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O sagrado na teia das redes geográficas do turismo em Pernambuco: um estudo sobre o santuário de São Severino, Paudalho - Pernambuco

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS GEOGRÁFICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA. ALBA LÚCIA DA SILVA MARINHO. O SAGRADO NA TEIA DAS REDES GEOGRÁFICAS DO TURISMO EM PERNAMBUCO Um estudo sobre o Santuário de São Severino, Paudalho – Pernambuco.. Missa do Domingo de Ramos – adro da Igreja (foto: Gil Marinho, 2006). Recife 2008.

(2) 1. ALBA LÚCIA DA SILVA MARINHO. O SAGRADO NA TEIA DAS REDES GEOGRÁFICAS DO TURISMO EM PERNAMBUCO Um estudo sobre o Santuário de São Severino, Paudalho – Pernambuco.. Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Geografia, pela Universidade Federal de Pernambuco, sob a orientação do Prof. Dr. Caio Augusto Amorim Maciel.. Recife 2008.

(3) 2. Marinho, Alba Lúcia da Silva O sagrado na teia das redes geográficas do turismo em Pernambuco: um estudo sobre o santuário de São Severino, Paudalho - Pernambuco / Alba Lúcia da Silva Marinho. – Recife : O Autor, 2008. 174 folhas : il., fig., gráf., tab. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. Geografia, 2008. Inclui: bibliografia. 1. Geografia cultural. 2. Turismo 3. Religiosidade. 4. Redes geográficas. 5. Santuário de São Severino. I. Título. 911 910. CDU (2. ed.) CDD (22. ed.). UFPE BCFCH2008/21.

(4) 3.

(5) 4. DEDICATÓRIA. A minha vó Zefinha que me mostrou a beleza da cultura nos subúrbios. A minha mãe Ana que me ensinou a gostar de gente, bicho e planta. A Gil, companheiro, parceiro e cúmplice..

(6) 5. AGRADECIMENTOS. Ao Prof. Dr. Caio Augusto Amorim Maciel, pelo privilégio de sua orientação, pela confiança e pelo incentivo desde o nosso primeiro contato. Aos professores e funcionário do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco, pelo apoio recebido durante todo o curso. Ao Sr. Jarbas Maciel pela gentil colaboração. Aos meus dedicados pesquisadores de campo: Patrícia Bezerra, Annara Perboire, Janine Farias da Silva, Flávia Pandolfi, Emanoelle Santana, Elton Silva, Tatiana Brasil, Marielly Barbosa e Ilânia Vieira. Ao Sr. Pedro e Dorinha pela sempre gentil acolhida e pelas dormidas no Ramos. Aos meus familiares e amigos, pelo carinho e incentivo constante. A CAPES e ao CNPq pela bolsa concedida, viabilizando a realização desta pesquisa..

(7) 6. RESUMO. O trabalho investiga os deslocamentos espaciais, com duração máxima de 24 horas, realizados por excursões ao Santuário de São Severino, localizado no município de Paudalho, Pernambuco, tomando-o como parte de uma rede geográfica do sagrado que interliga centros de devoção situados no estado. A questão pesquisada partiu da identificação de que, não raro, as visitações faziam parte de um roteiro cujo itinerário incluía outros centros devocionais, tais como: Mãe Rainha (Olinda), Frei Damião (Recife) e Santo Cristo (Ipojuca). A formulação do problema partiu da suposição de que os lugares citados, somados ao Santuário de São Severino e articulados a outros destinos, conformariam pontos de uma rede do turismo religioso em Pernambuco. Assim, a abordagem se volta às dimensões de análise das redes geográficas de acordo as propostas de estudiosos da Geografia Cultural, ou seja, tomadas como um conjunto de localizações interconectadas tanto por ligações materiais quanto imateriais. As redes geográficas são investigadas por meio das dimensões organizacional, temporal e espacial como forma de identificar os seus arranjos internos, sua duração, a velocidade dos fluxos e a freqüência com que a teia se estabelece. A metodologia privilegiou o trabalho de campo no local, com a aplicação de questionários junto aos freqüentadores e aos responsáveis pelos transportes coletivos que se encontravam nos estacionamentos do Santuário a cada primeiro domingo dos meses de janeiro a abril de 2007. Os resultados da investigação demonstram que o Santuário de São Severino pode ser visto como um fenômeno social e econômico mais amplo e centro nodal de uma rede com padrão de interação de múltiplos circuitos. Segundo a dimensão espacial, trata-se de uma rede predominantemente regional e informal, consubstanciando com outros centros de romaria um fenômeno importante para o turismo em Pernambuco. Palavras-chave: redes geográficas; geografia cultural; turismo cultural; religiosidade; Santuário de São Severino..

(8) 7. ABSTRACT. This inquiry investigates the space pilgrimages with a maximum oh 24 hours at most put into effect through short journeys to Saint Severino Sanctuary at the municipality of Paudalho, State of Pernambuco. This site is part of a sacred geographical network that interconnects several devotional centers occurring in this State. The leading stemmed from the fact that not infrequently these visitations belong to a schedule whose itinerary includes other devotional centers, like Mãe Rainha (Queen Mary) in Olinda, Frei Damião in Recife and Santo Cristo in Ipojuca. The statement of the problem is rooted in the assumption that all tease sites add up to Saint Severino Sanctuary and still other routes to form a larger network of the State’s cultural tourism. In this way, this approach is focused on the dimensional analysis of the geographical networks in accordance with the proposal of various scholars in the field of Cultural Geography. In particular, these networks are considered as a set of interconnected neighborhoods articulated by both material and cultural bands. The geographical networks are investigated by means of the special and time as well as organizational dimensions, together with the speed of the flows and the frequency with which the web is established the adapted methodology emphasized field word on the site, with the application of questionnaires with both the visitors and those responsible for the transportation to the Sanctuary on every first Sunday of January to April of 2007. The results yielded by this investigation shoes that the Sanctuary of Saint Severino may be seen as a much more encompassing social and economic phenomenon, representing a nodal center of network with an interaction pattern of multiple circuits. From the point of view of the spatial dimension, this is a predominantly regional and informal network, compounding with other pilgrimages centers a important event for the tourism of the State of Pernambuco. Keywords: geographical networks; cultural geography; cultural tourism; devotion piety; Saint Severino Sanctuary..

(9) 8. LISTA DE FIGURAS. Figura 01: localização do Santuário de São Severino. 44. Figura 02: antiga estação ferroviária de São Severino, hoje demolida. 49. Figura 03: vista aérea do Santuário e seu entorno. 54. Figura 04: Capela de Nossa Senhora da Luz. 57. Figura 05: nave e altar-mor da Capela de Nossa Senhora da Luz. 58. Figura 06: imagem de Nossa Senhora da Luz pintada do teto. 58. Figura 07: altar lateral à esquerda do altar-mor. 59. Figura 08: altar lateral à direita do altar-mor, imagem de São Severino. 59. Figura 09: acesso ao cemitério. 60. Figura 10: ossuário central do cemitério. 60. Figura 11: croqui do santuário e seu entorno. 62. Figura 12: barraca fixa para venda de artigos religiosos. 63. Figura 13: exemplo da mistura entre artigos religiosos e profanos. 63. Figura 14: fila de acesso à loja de ex-votos e ao altar de São Severino. 64. Figura 15: bar montado próximo ao estacionamento interno. 64. Figura 16: dança nos bares. 64. Figura 17: bares e restaurantes simples. 64. Figura 18: emboladores. 65. Figura 19: Batalhão de Bacamarteiros. 65. Figura 20: Ônibus Show de bonecos articulados. 65. Figura 21: Ônibus Show de bonecos articulados. 65. Figura 22: bar às margens do rio Capibaribe. 66. Figura 23: banho no rio Capibaribe. 66. Figura 24: placa da Secretaria de Infra-Estrutura de Paudalho. 71. Figura 25: Deputado José Chaves na festa de Domingo de Ramos. 72. Figura 26: Faixa questionando a privatização do santuário. 72. Figura 27: David Fulco. 74. Figura 28: capa do CD de David Fulco. 74. Figura 29: Imagem de São Severino Mártir do Engenho Ramos. 77. Figura 30: San Severiano Martire ad Albano. 84.

