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CAPÍTULO 3. O MITO SÃO SEVERINO E AS EXPRESSÕES DO SEU RITO

3.2. As expressões do rito no Santuário de São Severino

3.2.3. Os Livros de Visita

O meu nome é Severino, não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, 162

É assim que João Cabral inicia a sua mais conhecida obra. No auto de natal do poeta pernambucano, a personagem mais destacada é o Severino da Maria do finado Zacarias, que vem lá da serra da Costela, limites da Paraíba.

Informações semelhantes àquelas do retirante em sua apresentação eram as esperadas por Flávia Mousinho, uma das herdeiras da propriedade, ao colocar um livro de visitas no altar de São Severino: nome e procedência, acrescida de data da visita, como em qualquer outro registro do mesmo tipo. Mas isso era pouco para os romeiros que ali viram uma nova possibilidade de comunicação com o Santo: espaço para escrever suas orações, pedidos e agradecimentos.

Restaram dois destes livros que são fontes primárias das mais preciosas, pois, parafraseando Mauro Mota referindo-se aos arquivos de jornais,163 através deles é possível abrir as janelas e as portas e tirar as nuvens de cima do mundo dos nossos romeiros, vê-los em retratos sem retoques. Diferentes até das demais possibilidades de investigação cientifica. Entrevistados, poderiam omitir, ou mesmo mentir, mas dificilmente fariam o mesmo em comunicação direta com o seu Santo de devoção.

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MELO NETO, João Cabral de. Obra completa, 1994 p.171

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A transcrição literal de alguns exemplos se justifica ora por delinear um perfil do devoto quanto à escolaridade ou ocupação profissional, outras vezes por esclarecer quanto aos seus temores e superstições, mas principalmente por clarificar quanto a relação pessoal que esses atores sociais têm com o Sagrado.

Fonte valiosíssima, mas nem sempre de fácil entendimento. Pelos mais diversos motivos, entender as assinaturas, Identificar sexo e o número de visitantes também pode ser um problema. Alguns começam a assinar e desistem, aparentemente por dificuldade em escrever. Outros apõem a assinatura completa, mas acrescentam: “em família”, “nossa família está hoje visitando sua igreja”, “e toda a sua família”, “proteja todo nosso grupo”. E ainda, “Nome de meus familiares:...”, especialmente neste último caso pode seguir uma relação de cinco, doze, dezessete ou muito mais nomes, muitas vezes com a mesma caligrafia. Quantos seriam, estariam todos presentes ou estaria ai incutido um pedido de benção para todos os familiares ou amigos, ainda que ausentes? Apesar dessas dúvidas, fica evidente que os visitantes costumam viajar em grupo composto por familiares ou por amigos.

Alguns escritos apenas permitem arriscar uma vaga interpretação. Por exemplo, a mensagem abaixo se pode interpretar como um pedido de interferência de São Severino em favor de um candidato a vereador.

“Qerde gaar ainlecãe ade Varzes Pedro satez gaar a inlecã para veriador em Varze Genér gagou a pormicão a de Pedro satez asína Genéra Berto quero reseler esta garção”. (sic)

Caligrafias que se repetem tanto nos pedidos quanto nos agradecimentos, em nome de pessoas completamente distintas, levaram a supor que analfabetos ou pessoas

com dificuldade na escrita solicitavam a ajuda de terceiros. A suposição foi confirmada por zeladores do templo.

Cada um desses documentos é suscetível de leituras plurais. Relacionando-os ao popular na visão de Chartier, entende-se que eles qualificam “um tipo de relação, um

modo de utilizar objetos ou normas que circulam na sociedade, mas que são recebidos, compreendidos e manipulados de diversas maneiras”164. Por exemplo, conforme detectado nas pesquisas, a oferta de uma cabeça como ex-voto tanto pode ser a paga pela graça de recuperação da saúde física, quanto referir-se à volta de um cônjuge que havia abandonado o lar.

Mas pouco importa as dificuldades no entendimento, pois as mensagens têm um destinatário certo, a quem tratam por: “Meu São Severino”, “Meu glorioso São Severino”, “Senhor São Severino dos Ramos”, “São Severino do Ramos”, “São Severino e todos os Santos das corte celeste”, “meu advogado no céu”, “meu querido é milagroso São Severino”, “meu padrinho”, “São Severino meu soldado guerreiro”, alguns chegam a cometer certa confusão e tratá-lo por “São Sebastião”.

Severinos e Severinas? Sim, muitos e muitas, como seu Biu, aliás, apelido comum à imensa maioria dos Severinos. Vendedor de fumo e rapé, ele assim justifica seu nome: Geralmente as gestantes fazem a promessa a São Severino de batizar o filho esperado com o nome do santo, caso ele nasça sem complicações...165

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CHARTIER, Roger. Cultura Popular, 1995, pp. 179-192

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Um caso assemelhado ao do Sr. Severino Toscano Carneiro que, ao nascer, recebeu do médico uma expectativa de morte até os sete anos. Sua mãe logo tratou de fazer a promessa de dar-lhe o nome do Santo, para que a profecia não se cumprisse. No ano de 2004 o paraibano de Patos completou 93 anos “vendendo saúde e serenidade”.166

Mas fica claro nos escritos dos livros que São Severino não é exclusivamente dedicado a partos ou pediatria, mas sim um milagreiro para todas as situações. Necessidades básicas primárias, tais como saúde, trabalho e moradia; assuntos amorosos e até judiciais; ajuda nos estudos, passar no vestibular; comércio e bens matérias como lojas, carros, ônibus; e ainda, livrar dos vícios, da violência, da inveja, da calúnia, e de parentes ou vizinhos indesejados.

Alguns chegam a especificar a forma de pagamento da promessa:

“Eu lhe pesso São Severino que me ajude a consegui uma beça meu filho Alison aroma um imprego e o meu esposo Severino Martins deixa de beber e minha filha emagrece que eu trago ela aqui para agrade eu te entrego a foto de quando ela era gorda”. (sic)

Não trazem apenas promessas e agradecimentos, mas também cobranças acerca da melhoria do acesso e da conservação na própria capela:

“Estamos precizando que os donos da Igreja mande fazer conservação da estrada da Igreja que esta em pecima conservação, de pó na imagem de S. Severino e em todas imagem”. (sic)

Poderiam multiplicar-se os exemplos, mas finalizamos com um que acena para a existência de uma devota e sua relação sincrética entre o catolicismo com o espiritismo. E mais, faz uma incomum referência a Nossa Senhora da Luz :

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Bom dia meu São Severino dos R.

Eu peço sua ajuda para que meu filho Allan Kardec fique no quartel e seja um guerreiro como o senhor foi quando ele ficar eu trago a foto dele que Deus e Nossa Senhora da Luz nos abençõe amem. (sic)

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