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FUTEBOL, UM "PRODUTO CULTURAL": PRODUÇÃO E CONSUMO

CAPÍTULO 03: TRANSMISSÕES ESPORTIVAS E SEUS "DONOS": O CASO

3.1 FUTEBOL, UM "PRODUTO CULTURAL": PRODUÇÃO E CONSUMO

Como já destacamos no capítulo anterior, a conquista do tricampeonato mundial em 1970 pela Seleção Brasileira foi a primeira vez em que a sociedade brasileira conseguiu acompanhar pela televisão uma Copa do Mundo ao vivo. De lá para cá, as transmissões de eventos esportivos se tornaram constantes já que o advento da televisão cresceu e seu consumo foi estimulado no país. Além disso, como já apresentamos nos outros capítulos, o futebol teve um papel significativo na formação de uma identidade nacional brasileira (FREYRE, 1938; DAMATTA, 1982; GUEDES, 1998; HELAL, 1997); o "país do futebol mulato-arte"146 ganhou cada vez mais espaço nos meios de comunicação, até se tornar um produto comercial e altamente lucrativo pelas indústrias culturais (BRITTOS, 2010). Posto isso, podemos observar como a sociedade absorveu,

cidade do Rio de Janeiro - usaremos essa referência ao mencionar as relações especificas da televisão no sistema aberto de transmissão.

145 O Athletico Paranaense assinou contrato com o Grupo Globo somente para transmissões na tevê aberta,

ficando de fora do PPV. O clube tem contrato na tevê fechada/cabo com o Grupo Turner.

146 Utilizamos esse conceito na tentativa de abranger todas as etapas de consolidação do futebol no país,

desde o início do amadorismo, que tocava as questões raciais, até o momento em que o futebol brasileiro ajudou na formação de uma identidade de Estado-Nação.

produziu e consumiu “produtos” relacionados ao futebol; desde o caráter e simbolismo artístico até as relações comerciais dentro da economia capitalista global.

Vale lembrar, por exemplo, a partida entre Brasil e Uruguai no torneio Sul- Americano de 1919. O Brasil foi campeão com gol de Friedenreich na prorrogação, e venceu aquela partida por 1 a 0. Esse resultado virou nome da composição musical feita por Pixinguinha e de Benedito Lacerda; uma das obras-primas do chorinho147 foi intitulada “Um a zero” em homenagem àquele jogo de futebol.

Como já destacamos, o rádio na sua “Era de Ouro” realizou um casamento com o futebol, algo fundamental para sua popularização, tanto nas transmissões esportivas como na programação musical. Vale relembrar os sambas e músicas compostas por músicos e artistas148 como Noel Rosa, Carmen Miranda, Lamartine Babo e em especial Ary Barroso, que além de compositor era voz marcante nas transmissões do futebol pelo rádio, sendo o inventor das vinhetas e efeitos sonoros nas transmissões, como sua famosa “gaitinha” ao narrar um gol149.

Ainda relembrando o campo da produção cultural e artística, podemos destacar a Semana de Arte Moderna de 1922, na qual o futebol ainda não era uma fonte totalizante de inspirações para os artistas, e sim, era tratado como “ópio do povo” por alguns. Sendo assim, “o futebol traçou um percurso bem distinto e foi recebido de modo diametralmente oposto pelos intelectuais modernistas no decênio da Semana de Arte Moderna” é o que afirma o pesquisador Bernardo Buarque de Hollanda (2011, p. 4) ao mencionar a distância que alguns literários e artistas davam ao futebol; por exemplo, Mário de Andrade, que em seu livro Macunaíma (1928), representou “ficcionalmente o futebol como uma das três pragas que assolavam o país”150.

Entretanto, havia artistas e intelectuais que tinham participado da Semana de Arte e que acabaram anos depois se aproximando das relações socioculturais do futebol

147 Disponível em: <https://ims.com.br/2017/06/01/sobre-pixinguinha>. Acesso em: 01/06/2019

148Podemos mencionar uma lista “infinita” de artistas envolvidos com a temática: Lupicínio Rodrigues,

Adoniran Barbosa, Jackson do Pandeiro, Jorge Ben, Toquinho, João Bosco, Wilson Simonal, Moraes Moreira, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Chico Buarque, Fagner, Tom Zé, Simoninha, Marcelo D2 e outros grandes músicos brasileiros que cantaram e fizeram composições sobre o futebol.