(10) 9. Figura 31: Os quarenta santos mártires de Sebaste. 84. Figura 32: São Severino de Nórica. 84. Figura 33: San Severino de Viena, Austria y Baviera. 84. Figura 34: San Severino de Noricum. 84. Figura 35: São Severino Apóstolo da Áustria. 84. Figura 36: San Severino Abade. 84. Figura 37: San Severino Abade. 84. Figura 38: San Severo di Rabean. 85. Figura 39: San Severo de Ravena. 85. Figura 40: San Severiano Bispo de Escitópolis. 85. Figura 41: San Severo de Nápoles. 85. Figura 42: San Severino di Settempeda. 85. Figura 43: San Severiano de Sebaste, Mártir. 85. Figura 44: San Severo di Treviri. 85. Figura 45: San Severino, Obispo y Confesor. 85. Figura 46: San Severo di Cagliari Vescovo e martire. 86. Figura 47: San Severo di Barcellona. 86. Figura 48: San Severo, Obispo y Martir. 86. Figura 49: ex-voto – acervo do Museu do Homem do Nordeste. 89. Figura 50: Acervo particular em exposição na Jaqueira. 89. Figura 51: São Severino com a vestimenta atual avistada no Santuário. 89. Figura 52: “Museu” dos Milagres. 93. Figura 53: “Museu” dos Milagres. 93. Figura 54: Romeiros na noite do sábado. 100. Figura 55: Chegada dos romeiros na noite do sábado. 100. Figura 56: Pernoite dos romeiros – bar após o cemitério da Igreja. 101. Figura 57: Pernoite dos romeiros – lateral da Igreja. 101. Figura 58: Missa do Domingo de Ramos – nave da Igreja. 101. Figura 59: Missa do Domingo de Ramos – adro da Igreja. 101. Figura 60: imagens veneradas acompanham os romeiros. 102. Figura 61: imagens veneradas acompanham os romeiros. 102. Figura 62: fila de acesso à loja de ex-votos e ao altar de São Severino. 103. Figura 63: Loja de ex-votos. 103. Figura 64: Romeiros diante do Altar. 104.

(11) 10. Figura 65: Romeiros diante do Altar. 104. Figura 66: pagamento de promessa. 104. Figura 67: benção da “água milagrosa”. 104. Figura 68: Romeiros diante do Altar. 105. Figura 69: Missa. 105. Figura 70: Missa do Domingo de Ramos. 106. Figura 71: Missa do Domingo de Ramos. 106. Figura 72: local para acender velas. 107. Figura 73: Queima de fogos. 107. Figura 74: crianças chegando ao santuário em pau-de-arara. 113. Figura 75: crianças em banho no rio Capibaribe. 113. Figura 76: romaria ciclística. 115. Figura 77: romaria eqüestre. 115. Figura 78: comércio “sincrético”. 117. Figura 79: romaria com cunho sincrético. 118. Figura 80: benção com água benta para o carro novo. 122. Figura 81: croqui do santuário e seu entorno. 125. Figura 82: Romeiros no interior da Capela. 127. Figura 83: Família “típica” composta por várias gerações. 127. Figura 84: “museu dos milagres”. 127. Figura 85: área para acender velas. 127. Figura 86: gravuras em molduras. 128. Figura 87: pôsteres. 128. Figura 88: Casa Grande quando habitada. 129. Figura 89: comércio em frente à Casa Grande. 129. Figura 90: Romeiros no porta-malas do ônibus. 129. Figura 91: Bar próximo ao estacionamento interno. 129. Figura 92: ciclistas. 130. Figura 93: barracas com comidas. 130. Figura 94: dança em um dos restaurantes. 130. Figura 95: oferta de bebidas em um dos restaurantes. 130. Figura 96: área de comércio entre a linha férrea e o Rio Capibaribe. 131. Figura 97: área de comércio entre a linha férrea e o Rio Capibaribe. 131. Figura 98: antiga escola. 131.

(12) 11. Figura 99: comércio hoje, em frente à antiga escola. 131. Figura 100: acesso à “água milagrosa”. 132. Figura 101: barracas de comidas no caminho da “água milagrosa”. 132. Figura 102: pomada de “banha de ema”. 132. Figura 103: pomada de “banha de jacaré”. 132. Figura 104: lajedos no rio Capibaribe. 133. Figura 105: banhos no rio Capibaribe. 133. Figura 106: margem do rio, estacionamento informal, área de piqueniques. 133. Figura 107: trio de forró pé-de-serra. 133. Figura 108: pagador de promessa. 134. Figura 109: Romeiros em pau-de-arara. 134. Figura 110: estacionamento externo. 134. Figura 111: banhos com estacionamento externo ao longe. 134. Figura 112: esquema de localização dos municípios. 136. Figura 113: modelo preliminar da formação da rede do sagrado. 136. Figura 114: santuário de Frei Damião. 137. Figura 115 Santuário da Mãe Rainha. 138. Figura 116: Santuário de Nossa Senhora da Conceição. 141. Figura 117: Santuário de Santo Cristo de Ipojuca. 142. Figura 118: Gruta de Nossa Senhora de Lourdes. 142. Figura 119: Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres. 143. Figura 120: Parque de Dois Irmãos. 144. Figura 121: Tracunhaém. 146. Figura 122: Pedra do Navio, Bom Jardim. 147. Figura 123: esquema de localização dos municípios e dos atrativos. 148. Figura 124: esquema da rede. 148.

(13) 12. SUMÁRIO. INTRODUÇÃO. 13. 1. ENTRE A GEOGRAFIA, O TURISMO E A RELIGIÃO. 17. 2. O SANTUÁRIO DE SÃO SEVERINO: O PASSADO NO PRESENTE 2.1 – OS EVENTOS 2.2 – A PAISAGEM CULTURAL 2.2.1 - A Capela 2.2.2 - O Comércio no entorno da Capela 2.3 – OS CAMPOS DA DISPUTA TERRITORIAL. 45 48 54 57 63 71. 3. O MITO SÃO SEVERINO E AS EXPRESSÕES DO SEU RITO 3.1 – SÃO SEVERINO 3.2 – AS EXPRESSÕES DO RITO 3.2.1 – O Museu dos Milagres 3.2.2 – Fotografias 3.2.3 – Os Livros de Visita 3.2.4 – Um Domingo de Ramos. 76 77 92 93 95 97 101. 4. PERFIL DOS VISITANTES, TERRITORIALIDADES E TESSITURAS 4.1 – OS PROTAGONISTAS ANÔNIMOS 4.2 – AS TERRITORIALIDADES 4.3 – A REDE E SUAS TESSITURAS. 109 111 126 137. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 151. REFERÊNCIAS. 153. APÊNDICES ANEXOS.

(14) 13. INTRODUÇÃO. Tomando por base de pesquisa o Santuário de São Severino Mártir do Engenho Ramos, localizado no município de Paudalho, este trabalho tem por foco investigar a existência de itinerários de deslocamentos sócio-espaciais, realizados por meio de excursões com duração máxima de até 24 horas, que possam ser configurados como uma espécie de rede geográfica do sagrado, interligando os centros de devoção situados no estado de Pernambuco, Brasil.. Nosso primeiro contato com o Santuário de São Severino se deu no ano de 2002, período em que cursávamos, na UFPE, a Especialização Lato Sensu em História de Pernambuco. Deu-se então início a uma investigação sistematizada que incluía registro fotográfico, levantamento bibliográfico, pesquisas de campo e entrevistas com vistas ao entendimento do sagrado e do profano na organização do lugar. Embora fugindo ao eixo central daquela investigação, foi identificado que, não raro, as visitações ao Santuário de São Severino faziam parte de um roteiro cujo itinerário incluía outros centros devocionais, tais como: Mãe Rainha (Olinda), Frei Damião (Recife) e Santo Cristo (Ipojuca).. O Santuário de São Severino tem sido contemplado por estudos acadêmicos provenientes de outras áreas de conhecimento, onde percebemos duas vertentes. A primeira, mais recorrente entre estudiosos da Comunicação Rural, desenvolve-se pelo viés da Folkcomunicação, teoria formulada por Luiz Beltrão, que abrange o processo de troca de informações e manifestações de opiniões, através de agentes.

