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CANDACES: Coletivo Nacional de Lésbicas e Bissexuais Negras Feministas Autônomas

4.1 CONHECENDO OS COLETIVOS LÉSBICOS

4.1.2 CANDACES: Coletivo Nacional de Lésbicas e Bissexuais Negras Feministas Autônomas

A rede CANDACES é uma organização nacional que está distribuída por diversas regiões do país, fundada em 21 de março de 2007, por mulheres negras, lésbicas e feministas que atuavam em diferentes partes do Brasil. Tem como objetivo principal “dar visibilidade, letramento e empoderamento para as lésbicas negras”, a fim de fortalecer o protagonismo dessas mulheres nos diversos espaços de discussão sobre lesbianidades, raça e sistema patriarcal.

Em Recife, a CANDACES tem início também em 2007, a partir da articulação entre militantes lésbicas, negras e feministas, que perceberam a necessidade de construir um espaço para pautar as demandas específicas desse grupo de mulheres. O contato inicial dessas mulheres ocorreu ainda em 2005, no 1º Encontro Nacional de Ativistas LGBT

Afrodescendentes, que é também marco inicial de construção da rede AFRO LGBT20, local onde os debates sobre lesbianidades e raça foram sendo amadurecidos.

A necessidade de voltar o olhar para a intersecção entre os diferentes marcadores sociais de diferença e a pluralidade de processos deopressão que se cruzam e incidem sobre asmulheres, provocou o surgimento de grupos e coletivos que articulam em suas bandeiras de luta questões de gênero, sexualidade, classe social, geração, raça, etnia, religião, território, etc. A construção de uma identidade lésbica universal imaginada por muitos grupos e coletivos provocou um sufocamento das especificidades lesbianas, marginalizando demandas e reproduzindo um sistema que hierarquiza as mulheres e suas experiências. Nesse contexto, a necessidade da afirmação da pluralidade de identidades lésbicas fez emergir espaços de construção política, visando superar, além da heterossexualidade compulsória, as desigualdades resultantes de séculos de uma hegemonia masculina e de outros sistemas de opressão como o racismo: “o sujeito político, ele vem acompanhado também da tua raça, do teu lugar de negra que é um lugar muito de ponto de vista negado, então, eu acho que eu precisava desse espaço pra me fortalecer” (R.R., militante do coletivo CANDACES).

O tensionamento das disputas em torno do significante mulher e do sentido de suas lutas é um aspecto histórico e constituinte do próprio movimento feminista. As militantes negras norte-americanasforam pioneiras na reinvindicação em discutir o racismo e a as diferenças de classe social como aspectos constituintes das diferentes experiências das mulheres. A partir, principalmente das décadas de 1980 e 1990, pesquisadoras-militantes, como Angela Davis (1995), bellhooks e Patricia Hill Collins (1989), forneceram análises importantes para a compreensão da marginalização das mulheres negras nos EUA. Uma das principais contribuições desses estudos ao feminismo foi refletir sobre as experiências diárias das mulheres negras como professoras, escritoras, empregadas domésticas, operárias, militantes de movimentos sociais e cantoras de música popular. No Brasil, de acordo com Carneiro (2003), o movimento feminista negro tem discutido e denunciado as contradições intragênero e entre gêneros impostas pelaracialidade, atrelado a uma perspectiva feminista mais próxima da realidade latino-americana e às reflexões sobre os processos de colonização.

Com o objetivo de fortalecer o protagonismo das mulheres lésbicas negras, o coletivo CANDACES utiliza uma atuação em rede, ou seja, suas ações ocorrem articuladas com outros grupos que possuem a mesma “identidade social ou política”, configurando o que Scherer-

20Também conhecida como Rede Nacional de Negros e Negras LGBT, foi criada em 2005. Atualmente possui

integrantes em 15 estados brasileiros, entre eles o estado de Pernambuco. Maiores informações no blog: http://redeafrolgbt.blogspot.com.br .

Warren (2006) denomina de rede de movimento social. Esta pressupõe a identificação de sujeitos coletivos em torno de valores, objetivos ou projetos em comum, os quais definem os atores ou as situações sistêmicas antagônicas que devem ser combatidas e transformadas (p. 113).

