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Candidatos à presidência na campanha de 2010: reféns das questões morais

No documento doradeisestephanmoreira (páginas 97-101)

3. CAPÍTULO DOIS: EMPODERAMENTO DO SEGMENTO EVANGÉLICO NA

3.3 PRESENÇA NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS NO PERÍODO DE 1989 A 2018:

3.3.7 Candidatos à presidência na campanha de 2010: reféns das questões morais

A eleição para a Presidência da República em 2010 contou com nove candidatos: Dilma Rousseff – escolhida para suceder o petista Lula que cumpriu dois mandatos -, José Serra, Marina Silva – dessa vez pelo Partido Verde, Ivan Martins Ribeiro, José Levy Fidélix da Cruz, José Maria de Almeida, José Maria Eymael, Plinio Soares de Arruda Sampaio e Rui Costa Pimenta. Conforme Oro e Mariano (2010, p. 22), “o peso da religião e de questões de natureza moral e religiosa sobre a esfera pública brasileira revelou-se de forma contundente nesta eleição”.

107De acordo co Marcelo A. Camurça, “tempo da política” é uma expressão cunhada pelo antropólogo brasileiro

Moacir Palmeira. Quer dizer “um momento especial, um momento mais condensado da própria política”. (CAMURÇA, 2016).

O fato de ter sido desde o início a candidata favorita, graças ao bom desempenho de seu antecessor que deixou o governo com um alto índice de popularidade108, fez com que a ex- ministra das Minas e Energia e depois da Casa Civil de Lula, tivesse que agir como uma equilibrista durante toda sua campanha. Vale ressaltar que Dilma teve que se submeter ao pragmatismo político, o qual já vinha sendo adotado por Lula desde a eleição de 2002. Assim como seu “padrinho”, a candidata teve que fazer alianças “com partidos de centro e direita no espectro ideológico”. (TREVISAN, 2015, p. 29). Além do mais, “escolheu” para a vice- presidência o peemedebista Michel Temer, o qual, mais tarde, viria a dar “às costas” para a petista, como discorreremos ao final desta seção.

Dilma Roussef também teve que enfrentar as pressões advindas de grupos religiosos diversos. Como recordam Oro e Mariano (2010, p. 24), logo no início da campanha Dilma teve que assumir uma identidade religiosa católica, numa contraofensiva à publicação da revista

Época que trouxe à tona uma entrevista que ela concedeu a esta revista em 2007 - quando não

era candidata a nada- revelou ser agnóstica. A questão do aborto esteve no epicentro da campanha presidencial praticamente o tempo todo. A imprensa também desenterrou outra revelação da candidata de que seria favorável à descriminalização do aborto. A reação de bispos e carismáticos católicos foi imediata e eles passaram a fazer campanha aberta contra a candidata petista. (MARIANO; ORO, 2010, p. 26).

Além de recuar em seu discurso pela descriminalização do aborto, “se declarando pessoalmente contra o ato, mas ressaltando que o tema se trata de uma questão de saúde pública” (TADVALD, 2010, p. 104), buscando minimizar seu desgaste junto aos católicos (maior grupo religioso existente no Brasil, representando 64,6% da população brasileira, conforme o último censo realizado em 2010 pelo IBGE), Dilma teve também que fazer alguns malabarismos. Como relatam Oro e Mariano a candidata petista contou com a ajuda do chefe de gabinete da Presidência da República, Gilberto Carvalho (ex-seminarista), bem como do deputado federal Gabriel Chalita, carismático e apresentador de programas da TV Canção Nova109 para

108 Há uma pequena oscilação do índice de popularidade de presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao deixar o Palácio

do Planalto em 31 de dezembro de 2010. Segundo pesquisa realizada pelo Datafolha na ocasião, 83% dos brasileiros avaliaram a segunda gestão de Lula como ótima e boa. Já o Instituto Sensus, conforme pesquisa divulgada pela Confederação Nacional dos Transportes, o petista obteve o recorde mundial de popularidade, saindo do governo com um índice de 87% de aprovação. Respectivamente, disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2010/12/1211078-acima-das-expectativas-lula-encerra-

mandato-com-melhor-avaliacao-da-historia.shtml. e

https://noticias.terra.com.br/brasil/politica/cntsensus-lula-tem-aprovacao-recorde-de-87-ao-deixar- governo,77de63fc8940b310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html. Acesso em: 18 ago. 2016.