149 Cf. SCHINNER, Carlos. Manual do Locutor Esportivo. São Paulo, Panda, 2004.

150 Bernardo Borges Buarque de Hollanda em seu artigo apresenta um estudo sobre o processo da

"brasilidade" esportiva ligado aos autores do modernismo de São Paulo e do regionalismo nordestino. Um panorama do futebol e da cultura brasileira nos anos de 1920, 1930 e 1940. Cf. BUARQUE DE HOLLANDA, Bernardo. O futebol como alegoria antropofágica: modernismo, música popular e a descoberta da "brasilidade" esportiva. In: Dossier thématique: Brésil, questions sur le modernisme. Artelogie, n° 1, Septembre, 2011.

e produzindo seus trabalhos e obras. Podemos citar entre outros151, Francisco Rebolo152,

que anos depois apresentaria sua grande obra: "Futebol". Pintado em 1936, o quadro apresentava o duelo entre um jogador negro contra um branco. Essa imagem virou capa de uma nova edição do livro O Negro no Futebol Brasileiro de Mário Filho.

Figura 4: Quadro - "Futebol" de Francisco Rebolo Gonsales (1936)

O futebol também foi utilizado e contado por outros autores da literatura brasileira, como nos poemas e textos de Manuel Bandeira, Rubem Braga, Ariano Suassuna, Luís Fernando Veríssimo, Fernando Sabino, João Ubaldo Ribeiro, Monteiro Lobato, Carlos Drummond de Andrade. Destacamos Nelson Rodrigues que, além dos seus textos, levou o futebol para dentro do teatro em peças como: “A Falecida”; “A Invasão”; “Campeões do Mundo”. Essas duas últimas tinham um teor de crítica política em relação ao momento que o país vivia.

Todavia, o momento que talvez tenha mais aproximado o brasileiro do futebol no tocante às “imagens” – antes da televisão – foi o cinema. O livro Fome de Bola:

Cinema e Futebol no Brasil, de Luiz Zanin Oricchio (2006), apresenta uma lista de filmes

com mais de 300 produções que envolveram a temática futebol. Entre as primeiras produções, destaque para o documentário “Entrega das taças aos campeões paulistas de

151 Podemos ainda lembrar outras obras pintadas e artistas como: Alfredo Volpi “Meninos jogando futebol”;

Vicente do Rego Monteiro "O goleiro"; Cândido Portinari “Jogo de Futebol em Brodowski” e "Futebol"; além de Aldemir Martins que chegou a produzir inúmeros trabalhos sobre futebol entre pinturas, gravuras e desenhos.

152 Francisco Rebolo Gonsales, descendente de espanhóis, nasceu em São Paulo no dia 22 de agosto de

1902. Foi pintor, gravurista e futebolista, jogando no time do Corinthians entre 1922 e 1927. Além do quadro "Futebol" - uma crítica social ao esporte na época em relação ao elitismo e preconceito racial - o artista tem mais de 700 obras documentadas, entre elas, o atual desenho do escudo do time do Corinthians. Cf. RIBEIRO, Diego. Jogador e artista: campeão de 1922, Rebolo desenhou atual escudo. Globoesporte.com, São Paulo, 18/08/2010. Disponível em: <http://globoesporte.globo.com/futebol/times/corinthians/noticia/2010/08/jogador-e-artista-campeao-de- 1922-rebolo-desenhou-atual-escudo.html>. Acesso em: 12/05/2019.

futebol”, de 1907, que contou com a participação de Charles Miller.