Nesse sentido, o CANDACES atua principalmente por meio de ações focais, como roda de diálogos e debates, e de monitoramento das políticas públicas através das filiadas distribuídas pelo país, fortalecendo os movimentos sociais de base locais. Em Recife, através das militantes e representantes regionais, esteve sempre presente nas conferências municipais e estaduais de saúde e direitos das mulheres e de LGBT. Em 2015, tem na realização do II Seminário Nacional de Lésbicas Negras e Bissexuais, com o tema “Afirmando Identidades para a Saúde Integral”, uma de suas ações mais impactantes construída juntamente com outros coletivos lésbicos.

A fim de ganhar visibilidade e produzir impactos na esfera pública, o CANDACES articula atores dos movimentos sociais LGBT e negro, das ONGs, dos fóruns em suas mobilizações, utilizando as mídias sociais como mecanismo tanto de divulgação de suas atividades quanto como meio de produção de efeitos simbólicos para as próprias militantes e para a sociedade em geral.

Figura 4 - Roda de conversa sobre feminismo lésbico e negro

Fonte: acervo CANDACES.

A fotografia acima retrata um momento de debate e construção política realizado pelo coletivo CANDACES em parceria com outros grupos lésbicos e instituições do Recife, a saber, COMLÉS, Secretaria da Mulher de Pernambuco, Fórum LGBT de Pernambuco e Comitê Interinstitucional Pró-lésbicas e Mulheres Bissexuais de Pernambuco. A roda de conversa foi conduzida por uma das coordenadoras do nordeste do CANDACES e teve como objetivo expor, através do compartilhamento da experiência desenvolvida pelo coletivo em

Pernambuco, como é possível construir uma militância feminista e lésbica voltada para as questões das mulheres negras.

A participação das mulheres “candaceiras” nos espaços de discussão sobre as lesbianidades estão sempre atreladas à importância do protagonismo das lésbicas negras e do enfrentamento do racismo e da lesbofobia, reafirmando a missão do coletivo de dar visibilidade e empoderamento às lésbicas e bissexuais negras.

Figura 5 - Logomarca do CANDACES

Fonte: http://lesbicasnegrascandacebr.blogspot.com.br/.

O nome CANDACES, e a logomarca do coletivo (ver figura 4), tem um significado que evidencia a força e o incentivo à luta da mulher negra. O termo Candace quer dizer rainha-mãe. As “Candaces”, como eram chamadas as filhas dos soberanos da dinastia etíope, detinham prestígio religioso e ocupavam uma importante posição política e econômica, assumindo também posições militares nos períodos de guerra durante as invasões romanas ao Egito21. “A liderança familiar, religiosa, educacional, política, econômica e militar das Candaces estimulou a produção de representações sociais das soberanas rainhas em diversas instituições culturais brasileiras contemporâneas” (BISPO, 2009, p. 11).

A simbologia que envolve o termo Candaces perpassa toda a construção discursiva do coletivo, desde sua logomarca, que apresenta a figura de uma mulher negra, com uma lança na mão, em posição de combate. Na ponta da lança estão fitas nas cores do movimento LGBT. A figura está em sua maioria inscrita em tons de preto e vermelho, atrelando a ideia de negritude ede sangue. Nas costas da mulher-guerreirahá uma grande árvore negra, cujos galhos se misturam aos cabelos da mulher, e se sobrepõe ao pôr do sol. A árvore remete à ideia de ancestralidade, conceito de referência no movimento negro que implica o regaste da

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história dos antepassados que resistiram e que servem de exemplo para os que lutam na atualidade.

O CANDACES, através de suas ações e práticas, atribui à mulher negra lésbica a força para subverter a ordem hegemônica que condena as mulheres a um destino padrão baseados no sexo biológico e utiliza o racismo como mecanismo que estabelece uma inferioridade social de segmentos da população negra em geral e das mulheres negras em particular. Nesse sentido, o CANDACES vem operando como ferramenta política que articula a questão racial às questões de gênero, promovendo uma articulação (LACLAU; MOUFFE, 2015) entre os discursos do movimento negro, do movimento lésbico e do movimento feminista.