(15) 14. e meios ligados direta ou indiretamente ao folclore.1 A segunda, proveniente das mais diversas áreas de estudos, tem privilegiado o centro de romaria na perspectiva do fenômeno denominado turismo religioso, ou seja, todo o espaço em que está inserido o Santuário é visto como um conjunto de atividades com utilização parcial ou total de equipamentos e a realização de visitas que expressam sentimentos místicos ou suscitam a fé.2 Essa produção, por investigar o santuário em sua contemporaneidade, fornece dados à nossa pesquisa.. A origem das romarias ao Santuário de São Severino perde-se na teia histórica e territorial do Engenho Ramos. Não se sabe a respeito da origem da imagem do santo milagroso, assim como é desconhecida a sua data de chegada ao Engenho Ramos.. A investigação tem por recorte temporal a organização espacial do lugar a partir do início do século XX, período em que a capela do engenho foi ampliada, quando São Severino passou a ter um altar próprio, acontecimento indicador de plena estabilização das romarias. Entende-se que este fato marca um rearranjo territorial de grande relevância.. Assim, o estudo se desenvolve em duas vertentes dialéticas. Uma primeira, que investiga no passado a origem das romarias em devoção a São Severino, vista como uma construção social inserida nas circunstâncias históricas e espaciais que propiciaram as condições para a sua gênese e consolidação. A segunda vertente, detendo o olhar no presente, está voltada à análise das práticas atuais com vistas à 1 2. CARVALHO, Adriany. O turismo religioso popular em São Severino dos Ramos, 2001, p. 10 ANDRADE, José. Turismo fundamentos e dimensões, 2000, p. 16.

(16) 15. confirmação ou não da existência da rede. O trabalho está organizado da seguinte maneira:. O capítulo 1 – Entre a Geografia, o Turismo e a Religião: Conceitos Envolvidos – traça em resumo uma aproximação epistemológica entre os estudos da geografia, do turismo e da religião através da análise e da sistematização das questões conceituais envolvidas na religiosidade devocional e suas interfaces.. O capítulo 2 – O Santuário de São Severino: o Passado no Presente – investiga os eventos no Engenho Ramos e sua transformação em santuário; destaca elementos materiais da paisagem cultural atual e suas rugosidades; trata do comércio e do perfil dos comerciantes e levanta a questão dos interesses políticos e econômicos que cercam o centro de romarias.. O capítulo 3 – O Mito São Severino e as Expressões do seu Rito – introduz o mito São Severino Mártir do Engenho Ramos e investiga a sua identidade. Apresenta interpretações acerca do espaço humanizado em sua dimensão simbólica, descrevendo o ritual observado em um dia de festa e os elementos do sagrado através de três manifestações: ex-votos, fotografias e livros de visita.. O capitulo 4 – Perfil dos visitantes, territorialidades e tessituras da rede – observa, dá voz e analisa o perfil atual dos protagonistas anônimos3 entendidos como os freqüentadores, suas motivações, suas territorialidades e a configuração da rede geográfica tecida. 3. Expressão copiada de Ronaldo Vainfas, significando, neste, caso, todas as gentes que visitam o Santuário..

(17) 16. A metodologia aplicada fez uso de fontes primárias inéditas, revisão bibliográfica aliada a entrevistas com residentes do lugar, representantes da administração pública municipal, comerciantes e devotos mais idosos e assíduos. Entretanto privilegiou o trabalho de campo com a aplicação de questionários junto aos visitantes do Santuário de São Severino, apresentando o resultado do material coletado nos anos de 2006 e 2007. O detalhamento dos métodos utilizados encontra-se ao longo do texto.. Apesar de não existir dados estatísticos, o Santuário de São Severino Mártir do Engenho Ramos é, possivelmente, o de maior fluxo de visitantes dentre os localizados na zona interiorana de Pernambuco. O processo que possibilitou a gênese e a consolidação do fenômeno devocional se deu em características peculiares. O Santuário está em terras de propriedade privada, onde, por muitos anos, São Severino dividiu os seus domínios com o canavial do engenho. Este fato gerador de uma singularidade dinâmica de paisagem, bem como a sua escala de importância em relação aos demais centros de romarias no Estado e, principalmente, os indícios de integrar uma rede composta por outros centros de devoção, fez com que o elegêssemos para a nossa proposta de contribuição ao debate geográfico..

(18) 17. CAPÍTULO 1. ENTRE A GEOGRAFIA, O TURISMO E A RELIGIÃO: CONCEITOS ENVOLVIDOS.. O turismo tem se revelado um dos campos de estudo mais férteis para diversas áreas do saber. Tantas são as disciplinas que tratam da questão, que o turismo configura-se mais como um campo de investigação científica do que uma ciência independente e com dinâmica própria. Essa multi ou interdisciplinaridade, observada não apenas no Brasil, resulta em estudos sob a influência de diferentes paradigmas. Dencker observa que os trabalhos produzidos nas duas últimas décadas se apresentam fortemente vinculados a abordagens sistêmicas, próprias do campo da administração, portanto, voltados aos aspectos gerenciais e operacionais da atividade turística. A autora não pretende questionar a solidez dessa base teórica, mas afirma que essa produção “não permite avançar no entendimento do turismo como fenômeno social em toda a sua complexidade”,.4 Com o que concordamos.. Destacados autores que não tiveram sua formação em cursos de graduação em turismo, contudo oriundos, mais notadamente, da administração, economia, arquitetura, biologia, direito, comunicação, filosofia, sociologia, geografia e antropologia, entre tantas outras, consciente ou mesmo inconscientemente, fazem uso dos paradigmas que orientam a sua formação, o que para Panosso Netto é um dos limitadores das abordagens do turismo. Ao partir dos pressupostos próprios a cada área, tendem a reduzir a explicação do turismo.5 Com efeito, freqüentemente os estudos acadêmicos que abordam o turismo se voltam para os impactos. 4 5. DENCKER, Ada. Pesquisa em turismo, 1998, p. 35-36 PANOSSO NETTO, Alexandre. Filosofia do turismo, 2005, p. 44.

(19) 18. ocasionados no núcleo receptor. Nesse contexto, não raro, tecem duras críticas ao trade: O chamado "trade turístico", o conjunto de empresas que comercializam o produto turístico, não apóia os estudos científicos do turismo provenientes da geografia e da antropologia dado que eles evidenciam a forma irresponsável como alguns empresários de turismo vêm tratando o meio ambiente natural e cultural.6. Por outro lado, pesquisadores também fazem uma autocrítica: "poucos trabalhos se destacam por buscar o conhecimento, situando-se, a maior parte, dentro das plataformas de advertência sobre os efeitos do turismo nas comunidades hospedeiras".7. É fato que a atividade turística quase sempre se apresenta como um potente agente modificador, por vezes até mesmo devastador, da paisagem natural e cultural; entretanto, não se pode refutar a crescente importância do turismo na sociedade contemporânea, tampouco atribuir ao turismo todos os impactos danosos ao meio ambiente. Menos ainda negar a importância da produção acadêmica das mais diversas áreas do conhecimento, porém, reconhecer a validade da afirmativa de Panosso Netto: “A produção acadêmica em turismo deveria construir uma teoria do turismo,. mas. as. informações. e. pesquisas. encontram-se. desconectadas,. impossibilitando o avanço significativo do debate”.8. Detendo o olhar mais especificamente sobre a contribuição da geografia a este debate, percebe-se que os enfoques foram se ampliando com o passar do tempo. Pearce chega a identificar seis grandes áreas de interesse à geografia do turismo:. 6. BANDUCCI, Álvaro e BARRETO, Margarita (orgs.). Turismo e identidade local, 2001, p. 10 Idem. p. 13 8 PANOSSO NETTO, Alexandre. Filosofia do turismo, 2005, p. 32 7.