As décadas de 1930 a 1960, como apresentamos, compõem um momento em que o futebol se popularizou entre as camadas sociais no país e, diante disso, o cinema não ficou de fora. Produções como “O Campeão de futebol”; “Alma e corpo de uma raça”; “Por que o Brasil perdeu a Copa do Mundo” retratavam o tema, assim como no período do Cinema Novo153 temos ainda: “Subterrâneos do Futebol” (1965); “Garrincha, a Alegria do Povo” (1962); “O Corintiano” (1967); “Os Trapalhões e o Rei do Futebol” (1968), em que Pelé vive o protagonista. Mas, podemos considerar que a grande contribuição da “sétima arte” se deu após a criação do “Canal 100”, fundado em 1957 por Carlos Niemeyer. O cinejornal era exibido por todo Brasil; eram exibidas principalmente produções de eventos esportivos importantes, em especial o futebol. O Canal 100 uniu a linguagem jornalística e cinematográfica com o futebol e foi responsável, por exemplo, por registrar as primeiras atuações de Pelé e Garrincha na Copa do Mundo de 1958. As imagens que encantavam o público foram talvez uma das primeiras inspirações para tornar o futebol midiatizado (BRITTOS; SANTOS, 2012) em um programa dentro da indústria cultural no Brasil. Notamos isso quando, nos anos de 1990, o Canal 100 faz sua estreia na televisão aberta em parceria com a TV Manchete, propriedade da família Bloch. À frente do programa, Milton Neves, que apresentava os documentários e debates na emissora154.

Compreendemos, durante as exemplificações acima, que o futebol e a indústria cultural estão em relacionamento constante desde o século XX. Isso fica mais nítido na década de 1970, quando o futebol se amplifica no que Valério Brittos e Anderson Santos (2012) consideram como terceira fase do capitalismo. Para eles, a comunicação e cultura se relacionam, nas suas trajetórias ao futebol, e a mídia tem um papel importante "na maioria das atividades de impacto, seja pela retransmissão de informações ou para “justificar” novas aplicações ideológicas, caso da proliferação das políticas neoliberais" (BRITTOS; SANTOS, 2012, p. 178-179). Por isso, para os autores, o futebol entra em conexões nas dinâmicas da midiatização, que são intensificadas pelo avanço e desenvolvimento da televisão no país e sua correlação com a Indústria Cultural. Gastaldo

153 Cinema Novo é um gênero e um movimento cinematográfico brasileiro, destacados pela sua ênfase na

igualdade social e intelectualismo que se tornou proeminente no Brasil durante os anos 1960 e 1970. O Cinema Novo se formou em resposta à instabilidade racial e classista no Brasil.

154 MAGALHÃES, Marcus. CANAL 100. Terceiro Tempo - UOL, São Paulo. Disponível em:

<https://terceirotempo.uol.com.br/que-fim-levou/canal-100-rede-manchete-4492>. Acesso em: 12/05/2019.

(2004, p. 4), ao falar dessa relação, nos explica que:

Na gênese histórica do mundo contemporâneo, é interessante notar o surgimento quase concomitante do esporte moderno e dos meios de comunicação de massa, em fins do século XIX. Por exemplo, a primeira Olimpíada da era Moderna (1896) foi realizada no ano seguinte à primeira sessão pública de cinema (1895); a Copa do Mundo de 1938 ensejou a primeira transmissão de rádio intercontinental, enquanto a Copa de 1998 foi também a ocasião da primeira transmissão internacional de televisão de alta definição (HDTV).

Essa relação do esporte com os mass medias em um processo de midiatização está em desenvolvimento desde a Copa do Mundo de 1938, momento no qual houve a primeira transmissão de rádio intercontinental; isso prosseguiu e avançou durante as Olimpíada de Tóquio (1964) quando acontece a primeira transmissão de televisão que cruzou o Oceano Pacífico via satélite; na Copa do Mundo na França de 1998, quando acontece a primeira transmissão internacional de televisão de alta definição (HDTV) e também na Copa do Mundo na África do Sul (2010), que marca a realização da primeira transmissão internacional de televisão em formato 3D155.

3.2 FUTEBOL, UM "PRODUTO MERCANTILIZADO": TRANSMISSÕES