episódio jurídico.

Na abertura deste capítulo, utilizamos a informação dada pelo jornalista Vinícius

175 A falta de acordo é existente até o momento de conclusão dessa investigação 01/06/2019.

176 SANTOS, Anderson. A consolidação de um monopólio de decisões: a Rede Globo e a transmissão do

Campeonato Brasileiro. Dissertação (mestrado) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, 2013.

177 SANTOS, Anderson. Os Direitos De Transmissão Do Campeonato Brasileiro De Futebol. Curitiba:

Andrade, no blog do portal UOL, afirmando que o futebol sumiu da televisão. Isso ficará mais claro ao analisarmos a disputa entre o Grupo Globo e Turner178 na aquisição dos

contratos de exclusividade para transmissão do Campeonato Brasileiro de 2019. Em uma disputa que envolve os clubes nacionais, cada emissora negociou diretamente com os times do torneio e isso implicou inicialmente em uma restrição ao número total de partidas que seriam exibidas nessa temporada. Nas primeiras rodadas do Brasileirão 2019, estava programado um total dos 380 jogos no campeonato e 26 deles (13,7%) ficariam sem transmissão na televisão aberta, fechada e streaming. Tais jogos estariam somente disponíveis por transmissão via rádio em virtude da disputa entre as emissoras de televisão e os clubes.

No Brasileirão de 2019, os grupos Globo (SporTV) e Turner (Space e TNT) dividem as transmissões em canal fechado. Até a sexta rodada do Campeonato Brasileiro, a divisão entre as emissoras era: o SporTV teria direito a transmitir 156 jogos (41%), a Turner (Space/TNT) exibiria 42 partidas (11%) e, no sistema de televisão aberta, a TV Globo transmitiria 342 partidas (90%). A lacuna dos 26 jogos seria em decorrência do time do Palmeiras ter contrato somente com a Turner para exibição no sistema fechado; a equipe paulista não tinha contrato para os sistemas pay-per-view e televisão aberta (até o acordo firmado nas vésperas da sexta rodada do campeonato). Já o Athletico Paranaense tem acordo com o Grupo Turner para exibir no sistema fechado/cabo e com a TV Globo para o sistema aberto, mas está fora do PPV.

Em suma, durante as primeiras rodadas do Brasileirão 2019 o cenário das transmissões significava: no sistema de televisão aberta, a TV Globo mantinha a exclusividade nas transmissões e havia fechado contrato com os clubes do Athletico, Atlético-MG, Avaí, Bahia, Botafogo, Ceará, Chapecoense, Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Fortaleza, Goiás, Grêmio, Internacional, Santos, São Paulo e Vasco. Totalizando o direito de transmitir 342 partidas.

No sistema fechado/cabo a transmissão era compartilhada entre Grupo Turner e Grupo Globo. A emissora internacional havia fechado contrato com os clubes do Athletico, Bahia, Ceará, Fortaleza, Internacional, Palmeiras e Santos. Ao todo, cada uma das equipes teria 12 partidas exibidas ao longo do ano na Série A, totalizando uma exibição de 42 partidas. O SporTV iria exibir 156 partidas após firmar contrato com os clubes do Atlético-MG, Avaí, Botafogo, CSA, Chapecoense, Corinthians, Cruzeiro,

178 MENDES, Felipe. Um drible na Globo. ISTOÉ Dinheiro, 25/02/2019. Disponível em:

Flamengo, Fluminense, Goiás, Grêmio, São Paulo e Vasco.

No sistema pay-per-view a exclusividade era do Grupo Globo, que transmitiria 306 partidas após acordo com os mesmos clubes do contrato da televisão aberta, exceto Athletico e Palmeiras. No sistema via streaming, o Grupo Globo distribuiria os mesmos jogos acordados no contrato do PPV, enquanto o Grupo Turner transmitiria os jogos dos clubes acordados no sistema fechado/cabo por meio da plataforma Ei Plus.

