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I. Introdução

9. Boa-fé na negociação coletiva em outros países

9.2. Canadá

O direito canadense, que, a respeito do princípio da boa-fé nas negociações coletivas, é muito semelhante ao direito norte americano, é tratado por Erin R. Kuss e John L. Stout194, que informam a existência da regra de que as partes envolvidas em negociação coletiva devem negociar com boa-fé. Essa necessidade de negociar de boa-fé geralmente significa que ambas as partes precisam ser sinceras nas tentativas de chegar a um consenso. Aí inclui-se encontrar-se com a outra parte e fazer um esforço razoável para concluir o acordo. O processo de negociação significa, de certo modo, dar e receber. Se uma das partes não chegar a um acordo com a outra parte, isso não significa, por si só, que uma das partes não está negociando de boa-fé. No entanto, uma estratégia deliberada por qualquer das partes com a finalidade de não atingir um acordo é considerada como negociação de má-fé. Se uma parte adota esse tipo de conduta, a outra parte pode ingressar com uma reclamação perante a Câmara de Relações Trabalhistas (Labour Relations Board) a respeito dessa prática trabalhista desleal.

Quando uma negociação é iniciada, as duas partes, o Sindicato e o empregador, precisam vir à mesa de negociação e negociar um acordo coletivo. O Ato da Relações Trabalhistas de Ontário (Ontario Labour Relations Act, de 1955) é a lei que rege as relações trabalhistas naquele local, impondo uma série de obrigações e condições para esse procedimento negocial. O objetivo do Ato,

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a esse respeito, é minimizar o conflito laboral, facilitando o processo de negociação e importando, também, em um passo para ajudar a equilibrar o poder de negociação de cada uma das partes, por meio de um número de procedimentos estabelecidos em lei. Uma das chaves para esse objetivo é a necessidade de que as partes negociem de boa-fé, conforme requerido na Seção 17 do Act.

Seção 17. As partes devem se encontrar em 15 dias da entrega da notificação ou qualquer dia entre esse período e elas devem negociar de boa fé e fazer todo esforço razoável para chegar a um acordo coletivo195.

A Seção 17 atua no interesse das próprias partes, para que possam chegar a um acordo, conforme sua habilidade em negociar, sem que ocorram fraudes, problemas de representação ou coisas parecidas. Não há determinação para que as partes cheguem de fato a um acordo, mas são estabelecidas obrigações para ambos os lados em negociação, para que façam esforços razoáveis para atingir o acordo, assumindo que eles fazem parte de um relacionamento cujas regras estão previstas em lei.

Essa norma a função de propiciar o fornecimento de informações relevantes de uma para a outra parte durante as negociações, capacitando-as a estabelecer quais são as matérias de seu interesse, para que o processo negocial seja bem informado. A obrigação de negociar de boa-fé se aplica a ambas as partes, o sindicato e o empregador.

Toronto: OBA, 2003.

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Section 17. The parties shall meet within 15 days from the giving of the notice or within such further period as the parties agree upon and they shall bargain in good faith and make every reasonable effort to make a collective agreement.

Na verificação da ocorrência ou não da boa-fé na negociação coletiva, ocorre uma diferenciação entre endurecimento das negociações (hard

bargaining) e negociação superficial (surface bargaining). Apesar de não haver

o dever de realizar acordo, ambas as partes em negociação precisam engendrar razoáveis esforços para tanto. Isso não impede endurecimento das negociações por qualquer das partes. O endurecimento ocorre quando uma das partes toma uma posição que não é bem recebida pela outra parte, podendo ao final resultar que as partes deixem de realizar o acordo coletivo. Mas essa atitude pode ser considerada de boa-fé se houver razões que lhe dêem suporte. Um exemplo típico é um empregador que propõe um aumento muito pequeno nos salários, nenhum aumento nos salários ou mesmo uma redução de salários. Se essa proposta é efetuada por razões comerciais de boa-fé e está amparada por circunstâncias econômicas da empresa, considera-se uma legítima proposta de negociação de boa-fé.

Endurecimento das negociações deve ser diferenciado do conceito de negociação superficial, a qual não se enquadra no conceito de boa-fé na negociação. Negociação superficial se refere à situação na qual uma das partes simplesmente apresenta propostas para negociar com a outra, mas sem qualquer real intenção de chegar a um acordo. Para chegar à conclusão de que houve negociação superficial existem várias evidências a serem consideradas, incluindo a adoção de uma posição inflexível a respeito de questões centrais para a negociação; quando a conduta de uma das partes em seu conjunto demonstra que um dos lados não tem qualquer intenção de concluir um acordo coletivo, a despeito de continuar a se manifestar nas negociações. Negociação superficial é considerada uma violação da obrigação de negociar de boa-fé, ou seja, uma violação da lei.

Erin R. Kuss e John L. Stout mencionam as soluções possíveis, que serão tratadas a seguir.

Quando uma das partes achar que a outra parte está negociando de má-fé, ela pode solicitar à Câmara de Relações de Trabalho de Ontário (Board) que seja apresentada uma solução, preenchendo um formulário com a rubrica de prática trabalhista desleal, prevista na seção n.96 do Ato.

Essa seção de número 96 estipula uma ampla variedade de poderes para a Câmara com respeito às reclamações, incluindo uma ampla gama de soluções. Após concluir que houve uma violação, o poder da Câmara inclui o de ordenar às partes que cessem os atos que foram questionados, podendo, ainda, determinar que sejam tomadas medidas que a Câmara considere necessárias para remediar a violação do Ato, incluindo, mas não se limitando ao restabelecimento da situação anterior, com ou sem compensação financeira. A Câmara considera que a seção 96 garante-lhe os mais amplos poderes, para que seja garantida a compensação quando o Ato tiver sido violado.

A Câmara desenvolveu os seguintes princípios, a respeito do exercício de seu poder concedido pelo Ato, na seção número 96: a) o poder da Câmara de acordo com esse Ato é reparador, objetivando colocar a parte naquela posição que estaria antes que a outra parte violasse o Ato, logo, a aproximação da Câmara não visa à punição nem a desencorajar a outra parte, assim sendo, se houver aplicação de uma multa, esta será compensatória e não punitiva; b) a Câmara não tem poder de impor um acordo coletivo às partes.

Se a Câmara entender que houve uma violação de dever de negociar com boa-fé, ela irá tipicamente ordenar à parte violadora que retorne à mesa de negociação e negocie conforme sua obrigação prevista no Ato. Isso pode

significar fornecer informações ou documentos que a parte tinha anteriormente recusado a providenciar, ou mesmo ordenar à parte que faça uma proposta ou responda à proposta da outra parte a respeito de uma determinada questão. A Câmara, no entanto, não irá ditar o conteúdo que tal proposta ou resposta precisa conter.

Em determinadas circunstâncias, a Câmara pode determinar o pagamento multa por danos pelo descumprimento do dever de negociar. Enquanto a Câmara não impõe um acordo coletivo às partes diretamente, existem circunstâncias em que a Câmara conclui que devido ao teor das propostas efetuadas entre as partes, elas mesmas chegaram a um acordo em todas as questões, mas uma ou outra parte se recusa a tomar o passo final de assinar o acordo. Nessas circunstâncias, a Câmara tem entendido que de fato as partes chegaram ao acordo e tem ordenado às partes que executem esse acordo.

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