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CAPÍTULO 2. SANTUÁRIO DE SÃO SEVERINO: O PASSADO NO PRESENTE

2.3. Os campos da disputa territorial

Embora não seja nosso objeto de discussão, convém citar que a história recente do santuário tem se caracterizado por um emaranhado de interesses que se interpõem e se mesclam em questões de poder/legitimidade. Aliás, Claude Raffestin dedicou um capítulo da sua obra “Por uma geografia do poder”, sugerindo uma abordagem política do fenômeno religioso: O fenômeno religioso não foi, ao menos para os geógrafos, concebido em termos de relações de poder, muito embora essas relações integrem a própria essência do fenômeno. Assim como os valores sagrados e profanos, os valores religiosos e valores políticos estão em estreita relação.105

Por ser uma propriedade privada, o monopólio do Santuário de São Severino, bem como do seu significado e uso, que normalmente ficaria por parte da igreja, cede lugar à atuação dos proprietários. Na esfera do poder municipal, fica clarificada a adoção de uma tendência impulsionada por teóricos do turismo, comumente assimilada por planejadores, de que cada localidade deve ter a sua identidade no mercado. Assim São Severino não é do Ramos, vai além, é formador de uma identidade municipal: “Paudalho é a terra de São Severino”:

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Isto é o que vê em toda publicidade municipal e em placas de obras. No entanto, essa opção tem mostrado seus limites. Internamente, para os paudalhenses, a principal festa religiosa é em louvor de São Sebastião. Uma possível justificativa para o santo de casa não fazer milagres, pode ser encontrada em Abumanssur, quando diz que os santos da casa

“estão atentos às coisas comezinhas do dia-a-dia. Poderíamos dizer que é ele o responsável pelo correr regular da vida. No entanto, se algo sai dos conformes, somente apelando para uma força extra para se encontrar de novo o equilíbrio (...) quanto mais distante das coisas cotidianas, mais miraculoso é o santo”.106

Apoiada pela população residente ou não, a prefeitura vem desenvolvendo pesquisas e estudos com vistas à desapropriação, chegando a receber o apoio do Ex-Secretário de Turismo do Estado e atual Deputado Federal, José Chaves.

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ABUMANSSUR, Edin. Religião e turismo, In ABUMANSSUR (Org.) Turismo religioso, 2003, p. 59

Figura 24: placa da Secretaria de Infra-Estrutura de Paudalho (foto: Alba Marinho, 2005)

Em contrapartida, naquele mesmo dia, a tensão pela disputa territorial também podia ser observada através de faixas que alertavam aos visitantes quanto a desapropriação, questionando quanto a adequação da gestão pública a ser empreendida.

Procurando-se analisar a diversidade dos discursos e pontos de vista que se fazem presentes, fica claro que para os políticos e poder público em suas diversas esferas,

Figura 25: Deputado José Chaves na festa de Domingo de Ramos no Santuário de São Severino (foto: Gil Marinho, 2007)

Figura 26: Faixa questionando a privatização do santuário, Domingo de Ramos (foto: Alba Marinho, 2007)

existe uma tendência em qualificar o espaço sagrado como um espaço turístico, ou seja, o santuário torna-se um produto a ser vendido e consumido, além de representar muitos votos não apenas para Pernambuco, como também para diversos outros estados, principalmente os geograficamente mais próximos, ou ainda aqueles onde existe uma maior presença de imigrantes nordestinos.

Jarbas Vasconcelos, quando governador do estado, em 2002, ao inaugurar obras em Paudalho, reconheceu ser preciso ter muita competência para driblar as dificuldades locais dos partidos aliados, o motivo, segundo a imprensa, seria que a “briga por espaço político é grande porque a cidade abriga um dos maiores centros de romaria do Nordeste”.107

Esta afirmação fica melhor evidenciada quando se vê um uso político mais recente: Logo ao ser eleito presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, recebeu de um de seus aliados, o deputado Wladimir Costa Rabelo (PMDB-PA), projeto que torna São Severino padroeiro do legislativo brasileiro. Em virtude do afastamento do dirigente parlamentar por estar envolvido em denúncias de extorsão, não é de se esperar que o projeto venha a ser aprovado. Mas a ligação de Severino Cavalcanti com o santo é bem mais antiga, em meio aos ex-votos da Sala dos Milagres, existe uma propaganda do então deputado estadual, datada dos anos setenta do século XX. Uma cópia deste ex-voto pode ser vista no Anexo B.

Além dos políticos, artistas também enxergam no espaço sacralizado uma forma de dar maior visibilidade a suas produções artísticas.

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Em meio à disputa pelo espaço, o santuário assume distintos significados. Para os herdeiros, uma propriedade privada a ser mantida, dentre outros interesses, por laços sentimentais, pois ali estão os seus mortos. Para o poder público, um bem de consumo turístico; para os políticos, votos; para os comerciantes, sobrevivência; para os devotos de São Severino, a certeza de poder contar com uma intervenção perante o Divino. E para os estudos geográficos, a afirmativa de Raffestin quanto a necessidade de aprofundar as investigações relacionando a religião ao poder. Necessidade de aprofundamento que se reafirma nas palavras da historiadora Sylvana Aguiar:

Todos nós que trabalhamos com religiões e religiosidades sabemos que são fenômenos condensadores, encruzilhadas de várias vertentes dos processos históricos, por assim dizer, encruzilhadas de processos econômicos, sociais, culturais, políticos, mentais e dos cotidianos e não estamos com tal asserção advogando uma história aprisionada em teias estruturalistas, estamos sim advogando uma história sistêmica que nunca perca de vista a exploração e manipulação das gentes humildes, até porquê nas esferas das religiões e religiosidade é onde podemos compreender com grande clareza como ocorrem explorações e manipulações.108

Permanece a necessidade de uma análise mais acurada e de um acompanhamento do desenrolar dessa disputa pelo poder territorial. E de acordo com as necessidades deste estudo, o olhar se volta ao principal objeto da disputa: São Severino Mártir do Engenho Ramos.

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AGUIAR, Sylvana. Perspectivas na História: do ver e ouvir. In: SIMPÓSIO CEHILA, 2004 Figura 27: cantor David Fulco no Santuário

de São Severino (foto: Alba Marinho, 2007)

Figura 28: capa do CD de David Fulco (foto: Alba Marinho, 2007)

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