O resultado dessa queda de braço entre Grupo Globo e os times, principalmente o Palmeiras — atual campeão brasileiro — criou uma situação inicial na qual 26 partidas não seriam televisionadas em nenhuma plataforma audiovisual, apenas no rádio. Essa projeção se confirmava até o início da sexta rodada179 da edição do campeonato 2019, momento no qual o Grupo Globo assinou contrato com o clube do Palmeiras180 para ter direito de transmissão das suas partidas na TV aberta e no sistema pay-per-view. Da projeção inicial de 26 partidas, apenas três181 não tiveram transmissão por plataformas audiovisuais. O jogo da sexta rodada entre o clube do Palmeiras e Botafogo também não teria transmissão, até a assinatura do contrato com o Grupo Globo.

O começo do Brasileirão 2019, com uma projeção de mais de 20 partidas sem transmissões, era algo inimaginável até a última edição do torneio (2018), tamanho era o poder de exclusividade do Grupo Globo. A queda de braço com os clubes e a disputa com o Grupo Turner podem ser melhor compreendidas em reportagem de Danilo Lavieri para o site UOL182, na qual o jornalista explica os pontos de divergência entre Palmeiras e

Grupo Globo.

O panorama inicial do Brasileirão 2019 apresentou alguns pontos importantes que deverão ser modificados e analisados ao longo das próximas negociações e edições do torneio; desde a fragilidade da arcaica legislação brasileira para o tema, até a relação de disputa dos conglomerados midiáticos nacionais e internacionais na aquisição de novos direitos de transmissão e distribuição nas mais variadas plataformas no país.

179 Data dos jogos da sexta rodada: 25/05/2019.

180 GRUPO GLOBO E PALMEIRAS chegam a acordo para transmissão de jogos no Campeonato

Brasileiro. Globoesporte.com, São Paulo, 23/05/2019. Disponível em: <https://globoesporte.globo.com/futebol/times/palmeiras/noticia/globo-palmeiras-acordo-transmissao- brasileirao.ghtml>. Acesso em: 01/06/2019.

181 Os jogos que não foram transmitidos em plataformas audiovisuais pois somente poderiam ser

transmitidos via rádio, foram: CSA x PALMEIRAS (segunda rodada); CHAPECOENSE X ATHLETICO (terceira rodada); ATLÉTICO X PALMEIRAS (quarta rodada).

182 LAVIERI, Danilo. Palmeiras e Globo: "diferenças de conceito" travam acordo entre clube e TV. UOL,

São Paulo, 22/04/2019. Disponível em: <https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas- noticias/2019/04/22/palmeiras-e-globo-diferencas-de-conceito-travam-acordo-entre-clube-e-tv.htm>. Acesso em: 01/06/2019.

Trata-se de um reflexo contemporâneo das transmissões esportivas, no qual cada vez mais os clubes e empresas de comunicação disputam o direito e o poder no cenário dos eventos esportivos. O futebol midiatizado (BRITTOS; SANTOS, 2012) enquanto um programa convergente com a Indústria Cultural torna-se uma moeda valiosa para as operações das empresas do ramo de comunicação. Esse quadro reforça a argumentação de Gastaldo em torno da “complexa teia” de relações dos agentes esportivos, empresas e clubes e nos leva a questão central da pesquisa: o futebol (não) será televisionado?