(20) 19. os padrões de distribuição espacial da oferta; os padrões de distribuição espacial da demanda; a geografia dos centros de férias; os movimentos e fluxos turísticos; os modelos de desenvolvimento do espaço turístico; e o impacto do turismo.9. No caso da produção nacional recente, observa-se que cada vez menos está voltada apenas aos impactos, alargam-se as análises. Os geógrafos vêm investigando a expressão espacial do turismo como uma produção humana, investigando tanto o espaço de origem quanto o de destinação turística, e a relação entre ambos; o reflexo da atividade na paisagem sob o viés da urbanização, da cultura material e imaterial, e tantas outras abordagens que representam uma colaboração não só aos estudos como ao planejamento e gestão do espaço turístico.. Mas como contribuir efetivamente a um debate sobre um fenômeno tão complexo que envolve, além da paisagem natural e cultural, pessoas que ora são visitantes, ora visitados, por vezes são investidores com os mais diversificados interesses? Um caminho pode ser vislumbrado na perspectiva do filósofo e sociólogo Edgard Morin, para quem, na ótica da complexidade, o pensamento científico deixou de ser o domínio da certeza absoluta, mas constrói-se sobre múltiplas certezas vindas das mais diversas áreas de conhecimento. Nesse pensar, o sujeito é visto como produto e produtor do seu meio, pois meio e sujeito são organismos vivos e inseparáveis, e todo sistema vivo gera relações complementares, concorrentes e antagônicas.10 Na visão de Souza, apesar de ter como centros irradiadores a física e a biologia, cada vez mais o paradigma da complexidade passa a ser encarado como um aporte à 9. PEARCE, apud SCHÜLTER, Regina G. Metodologia da pesquisa, 2003, p. 45-46 MORIN, Edgar. Complexidade e Transdisciplinaridade, 1999. 10.

(21) 20. epistemologia da pesquisa social em geral, destacando que o estudo do desenvolvimento sócio-espacial é um desafio complexo por excelência.11. Mais que formatar uma teoria, Morin propõe desafiar preceitos, valores e a ordem estabelecida. Enxergar a desordem deve ser um meio de aprendizagem, entender que a ordem e/ou a desordem é integrante do fenômeno social e carrega em si as possibilidades de evolução e mudanças. Assim, bem como todo o universo, o espaço turístico pode ser entendido como um entrelaçamento entre ordem e desordem. No domínio de uma pura ordem não haveria oportunidade para a inovação e a evolução. Já na desordem absoluta não existiria a estabilidade necessária à organização. Não existe uma fórmula de equilíbrio perfeito, mas sim uma busca constante por uma nova ordem, ainda que provisória.12. Este é o desafio proposto: trilhar os rastros do pensamento complexo, focalizando o olhar nas tensões, em busca de pistas para um adequado entendimento do turismo. Promover uma aproximação epistemológica entre os estudos da geografia, do turismo e da religião através da análise e da sistematização das questões conceituais envolvidas e suas interfaces, de forma a apresentar não apenas críticas, mas sim uma contribuição à discussão da prática do turismo sustentável. Este encadeamento teórico implica em uma revisão bibliográfica, ainda que concisa, adequada à fundamentação desta dissertação, e, quiçá, um aporte dos estudos geográficos para uma melhor compreensão do turismo.. 11. SOUZA, Marcelo. A expulsão do paraíso, In CASTRO, GOMES e CORRÊA (Orgs.). Explorações geográficas, 2006, p 43-47 12 MORIN, Edgar. Complexidade e Transdisciplinaridade, 1999.

(22) 21. Cabe esclarecer que apesar de suas interfaces com a geografia do turismo e geografia da religião, a presente abordagem se dá através da geografia cultural na ótica de Claval: A geografia cultural está associada à experiência que os homens têm da terra, da natureza e do ambiente, estuda a maneira pela qual eles os modelam para responder às suas necessidades, seus gostos e suas aspirações e procura compreender a maneira como eles aprendem a se definir, a construir sua identidade e a se realizar.13. Ainda segundo Claval, após um período de certa perda de prestígio, a geografia cultural ressurge a partir de 1970 como um importante subcampo da geografia. Dentro de um contexto pós-positivista, afirma-se na conscientização de que a cultura tanto é reflexo quanto condicionante à diversidade e à dinâmica da organização espacial. É para essa diversidade resultante da ação humana sobre a superfície terrestre que se volta o interesse do geógrafo, através da investigação de elementos tais como instrumentos de trabalho, técnicas e gêneros de vida, em tempos que “os problemas culturais nunca ocuparam tanto espaço nas inquietações dos homens”.14 Complementa Corrêa que nesse contexto emergiram ou foram retomadas "as temáticas da religião, da percepção ambiental, da identidade espacial e a interpretação de textos (literatura, música, pintura e cinema)" entre outras.15. Na abordagem geográfica o turismo - geralmente visto como um fenômeno incorporado a uma sociedade com sua nova ordem socioeconômica e seus novos paradigmas e valores - tende a ser caracterizado pelo viés das atividades de serviços, em suas múltiplas formas de atuação, e seus reflexos no meio ambiente.. 13. CLAVAL, Paul. As abordagens da Geografia Cultural. In CASTRO, GOMES e CORRÊA (Orgs.). Explorações geográficas, 2006, p. 89 14 CLAVAL, Paul. A geografia Cultural, 2001, p. 55-59. 15 CORRÊA, Roberto Geografia Cultural. In ROSENDAHL e CORRÊA (Orgs.). Manifestações da cultura no espaço, 1999p. 53.

(23) 22. Neste cenário, “as pesquisas encontram-se direcionadas para a incorporação de novas linguagens aos processos de informação e para a procura de uma racionalidade e eficiência dos processos de gestão”,16 e maior entendimento das questões ambientais, urbanas e rurais.. Krippendorf é categórico ao tratar do turismo como mecanismo de evasão do cotidiano: “O ser humano não nasceu turista”, a necessidade de viajar é cria da sociedade e está profundamente marcada pelo cotidiano. Viaja-se, mesmo que temporariamente, para fugir às condições normais do dia-a-dia de trabalho, moradia e até do lazer. Para ele o turismo possibilita e alimenta diferentes formas de escapismos, escapismo que funciona como uma “máquina de restauração de forças” ou “terapia da sociedade”. O ser humano que consegue viajar, mudar de ambiente, se desligar das coisas do dia-a-dia e experimentar a fugacidade do turismo, desenvolve a necessidade de retorno à benéfica estabilidade do cotidiano. E esse efeito estabilizador positivo não apenas reflete sobre o individuo, mas sobre toda a sociedade e economia.17. Em estudos atuais e voltados à geografia do turismo, Pearce ratifica o pensamento de que “a interação entre origens e destinos, implícita em todo turismo, surge fundamentalmente da necessidade básica de deixar a origem”. A motivação principal para uma viagem turística é a fuga da rotina, o que para muitos apenas pode ser efetivamente conseguido por meio de uma mudança física de lugar. Em termos geográficos, nessa mudança física e temporal estaria a diferença fundamental entre turismo e lazer. O lazer é praticado em casa ou dentro de um determinado perímetro 16 17. XAVIER, Herbe. A percepção geográfica do turismo, 2007, p. 15 KRIPPENDORF, Jost. Sociologia do Turismo, 1989, p. 16-19.

