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2. Estado da Arte

2.5. Investigação Clínica em Cancro da Mama

2.5.1. Cancro da Mama em homens

Ao contrário do que se constatou nas mulheres, cancro de mama no homem é uma condição rara. Representa, aproximadamente, 1% dos cancros que afetam os homens e cerca de 1% de todos os cancros de mama, tanto mundialmente como em Portugal, ocorrem em homens (65) (66).

Apesar da incidência de cancro de mama no homem ter vindo a aumentar cerca de 26%, durante os últimos 25 anos, a investigação e o conhecimento sobre o assunto são limitados (67). As recomendações de tratamentos são, normalmente, extrapoladas dos dados existentes de ensaios clínicos realizados em mulheres com cancro de mama (65).

Os principais fatores de risco de cancro de mama no homem são (67) (68):

▪ História familiar de cancro de mama e ovários, reportado em 15%-20% dos homens com CM (risco relativo 2.5);

▪ Mutações genéticas – a mais comum, afetando 10% dos homens, no gene BRCA2; outros genes que podem estar mutados são BRCA1, PTEN, p53 e CHEK2;

▪ Disfunções genéticas – como é o caso da síndrome de Kleinefelter, pode aumentar o risco até 50 vezes;

▪ Exposição à radiação;

▪ Desequilíbrios hormonais:

o Anormalidades testiculares;

o Adenomas hipofisários;

o Estrogénios exógenos – utilizados no tratamento de cancro prostático ou tomados por transexuais;

Nota: Os desequilíbrios hormonais podem contribuir para o surgimento de Ginecomastia – hipertrofia do tecido glandular mamário em homens (69) – porém, por si só não é um fator de risco;

▪ Raça e Etnia – a incidência nos homens de raça negra e/ou etnia africana é maior. O maior número de casos em África julga-se que se deve às doenças infeciosas endémicas; por exemplo: a hepatite B ou C causa lesões crónicas no fígado, provocando o aumento dos níveis de estrogénio e, consequentemente, o aumento do risco de CM no homem.

▪ Outros: obesidade, cirrose, idade avançada

2.5.2.1.Comparação entre o cancro de mama no homem e na mulher Existem diferenças biológicas importantes entre o cancro de mama na mulher e no homem. O CM no homem é maioritariamente positivo para recetores hormonais, incluindo o recetor de androgénio, e está associado a um aumento da prevalência de mutações germinativas BRCA2, nomeadamente, em homens com propensão de desenvolver CM de alto risco (65).

À semelhança do CM na mulher, a incidência aumenta com a idade, no entanto na população masculina tende a surgir 5-10 anos mais tarde.

Relativamente aos subtipos histológicos de cancro de mama, a maioria manifesta-se em ambas as populações, porém os carcinomas lobulares são raramente diagnosticados no sexo masculino. Salienta-se que 90% dos carcinomas da mama no homem são ductais invasores e a maioria expressa recetores de estrogénio (90%) (56).

O diagnóstico desta patologia, no sexo masculino, é geralmente em estádios mais avançados. Alguns motivos que justifiquem este facto são a falta de consciência/conhecimento desta patologia, ausência de rastreio na população masculina, vergonha por ser considerado “uma doença feminina”.

Consequentemente, os homens afetados por este tipo de cancro demoram mais tempo a procurar ajuda (56).

O prognóstico destes doentes era considerado historicamente pior quando comparado com as mulheres. Atualmente, têm-se realizado estudos para compreender melhor os fatores por detrás deste fenómeno. A maioria dos estudos encontrados demonstram que a OS é pior nos homens do que nas mulheres (70) (71) (72).

No artigo (70), conclui-se que a OS foi consideravelmente diferente entre os sexos, sendo ainda assim significativamente dependente do estádio e do subtipo do carcinoma. Deste modo, os homens têm uma menor OS em estádios precoces e semelhante OS em estádios III e IV, quando comparados com as mulheres. Em relação ao subtipo de tumor, quando comparado com as mulheres, os homens com tumores com recetores hormonais positivos (HR+) e com sobre expressão de recetores do fator de crescimento epidérmico (HER2+), tem o dobro do risco de morte.

Os investigadores do “Programa Internacional em Cancro de Mama no homem”, que será explicitado mais à frente, identificaram 5 subtipos intrínsecos ao CM em homem com vários perfis de expressão genética. Esta descoberta vem corroborar que CM na mulher e no homem é diferente em termos de histologia e classificação, sendo necessário mais informação específica sobre esta patologia (73) (74).

2.5.2.2. Impacto psicossocial do cancro de mama no homem

Partindo agora para uma abordagem psicossocial, o cancro de mama é visto como uma doença feminina e muitas pessoas não têm consciência que também pode afetar homens.

Os autores do artigo (75), concluíram que alguns homens sofrem de estigmatização devido à patologia. A estigmatização varia consoante o contexto e os doentes. A maioria são uma estigmatização sexual e ignorância sobre cancro de mama em homem. Ocorre principalmente em instituições de cuidados

oncológicos, nomeadamente na reabilitação, e em contexto laboral, sentindo-se excluídos. Por exemplo, mulheres com CM ou funcionários, ao verem um homem na sala de espera do hospital, se não estiverem alertas de que é uma patologia que também afeta homens, podem ter comportamentos indelicados, deixando os doentes homens desconfortáveis e a sentirem-se marginalizados.

No que diz respeito ao meio social do doente, quanto mais próxima for a relação menor é a estigmatização. Assim, existe significativamente menos estigmatização com a família e amigos próximos do que em ambientes sociais mais afastados, por exemplo, com colegas(75).