Notamos ao longo da investigação que o futebol, ao ser introduzido no país, foi peça fundamental em suas relações sociopolíticas e culturais, fosse na formação de uma identidade nacional, fosse para justificar o país enquanto Estado-Nação. Até mesmo para as questões artísticas o futebol teve sua contribuição. É inegável sua classificação enquanto parte dos bens culturais do país, como também é notável sua transformação enquanto cultura de massa no que se refere à mercantilização. O processo de modificação do futebol dentro da indústria cultural não é algo específico do futebol brasileiro; ele é visto como uma relação globalizada, que interfere diretamente nos signos e significados constituídos ao longo de sua consolidação nas sociedades. Para Pablo Alabarces (2012), as tendências de globalização do esporte como elemento midiático são tensões “globalizadoras”, sujeitas à força do capitalismo contemporâneo. Para o pesquisador, trata-se de algo inevitável aos fenômenos culturais de abrangência global, intrínsecos ao mercado da indústria cultural. O papel desempenhado pelos conglomerados midiáticos internacionais, nesse sentido, está diretamente envolvido na modificação do cenário cultural do futebol.

Para analisar os fenômenos contemporâneos [...] primeiro, pensar o futebol – jogadores, equipes, relatos e imagens – como mercadoria global, fundamentalmente distribuída pelos meios de comunicação de massa e pela cultura de massa internacionalizada. Em primeiro lugar, é imprescindível recordar que o auge dos meios globais esportivos – fundamentalmente, as grandes redes como ESPN ou Fox e suas alianças com as grandes redes europeias – coincide com a permanência inalterada, e inclusive fortalecida, das redes locais. Não existe esporte latino-americano sem Globo, Rede TV, Torneios e Concorrências, Televisa. Mesmo que estabeleçam joint ventures mais estáveis ou mais ocasionais com as redes globais, ou que se internacionalizem, seu desempenho local, seu papel no estabelecimento das agendas esportivas e modos peculiares de relato continuam sendo cruciais (ALABARCES, 2012, p. 198)

Em sua argumentação, o autor faz ainda um destaque importante com relação às pesquisas que abordam o tema: “aqui cabe também reivindicar a necessidade de um estudo minucioso por parte da economia política da comunicação latino-americana: apesar da relevância do esporte nas redes e grandes correntes, não existe ainda nenhum

trabalho ao respeito”. Posto isso, podemos aproveitar dois ganchos fundamentais para nossa investigação: a necessidade de pesquisas que dialoguem com o eixo da economia política da comunicação — algo que estamos propondo em nossa pesquisa desde o início, em ressonância com o campo — e a comparação e mapeamento da força dos “grupos de televisões regionais” no continente sul-americano.

Ao citar a Torneos y Competencias AS, empresa dedicada às transmissões esportivas na Argentina, em comparação com o Grupo Globo e Televisa (mexicana), Alabarces apresenta um cenário de oligopólio das transmissões esportivas no continente exercido por essas empresas, entretanto, ele explica que no caso “argentino, as transmissões esportivas foram estatizadas. Essa situação apresenta um desafio interessante face ao futuro, que merece uma análise mais apurada” (ALABARCES, 2012, p. 198).

Considerando isso, apresentaremos a seguir o “caso argentino” de estatização das transmissões esportivas do campeonato nacional. Realizado nos anos de 2009/2016, foi fruto de reformulação na legislação do país, que promulgou a Lei de Meios Audiovisuais da República Argentina (Ley de Medios 26.522/2009) e vigorou até 2016. Nosso objetivo aqui é demonstrar um exemplo prático de solução que possa servir para superar o hiato das transmissões esportivas decorrente da disputa na esfera da “complexa teia” que envolve o futebol midiatizado (BRITTOS; SANTOS, 2012). Além disso, a estatização das transmissões na Argentina é enraizada nos preceitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU183, um marco para as legislações do setor de

comunicação no âmbito dos países da América Latina.

Antes de apresentar o caso argentino de estatização das transmissões e o contexto histórico e social que possibilitou a promulgação da Ley de Medios; investigaremos e analisaremos a legislação brasileira no tocante às questões do desporto e da comunicação. Como a legislatura brasileira é arcaica e carente de uma atualização no que se refere às transmissões esportivas, buscamos algumas referências que nos ajudem a entender como se configuram atualmente (desde o período do regime militar) os dispositivos legais para as transmissões nas múltiplas plataformas.