(24) 23. urbano, já o turismo apresenta atributos como viagem e estada, originando diversas outras demandas de serviços, assim, o turismo também se diferencia na dimensão econômica e comercial das outras atividades de lazer.18. Dumazedier vê o lazer com três grandes funções: a do descanso, a do divertimento e recreação, e a do desenvolvimento. Esta terceira função é abordada no sentido do desenvolvimento pessoal que possibilita “uma participação social maior e mais livre, a prática de uma cultura desinteressada do corpo, sensibilidade e razão”.19 Neste aspecto pode incluir a motivação religiosa, o prazer em conhecer paisagens culturais diferentes, participar de eventos esportivos ou científicos, enfim, os mais variados interesses culturais.. O turismo, assim como outros fenômenos, também é analisado associado à industrialização e à produção em massa que, na contemporaneidade, passa por modificações como reflexo das mudanças no processo mais global, tais como as inovações tecnológicas, os problemas ambientais, o crescimento da pobreza e da violência, o terrorismo organizado, o receio de contrair doenças. Mudanças, estas, consideradas por parcela do meio acadêmico como tipicamente pós-modernas, quando levantam questões, estudam temas e comportamentos que, pela atualidade, merecem ser abordados com mais acuidade, posto que repercutem em todas as ciências sociais.. No âmbito da geografia, Edward Soja identifica que o aparecimento das primeiras vozes em defesa de uma geografia pós-moderna se deu no final da década de 18 19. PEARCE, Douglas. Geografia do turismo, 2003, p. 25-26 e 81 DUMAZEDIER, Jofre. Lazer e cultura popular, p. 32-34..

(25) 24. sessenta, porém “...mal se fizeram ouvir no alarido temporal vigente”. Soja enfatiza que a sua preocupação está mais focada para o pensamento social crítico e como este deve absorver a temática geográfica em seu conteúdo. Entende ainda não ser evidente a evolução de uma geografia pós-moderna como uma nova escola, prefere chamar a atenção para as transformações que o espaço, objeto da geografia, vem passando e reconhece a necessidade de recorrer aos mais diversos aportes teóricos, inclusive aqueles de não geógrafos.20. Já nas questões das atividades turísticas, Molina propala o pós-turismo como uma ruptura com o turismo tradicional, opondo-se aos paradigmas fundamentais do turismo, por exemplo: desconsidera a necessidade de deslocamento a um lugar diferente daquele de residência habitual, não promove o contato com ambientes naturais ou com a cultura das comunidades locais. Entretanto, o autor reconhece que o pós-turismo representa apenas uma alternativa, não exclui as demais manifestações do turismo. Os produtos tipicamente voltados ao pós-turismo são altamente competitivos, a exemplo dos parques temáticos. Molina admite que o pósturismo está profundamente relacionado aos países que se encontram em condições socioeconômicas mais vantajosas,21. ou seja, embora pertinente quanto a. abordagem da discussão teórica atual, as colocações de Molina estão longe da realidade dos visitantes do Santuário de São Severino.. Bem mais aproximada à realidade do espaço em estudo, encontra-se Rosendahl quando diz que o fundamental à análise geográfica é o entendimento de que o espaço sagrado tem sua origem no imaginário religioso coletivo, e apresenta 20 21. SOJA, Edward. Geografias Pós-modernas, 1993, p. 20-23. MOLINA, Sérgio. O pós-turismo, 2003, p. 9-13.

(26) 25. simbolismos que estão acima de qualquer concepção, seja ela tradicional ou pósmoderna.22 E a Castells, por sua vez, ao sustentar que nesse mundo globalizado e de mudanças drásticas, a busca da identidade é tão poderosa quanto as transformações tecnológicas e econômicas. Assim, as pessoas tendem a reagruparse em torno de identidades primárias: religiosas, étnicas, territoriais e nacionais. 23. Um bom exemplo da afirmativa de Castells pode ser encontrado na maior cidade metropolitana do Brasil, e uma das maiores desse mundo globalizado: o Santuário do Terço Bizantino, localizado em São Paulo, que tem como personalidade referencial o Padre Marcelo Rossi. Nascido em “torno de uma mística urbanizada, empresarial e moderna. Instalou-se no galpão de uma casa de shows populares, conhecido como Gonzagão, para reunir até 20 mil fiéis”. Em 1998 transferiu-se para as instalações de uma antiga fábrica. O santuário recebe até 120 mil pessoas em cinco missas semanais. Os estacionamentos ficam lotados por transportes que trazem os milhares de freqüentadores vindos em caravanas de diferentes bairros, cidades e estados.24. Em menor dimensão quanto ao número de freqüentadores, mas um destacado referencial do fenômeno religioso no estado de Pernambuco, espaço geográfico deste estudo, o Santuário de São Severino tem sido contemplado por produções acadêmicas provenientes de várias áreas de conhecimento, onde se percebe duas vertentes. A primeira, mais recorrente entre estudiosos da Comunicação Rural, desenvolve-se pelo viés da Folkcomunicação, teoria formulada por Luiz Beltrão, que. 22. ROSENDAHL, Zeny. Percepção, vivência e simbolismos do sagrado no espaço, in LIMA, Luiz (Org.), Da cidade ao campo, 1998, p 141. 23 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede, 1999, p. 67-120. 24 OLIVEIRA, Christian. Basílica de Aparecida, 2001, p. 157-158..

(27) 26. “abrange o processo de troca de informações e manifestações de opiniões, através de agentes e meios ligados direta ou indiretamente ao folclore”.25. A segunda, proveniente das mais diversas áreas de estudos, tem privilegiado o centro de romaria na perspectiva do fenômeno denominado turismo religioso.. Nos trabalhos que tratam o turismo religioso no Brasil o conceito mais comumente citado, principalmente por não turismólogos, vem de Andrade que analisa o fenômeno como um “conjunto de atividades com utilização parcial ou total de equipamentos e a realização de visitas a receptivos que expressam sentimentos místicos ou suscitam a fé, a esperança e a caridade”.26 Considerando os elementos geralmente contidos nas definições sobre o turismo religioso, Dias vai dar maior destaque à caracterização do evento, e concluir que O turismo religioso é aquele empreendido por pessoas que se deslocam por motivações religiosas e/ou para participação em eventos de caráter religioso. Compreende romarias, peregrinações e visitação a espaços, festas, espetáculos e atividades religiosas.27.. O conceito de Andrade é também adotado em série voltada ao desenvolvimento do turismo publicada pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE, que complementa: “o turismo religioso não é propriamente uma excursão nem um passeio, mas uma viagem inspirada pela fé”, e acrescenta a informação de que entre as religiões que favorecem a atividade estão: o budismo, o hinduísmo, o espiritismo, o islamismo, o cristianismo, o judaísmo, o xamanismo, e as religiões afrobrasileiras.28. 25. CARVALHO, Adriany. O turismo religioso popular em São Severino dos Ramos, 2001, p. 10 ANDRADE, José. Turismo: fundamentos e dimensões, 1991, p.77. 27 DIAS, Reinaldo. O Turismo Religioso, In: DIAS, Reinaldo, SILVEIRA, Emerson J. S. (orgs.), Turismo religioso, 2003, p.17 28 MOLETTA, Vania. Turismo Religioso, 2003, p. 9-16. 26.

(28) 27. Em resposta ao senso de que a peregrinação pode ser reconhecida em diversas religiões, Oliveira salienta que através do exercício da pesquisa acadêmica sobre a religiosidade no Brasil, apenas conseguimos identificar a transformação da peregrinação em turismo sob determinados limites, qual seja, da cultura religiosa cristã. Portanto, “incapaz de ser cientificamente generalizado para todo e qualquer contexto religioso”.. E ratifica produzir uma referência conceitual válida para “a. cultura ocidental (greco-latina), marcada pelo sistema ético cristão e pelas diversas influências de etnias subalternas (ameríndios e africanos). Chega assim a uma definição mais aperfeiçoada no dizer do autor, visão que é adotada neste estudo: o turismo religioso “é uma peregrinação contemporânea motivada por celebrações relacionadas direta ou indiretamente com a cultura cristã”.29. Quanto ao conceito adotado para turismo será o mesmo oficialmente aceito pelo Brasil, estabelecido pela Organização Mundial de Turismo-OMT, que diz o turismo compreender “as atividades que as pessoas realizam durante viagens e estadas em lugares diferentes do seu entorno habitual, por um período inferior a um ano, com finalidade de lazer, negócios ou outras”.30 Essa definição mais abrangente, mostrase adequada por permitir incluir visitantes que pernoitam e os visitantes de um dia, ou seja, os excursionistas que praticamente representam a totalidade daqueles que visitam o santuário de São Severino.. No turismo, a segmentação é entendida como uma forma de organizar para fins de planejamento, gestão e mercado. Os segmentos turísticos tanto podem ser 29 30. OLIVEIRA, C. Turismo religioso, 2004, p. 17-18 MINISTÉRIO DO TURISMO. Cartilha de Segmentação do Turismo, 2006, p. 4..