De modo a reduzir a estigmatização no futuro, é importante implementar campanhas e políticas de consciencialização que o CM também afeta homens, que cheguem ao público em geral e, também, sejam reforçadas nas instituições de cuidados oncológicos. Outro aspeto a melhorar é a igualdade nos cuidados oncológicos, os centros devem ter em conta as necessidades dos homens com CM. Por exemplo, ter formulários e material informativo que seja neutro em relação ao género, ou secções específicas com informação para os homens (75) (76).

Em suma, é fundamental compreender como os homens se sentem ao ter esta patologia e que medidas se podem implementar para combater o estigma.

De forma que o CM não seja visto como uma patologia que só afeta mulheres, e promover o bem-estar psicossocial destes doentes muitas vezes negligenciados.

Inclusive, aumentar a consciencialização desta patologia pode permitir, no futuro, diagnosticar mais cedo alguns casos de CM no homem, permitindo um melhor prognóstico.

2.5.2.3. Investigação Clínica em Cancro de Mama no homem

Como já foi mencionado anteriormente, o cancro de mama no homem é uma condição rara. Consequentemente, não existem muitos estudos clínicos

neste âmbito e a maioria dos dados que existem são de estudos observacionais retrospetivos (67). Acrescenta-se, que as recomendações de tratamento para estes doentes são extrapoladas a partir de dados de ensaios clínicos conduzidos em mulheres. O que provoca a falta de conhecimento sobre os mecanismos biológicos subjacentes à patologia, é necessário esclarecer potenciais diferenças do CM na mulher e otimizar a gestão clínica, nomeadamente, a eficácia das terapias utilizadas e o desenvolvimento de terapias alvo/direcionada para esta população (67).

Os autores do artigo (65), pesquisaram na plataforma ClinicalTrials.gov e obtiveram um total de mais de 600 estudos clínicos (intervencionais e não intervencionais) em cancro de mama. Aproximadamente, um terço destes não excluíram a participação masculina e apenas 2% (N=12) dos estudos referem a participação de homens. Destes 12 estudos, 3 são ensaios clínicos.

Vários estudos demonstram que a população masculina está sub-representada nos ensaios clínicos de CM (65) (77). Os RCT em que existe uma maior expressão desta população são em ensaios de cancro de mama metastático e terapêutica-alvo. Por outro lado, existem fatores associados à exclusão desta população nos RCT, tais como: ensaios em que há a randomização ou a obrigatoriedade de terapia hormonal, nos critérios de elegibilidade (77).

92% dos casos de CM em homens são positivos para recetores de estrogénio. Os doentes com recetores hormonais positivos que recebem terapia hormonal adjuvante possuem a maior taxa de sobrevivência. Contudo, apenas 77% dos homens com CM recebem terapia endócrina. Isto deve-se a várias razões, como por exemplo, guidelines insuficientes e efeitos adversos desagradáveis, como diminuição da líbido, afrontamentos e ganho de peso, comprometendo a adesão à terapia (77).

De modo a incentivar os doentes a aderirem à terapia endócrina, determinar o plano de tratamento da terapia hormonal ideal e fornecer linhas

orientadoras aos profissionais de saúde, ensaios clínicos de terapia endócrina apropriados devem alargar os seus critérios de elegibilidade, por forma a dar oportunidade aos homens de participarem (77).

Além disto, muitos estudos não dão uma justificação para a exclusão dos homens dos ensaios. O que é preocupante uma vez que a incidência de cancro de mama em homens está a aumentar (77).

A corroborar a importância do referido em supra, a Food and Drug Administration (FDA) criou, em agosto de 2020, um documento com orientações, para a Indústria farmacêutica, com o título “Cancro de mama em homens:

Desenvolvendo medicamentos para o tratamento”. Este apela à inclusão dos homens nos ensaios clínicos de CM, sugerindo que nos critérios de inclusão permitam ambos os sexos e, quando não for possível incluir os homens, que escrevam um racional no protocolo do estudo. Outra medida indica que quando os homens são incluídos, o promotor deve conduzir estudos toxicológicos gerais não clínicos, em animais de ambos os sexos (78).

Ao fim de várias tentativas de realizar ensaios clínicos em CM em homens, alguns foram encerrados por falta de recrutamento, percebeu-se que a investigação terá mais probabilidade de ser bem-sucedida se for conduzida por uma rede colaborativa mundial. Assim, com este propósito a Organização Europeia para a Investigação e Tratamento de Cancro (EORTC), em colaboração com: o Consórcio de Investigação em Cancro de Mama Translacional, o Grupo Cancro de Mama Norte Americano e o Grupo Internacional da Mama, desenvolveram, em 2006, o “Programa Internacional em Cancro de Mama no homem”, com o objetivo de caraterizar a biologia subjacente ao cancro de mama no homem e desenvolver ensaios clínicos. É financiado pela Fundação para a Investigação em Cancro de Mama (65) (67). Este programa consiste em 3 partes (65)(67)(74):

Parte I – Recolha retrospetiva de informação clínica e amostras tumorais de homens com CM, tratados nos centros participantes, ao longo de 20

anos. Começou em 2010 e encerrou em setembro de 2013, com um total de 1822 doentes em estudo.

Parte II – Registo prospetivo de dados clínicos e amostras tumorais, de novos casos diagnosticados. Iniciou em 2014 e durou cerca de 30 meses.

Participaram 557 doentes.

Parte III – Estudos clínicos prospetivos para otimizar a gestão destes doentes. Ainda não foi iniciado.

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