(29) 28. estabelecidos a partir dos elementos de identidade da oferta quanto pelas características e variáveis da demanda, assim chega-se às segmentações como turismo social, ecoturismo, turismo cultural, turismo de estudos e intercâmbio, turismo de esportes, turismo de pesca, turismo náutico, turismo de aventura, turismo de sol e praia, turismo de negócios e eventos, turismo rural, turismo de saúde e tantas outras. O Ministério do Turismo-Mtur esclarece que ao adotar a segmentação como estratégia, procurou organizar, primeiramente, os segmentos da oferta, sabendo não abarcar o universo de que se constitui o turismo. Até mesmo porque “novas denominações surgem a cada tempo, em decorrência da incessante e dinâmica busca de novas experiências, aliada às inovações tecnológicas e à criatividade dos operadores de mercado”.31. Nas publicações do Mtur o turismo religioso é apresentado como um sub-segmento do turismo cultural: Turismo Cultural compreende as atividades turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e imateriais da cultura.. Assim, compartilhando interesses sagrados e/ou profanos dos turistas, caracterizamse pelo deslocamento a espaços e eventos para fins de realização de peregrinações e romarias, participação em retiros espirituais, participação em festas e comemorações religiosas, contemplação de apresentações artísticas de caráter religioso, participação em eventos e celebrações relacionados à evangelização de fiéis, visitação a espaços e edificações religiosas (igrejas, templos, santuários, terreiros), realização de itinerários e percursos de cunho religioso e outros. 32. 31 32. MINISTÉRIO DO TURISMO. Cartilha de Segmentação do Turismo, 2006, p.3. MINISTÉRIO DO TURISMO. Turismo Cultural, 2006, p. 10-12..

(30) 29. Embora incluída no contexto mais amplo da cultura, a religião é de grande relevância nos estudos geográficos, visto que toda sociedade humana é um empreendimento de construção do mundo, e a religião ocupa um lugar destacado nesse empreendimento. Dentre outros estudiosos, esta é uma afirmativa de Berger: A religião desempenhou uma parte estratégica no empreendimento humano da construção do mundo. A religião representa o ponto máximo da autoexteriorização do homem pela infusão dos seus sentidos sobre a realidade. A religião supõe que a ordem sagrada seja projetada pela totalidade do ser. Ou, por outra, a religião é a ousada tentativa de conceber o universo inteiro como humanamente significativo. 33. O homem modifica o seu ambiente físico e verga a natureza à sua vontade, produz também a linguagem e, sobre esse fundamento e por meio dele, um imponente edifício de símbolos que permeiam todos os aspectos da sua vida. A religião legitima o instituído, “infundindo-lhes um status ontológico de validade suprema”. E a manutenção dessa realidade subjetiva do mundo está entre as mais imperativas estratégias para a sustentação da ordem social.34 Dentre outros fatores destacados, na visão de Berger, a religião tem a serventia de ordenar o caos.. Serventia que por si só justifica a ampliação dos estudos acerca das religiosidades, destacamente nos dias atuais, entendidos como de pós-modernidade, quando se vive uma mais ampla possibilidade de mudanças como parte de um deslocamento de estruturas, abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem mais estável no mundo social.35. 33. BERGER, Peter. O dossel sagrado, 1985 p. 41. Idem, p. 46-49 35 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade.2002, p. 7 34.

(31) 30. No pensar durkheimiano a noção do religioso está longe de coincidir com a do extraordinário e do imprevisto, pois as concepções religiosas têm por objeto, acima de tudo, exprimir e explicar, não o que há de excepcional e anormal nas coisas, mas, ao contrário, o que elas têm de constante e regular. Simples ou complexas, as crenças religiosas apresentam uma especificidade comum ao supor uma dicotomia das coisas, reais ou ideais, concebidas pelos homens em duas classes ou gêneros, geralmente designados por dois termos opostos: profano e sagrado. Este é o traço distintivo do pensamento religioso. Entretanto, alerta que o sagrado não está apenas no que chamamos de deuses ou espíritos, os sistemas de representações que exprimem a natureza das coisas sagradas incluem elementos espaciais tais como um rochedo, uma árvore, uma casa, ou seja, qualquer coisa pode ser sacralizada e objeto de adoração.36. Os homens foram obrigados a criar para si uma noção do que é religião bem antes que a ciência das religiões pudesse instituir suas comparações metódicas. Após muitas reflexões, Durkheim chega a seguinte definição: “uma religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças e práticas que reúnem numa mesma comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles que a elas aderem”. Afirma ainda que muitas vezes as crenças religiosas podem surpreender pelo seu simplismo, e responsabiliza a ciência por ensinar aos homens que as coisas são complexas e de difícil compreensão.37. 36 37. DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosas, 1996, p. 19-20 Idem p. 4-9.

(32) 31. Complexa e de difícil compreensão é, certamente, uma expressão adequada ao estudo das religiosidades38 no território brasileiro. E não é de se estranhar, pois sobre o catolicismo popular português no século XV, já dizia Freyre: Nem era entre eles a religião o mesmo duro e rígido sistema que entre os povos do Norte reformado e da própria Castela dramaticamente Católica, mas uma liturgia antes social que religiosa, um doce cristianismo lírico, com muitas reminiscências fálicas e animistas das religiões pagãs: os santos e os anjos só faltando tornar-se carne e descer dos altares nos dias de festa para se divertirem com o povo; os bois entrando pelas igrejas para ser benzidos pelos padres; as mães ninando os filhinhos com as mesmas cantigas de louvar o Menino Deus; as mulheres estéreis indo esfregar-se, de saia levantada, nas pernas de São Gonçalo do Amarante.39. A despeito de a produção freyriana servir de referência, o presente estudo faz par com Bosi quando vê na obra de Freyre uma sublimação do senhor-de-engenho, e questiona até que ponto foi essa docilidade e o lirismo desse cristianismo.. E. prossegue com Bosi no contexto da transposição do catolicismo nos princípios da colonização brasileira. Diz ele que os catequistas foram obrigados a efetuar adaptações nas práticas religiosas católicas. O jesuíta Anchieta “aprende o tupi e faz cantar e rezar nessa língua os anjos e os santos do catolicismo medieval nos autos que encena com os curumins”. E mais, Anchieta inventa um estranho imaginário sincrético, nem só católico, nem puramente tupi-guarani, forjando figuras míticas, assim cria Tupansy, mãe de Tupã, para destacar um atributo de Nossa Senhora. Dessa forma os indígenas assimilavam uma religiosidade já sincretizada.40. Tudo isso fez com que, apesar da formação brasileira estar atrelada a determinantes econômicos, políticos e culturais comuns a tantos outros povos e nações, a. 38. A religiosidade é a prática religiosa, não pressupõe como essencial algum tipo de vínculo com uma religião instituída. 39 FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala, 2001, p. 95. 40 BOSI, Alfredo. Dialética da colonização, 1992, p. 31..

(33) 32. religiosidade da maioria dos brasileiros seja singular e original. A esse substrato Bittencourt Filho denomina de Matriz Religiosa Brasileira. Expressão que busca traduzir uma complexa interação de idéias e símbolos religiosos que se amalgamaram num decurso multissecular. Não se trata de uma categoria de definição, mas de um objeto de estudo, essência possibilitadora para que em meio a um mundo globalizado, a situação religiosa brasileira seja exemplar: temos o “mago” [o escritor Paulo Coelho] mais lido do planeta; exportamos a Assembléia de Deus para Moscou, a Igreja Universal do Reino de Deus para Paris, e a Umbanda para o Cone Sul. Tudo isso sem contar o mosaico religioso altamente complexo, constituído pelas propostas e pelas sínteses religiosas mais inusitadas...41. Na visão teológica de Boff, o cristianismo, da mesma forma que toda religião, conserva e enriquece sua universalidade, na medida em que é capaz de falar todas as línguas e de encarnar-se, refundindo-se em todas as culturas humanas. É esse sincretismo que postula como válido, embora possa manifestar patologias. E ainda, A Igreja em sua estrutura apresenta-se tão sincrética como qualquer outra expressão religiosa [...] o cristianismo puro não existe, nunca existiu nem pode existir [...] O sincretismo, portanto não constitui um mal necessário nem representa uma patologia da religião pura. É sua normalidade.42. Ao criar pontes entre o catolicismo e a cultura, Steil destaca o papel importante que os santuários tiveram no processo cultural do Brasil, por serem depositários de mitos e lendas reveladoras das grandes questões existenciais para a população iletrada, e julga que a visitação “repetida a esses lugares tem um sentido educativo e pedagógico fundamental”, pois, mais que a um espaço físico e simbólico, “adentrava-se também numa comunidade lingüística que partilhava de significados e. 41 42. BITTENCOURT FILHO, José. Matriz religiosa brasileira, 2003, p. 31-41. BOFF, Leonardo. Igreja, carisma e poder, 1982, p. 150-151..

(34) 33. valores comuns”.43 fato que o autor entende se manter, pois vê as peregrinações atuais. como. “um. importante. instrumento. para. que. pessoas. e. grupos. geograficamente dispersos estabeleçam entre si laços identitários que transcendem as questões e preocupações locais.44. Cabe aqui dar relevo à afirmativa de Still, visto a reflexão geográfica ter o lugar como um dos seus conceitos-chave, e esta análise investiga não apenas um lugar, mas uma rede que interliga diversos lugares. Rede que se forma por deslocamentos em excursões e carrega em si diversas pessoas e grupos, prioritariamente motivados pela visitação a um santuário, cada qual com seu lugar de origem e seu lugar de destino que se completam e se explicam mutuamente.. Numa visão geral, pode-se dizer que o turismo religioso é a peregrinação que se adequou à evolução da sociedade, e que hoje a diferenciação entre peregrinação e turismo é mais didática do que estratégica.45 Por isso, em função da didática, apresenta-se algumas tipologias tanto para os viajantes, quanto para as motivações dos seus deslocamentos. Andrade assim define as principais categorias de viagem por motivos religiosos: Romaria - visitas sem pretensões evidentes; Peregrinação visitas para o cumprimento de promessas; e Penitência - visita com propósitos de expiação dos pecados cometidos.46. Já Azzi divisa pretensões evidentes na Romaria: é a visitação que o povo faz ao santuário ou centro de devoção, seja como expressão de veneração ao santo, seja como cumprimento de promessas pelas. 43. STEIL, Carlos. Catolicismo e cultura, in VALLA, Victort (org), Religião e cultura popular, p. 29. STEIL, Carlos. Peregrinação, romaria e turismo religioso, In: ABUMANSSUR, Edin (Org.) Turismo religioso, 2003, p. 49 45 OLIVEIRA, C. Turismo religioso, p.26. 46 ANDRADE, José. Turismo: fundamentos e dimensões, 1991, p. 77 44.

(35) 34. graças já recebidas. Para Azzi a Peregrinação é semelhante à romaria, diferenciase por incluir um sacrifício físico.47. Este estudo se alia a Steil por entender que o ponto fundamental a diferenciar o turismo da peregrinação ou da romaria, encontra-se no grau de imersão e de externalidade proporcionada por cada uma dessas experiências. “Enquanto as peregrinações e as romarias tendem a ser vivenciadas como um ato religioso de imersão no sagrado, o turismo, mesmo quando adjetivado como religioso, caracteriza-se por uma externalidade do olhar”48 Ou seja, se a experiência da peregrinação e romaria está centrada na participação, no compromisso religioso, a prática do turismo religioso está mais associada à contemplação. O “turismo religioso”, como discurso tende a desconsiderar as motivações religiosas para a viagem e se concentrar no fenômeno do deslocamento e, mais especificamente, na necessidade que esse deslocamento traz em termos de estrutura de transporte, hospedagem e alimentação.49. Relacionando a religiosidade popular ao turismo, Roberto Benjamin diz que ao turismo se tornar uma atividade econômica relevante no mundo capitalista, “as peregrinações foram incorporadas, criando-se a categoria turismo religioso, em relação aos centros de visitação capazes de atrair pessoas das classes média e alta”. Quanto aos deslocamentos daqueles de menor poder econômico entende o autor que a gente do povo realiza as suas peregrinações com sua “própria estrutura organizacional, mantendo traços culturais que remontam a velha tradição das peregrinação penitencial e incorporando, dentro de sua possibilidades, aspectos. 47. AZZI, Riolando, Catolicismo popular e autoridade eclesiástica, 1977, p 130-131 STEIL, C. Peregrinação, romaria e turismo religioso In: ABUMANSSUR, E. (Org.). Turismo religioso, 2003. p. 35 49 ABUMANSSUR, Edin Religião e Turismo, in: ABUMANSSUR, E. S. (Org.). Turismo religioso, Campinas, SP: Papirus, 2003. p. 54. 48.

(36) 35. típicos do turismo da modernidade”.50 Este é o caso do nosso ponto nodal, o Santuário de São Severino, onde o povo é o mentor e promove os passeios com ou sem a parceria de igrejas ou prefeituras, e fora do mercado formal dos agentes de turismo.. Efetivamente o ato de viajar não é mais privilégio ou condição exclusiva da população de alta renda, mas algo que se popularizou através do turismo de massa, como diz Abumanssur: O turismo de massa, como fenômeno social, é coisa típica do século XX. A democratização das viagens implicou a oferta de produtos turísticos administráveis para grandes contingentes populacionais. Os pacotes turísticos baratearam os custos de uma viagem e a tornaram acessível a uma boa parcela da população. Mas o turismo de massa não significa apenas a quantidade de gente envolvida em viagens. O volume de pessoas em trânsito impõe aos agentes turísticos a necessidade de que seja dado a esse contingente, um tratamento padrão, nivelado, homogeneizado e indiferenciado.51. Nesse contexto, Abumanssur afirma que “o “turismo religioso” e o turismo de massa são crias siamesas de um mesmo processo histórico (...) Fenômeno da modernidade”. Observa também que no Brasil, o “turismo religioso” que se destina aos santuários nacionais é considerado turismo de pobre. Relegadas pelo trade turístico, as romarias são organizadas de forma espontânea pelas pessoas interessadas. 52. É sabido que no Brasil as romarias são geralmente organizadas de forma espontânea através do fretamento de ônibus, sem a intermediação de agências de viagens, mas, não podemos generalizar que esse tipo de viagem é realizada. 50. BENJAMIN, Roberto. Folkcomunicação no contexto da massa, 2000, pp. 23-24 ABUMANSSUR, Edin Sued. Religião e turismo, In: ABUMANSSUR, Edin (Org.) Turismo religioso, 2003, p. 56 52 Ibidem 51.

(37) 36. somente por “pobres”. Nesse ponto, tomamos por referência os mecanismos da circularidade cultural teorizada por Mikhail Bakthin53 e aprofundada por Carlo Ginzburg que afirma existir, “por um lado, dicotomia cultural, mas, por outro, circularidade, influxo recíproco entre cultura subalterna e cultura hegemônica”.54. Apesar da teoria ter sido formulada no contexto da Idade Média para explicar as relações entre cultura popular e cultura das elites na Europa do século XVI, entendese que os mecanismos propostos persistem, ainda mais acelerados. Chartier, em estudos mais recentes, não vê a religião popular tão radicalmente diferente da religião da elite ou do clero. Apesar destes procurarem impor seus repertórios e modelos, ela é “compartilhada por meios sociais diferentes, e não apenas pelos meios populares. Elas são, ao mesmo tempo, aculturadas e aculturantes”55.. Apesar da visitação a santuários locais nem sempre ser bem vista pelo trade turístico, é relevante destacar que a atividade está inserida dentro de um sistema muito mais amplo. Durkheim como já mencionado, postulava que a religião estaria além da idéia de deuses ou de espíritos, é antes um sistema de crenças e práticas que unem em uma mesma comunidade moral todos os que a ela aderem. E só pode haver moral se a sociedade possuir um valor superior a de seus membros, é, portanto, um sistema que tem a função de agregar os indivíduos à sociedade, instrumento de controle social e de manutenção da ordem.56. Ao analisar o turismo como mecanismo de evasão do cotidiano Krippendorf identifica o sistema organizado numa espécie de alternância, para proporcionar o que chama. 53. BAKTHIN, Mikhail. Cultura popular na Idade Média, 1987. GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes, 1987, p. 20 55 CHARTIER, Roger. Cultura Popular, 1995, p. 6 56 DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosas, 1996, p. 21 54.

(38) 37. de “ciclo de reconstituição do ser humano na sociedade industrial”, por meio de quatro campos de forças, ou subsistemas: Subsistema sócio-cultural - a sociedade e seus valores; Subsistema ecológico - o ambiente e seus recursos; Subsistema econômico - a economia e as relações comerciais e produtivas; Subsistema político o Estado, sua organização administrativa e suas políticas públicas. Destaque-se que com o livro Sociologia do Turismo lançado em Zurique no ano de 1984, Krippendorf levantou questões ainda atuais, tais como qual a adequação necessária para que essa rede proporcione um turismo mais responsável, integrado e capaz de proporcionar experiências únicas aos povos tanto de regiões emissoras quanto receptoras.57. Mais especificamente voltado ao sistema de turismo-SISTUR, Beni o identifica como uma rede aberta que realiza trocas e, por isso mesmo, é interdependente: ... um conjunto de partes que interagem de modo a atingir um determinado fim, de acordo com um plano ou princípio; ou conjuntos de procedimentos, doutrinas, idéias ou princípios, logicamente ordenados e coesos com intenção de descrever, explicar ou dirigir o funcionamento de um todo. 58. Referência nos estudos sobre redes, diz Castells que elas formam um conjunto de nós interconectados e, como estruturas abertas, tendem a se expandir, gerando novos nós, constituindo a morfologia social de nossas sociedades. Ele reconhece que isso não é novo, a novidade está na existência de uma base material para a sua expansão, possibilitando a criação de uma nova economia informacional, global e em rede.59. 57. KRIPPENDORF, Jost. Sociologia do Turismo, 1989, p. 24-29 BENI, Mário. Análise estrutural do turismo , 2006, p. 23 e 53 59 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede, 1999, p. 67-120. 58.

(39) 38. Nessa perspectiva as identidades primárias religiosas, produto de inúmeras relações entre as pessoas, instituições e processos de formações, também poderia ser identificada uma teia de ações e fluxos estruturados em redes. Portanto esta abordagem se volta às dimensões de análise das redes geográficas de acordo com as propostas de estudiosos da geografia cultural. Estudando mais especificamente a geografia da religião, Zeny Rosendahl entende que o conceito de rede aplica-se à rede simbólica, qualificado-a como formal ou informal, hierárquica ou não, periódica ou permanente, planejada ou espontânea, dendrítica ou complexa. E quanto à escala espacial, se ela é de âmbito local, regional ou nacional.60. Porém, neste item, nosso principal referencial recai sobre Roberto Lobato Corrêa, para quem um conjunto de localizações geográficas interconectadas pode ser constituído tanto por ligações materiais quanto imateriais. O autor propõe as dimensões organizacional, temporal e espacial como forma de identificar a configuração interna da rede, sua duração, a velocidade dos fluxos e a freqüência como a rede se estabelece.61. A partir dessa base de entendimento, torna-se possível estabelecer alguns parâmetros referenciais e metodológicos. Todo estudo geográfico sobre o turismo no meio religioso se depara com o problema da terminologia utilizada. Este estudo faz opção pela adoção da expressão “turismo cultural” dentro da “geografia cultural” por considerá-la mais abrangente, envolvendo todas as atividades nos espaços, seja ele sacralizado ou não.. 60. ROSENDAHL, Zeny. Espaço, Cultura e Religião, In CORRÊA e ROSENDAHL, (orgs), Introdução à Geografia Cultural, 2003, p. 61 CORRÊA, Roberto. Trajetórias geográficas, 2001 p. 106-110.

(40) 39. Refletindo acerca das peregrinações religiosas como eventos turísticos Abumanssur levanta a seguinte questão: “a peregrinação pode ser vista tanto como um fenômeno religioso quanto como um fenômeno turístico”.62 Estudiosos como Mircea Eliade, embora exercitando o sagrado como dialeticamente oposto ao profano, chegaram a reconhecer a inexistência de “fenômenos religiosos ‘puros’, assim como não há fenômeno única e exclusivamente religioso. Sendo a religião uma coisa humana, é também, de fato uma coisa social, lingüística e econômica”63.. Assim, é admissível partir da suposição de que a maioria dos conceitos aparentemente dicotômicos tais como: religião popular e religião oficial, profano e religioso, romeiro e turista religioso, podem ser entendidos apenas como pontos extremos de uma linha entrelaçada. É para isso que é feito o uso dos conceitos, para um melhor entendimento das extremidades. Entendimento sustentado em Cosgrove: "Os rótulos têm valor, não porque confinam ou delimitam a atividade, mas porque estimulam a imaginação erudita em direções distintivas em vez de distintas".64. O termo “santuário” é adotado pela pesquisa no seu sentido mais tradicional e objetivo: local de culto que o povo transformou num particular centro de devoção. Já a “romaria” é entendida como a visitação que o povo faz ao centro de devoção, seja como expressão de veneração ao santo, seja como cumprimento de promessas. 62. ABUMANSSUR, Edin Sued. Religião e turismo, In: ABUMANSSUR, Edin (Org.) Turismo religioso, 2003, p. 54-55. 63 ELIADE, Mircea. Tratado de História das Religiões, p. 19 64 COSGROVE, Denis. Geografia cultural do milênio, in ROSENDAHL e CORRÊA (Orgs.). Manifestações da cultura no espaço, 1999, p. 46..

(41) 40. pelas graças já recebidas.65 Concordando com Dias quando lembra que “no Brasil, o termo romaria está mais relacionado ao caráter coletivo da viagem, sendo o romeiro o membro da comunidade que faz a jornada religiosa”.66 Ao veio deste aporte, somamos o pensamento de Rosendahl, mais especificamente voltado a geografia da religião como uma proposição temática, que diz: “A perspectiva que interessa aos geógrafos está na análise da experiência da fé no tempo e no espaço em que ela ocorre”.67. O processo de análise da sacralização do lugar foi sistematizado a partir da revisão bibliográfica, utilizando, ainda, técnicas para a coleta de dados, tais como a realização de entrevistas com os dirigentes dos santuários, moradores locais, representantes da administração pública municipal, comerciantes e devotos mais idosos e assíduos.. No que diz respeito à elaboração do perfil geográfico-cultural dos visitantes, procedemos análises qualitativas e quantitativas. Através da pesquisa quantitativa coletou-se os dados mensuráveis pela estatística: origem, idade, sexo, freqüência de viagens ao santuário e motivação. Com enfoque ainda centralizado no indíviduo, a pesquisa qualitativa recorreu ao imaginário, à circulação e à apropriação das idéias que mantêm e realimentam as romarias aos santuários e os prováveis deslocamentos em rede.. 65. AZZI, Riolando, Catolicismo popular, 1977, p. 130-131. DIAS, Reinaldo. O Turismo Religioso, In DIAS e SILVEIRA (orgs.), Turismo religioso, 2003, p.22. 67 ROSENDAHL, Zeny. Geografia da Religião, 2002, p. 9. 66.

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