109 A TV Canção Nova (TVCN), mesmo nome de uma das comunidades mais fortes e atuantes do movimento

carismático católico, começou a funcionar em 1989, como uma retransmissora da TV Educativa. Somente em 1997 passou a funcionar como canal aberto, via Satélite. Para poder operar financeiramente, a TVCN conta com

reaproximá-la dos católicos. O político do PSB paulista foi providencial: intermediou contato com lideranças eclesiásticas; concedeu entrevistas para desmentir boatos a respeito da candidata petista e a acompanhou a uma série de eventos católicos. (MARIANO; ORO, 2010, p. 26). Quem também veio em socorro de Dilma foi Frei Betto. Em texto publicado na Folha de São

Paulo por ocasião do segundo turno, deu seu testemunho de que “ela é pessoa de fé cristã,

formada na Igreja Católica”. (MARIANO; ORO, 2010, p. 29).

Por causa dessa questão do aborto principalmente, Dilma Rousseff também teve que domar os leões de outro segmento religioso: os evangélicos. Segundo Tadvald (2010, p. 105), a preocupação foi tanta com relação a eles que seu staff de campanha chegou ao ponto de redigir uma cartilha intitulada “Ao povo de Deus: Carta Aberta ao Povo de Deus, Para o Brasil seguir Mudando”, da qual constava, dentre outros pontos, “Os 13 motivos para o cristão votar em Dilma”. O autor complementa que a ex-ministra recebeu o apoio explícito do líder mor da IURD, Edir Macedo. Além dele, outras lideranças evangélicas, como Eduardo Cunha e Magno Malta, repudiaram a campanha difamatória instaurada principalmente no segundo turno. (TADVALD, 2010, p. 106).

Oro e Mariano (2010, p. 28) acrescentam que a candidata petista teve que se valer da “tropa de choque” de deputados e senadores evangélicos que foram às ruas para desmentir acusações imputadas a Dilma. Mas o apoio dos evangélicos teve um preço. Conforme os autores, Dilma teve que se comprometer diante de 51 representantes desse segmento, os quais lhe apresentaram uma pauta moralista, com o seguinte teor:

Vetar projetos aprovados pelo Congresso Nacional ‘contra a vida e os valores da família’, de rejeitar o casamento homossexual, o projeto de lei que criminaliza a homofobia, a adoção de crianças por casais homossexuais e a regulamentação da função de profissionais do sexo. (MARIANO; ORO, 2010, p. 30).

Apesar de todo o desgaste envolvendo a campanha da ex-guerrilheira, ela venceu com 56,05% dos votos válidos, ainda que para isso tenha apelado para a santa padroeira do Brasil. Dentre suas várias aparições performáticas, esteve no santuário de Aparecida na véspera do dia 12 de outubro, onde declarou que passou a ter uma “devoção especial por Nossa Senhora

a Fundação João Paulo II, responsável pelo gerenciamento de todos os recursos técnicos e humanos da emissora. A quase totalidade de sua programação é de caráter religioso. Dados extraídos do Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Comunicação Empresarial do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da UFJF, intitulado “Jesus: um produto à venda – o Marketing Religioso no Brasil”, redigido por Dora Deise Stephan Moreira e apresentado em novembro de 2007, tendo como orientador o Prof. Dr. Paulo Roberto Figueira Leal, pertencente ao mesmo programa.

Aparecida, por circunstâncias recentes em minha vida”, numa alusão ao câncer linfático que teve anteriormente, conforme relatam Oro e Mariano (2010, p. 30).

A postura de seu principal adversário, José Serra, com quem disputou o segundo turno, não foi diferente. Só que, conforme os mesmos autores, desde o início de sua campanha ele se gabou de ser o legítimo representante do ideário cristão. “Os valores de Cristo são os meus. Eu não sou Cristão de boca de urna para agradar eleitores e no dia seguinte esquecer o assunto”. Assim como Dilma, o candidato tucano fez várias peregrinações em busca do apoio de católicos e evangélicos.

Numa dessas caravanas, Serra foi atingido por algo mais forte do que uma “bolinha de papel”110 que lhe fora arremessada durante a campanha, fato que acabou virando motivo de chacota nas redes sociais. Como relatado por Oro e Mariano, a esposa do candidato, Mônica Serra, afirmou para um evangélico em uma caminhada em Nova Iguaçu (Baixada Fluminense) que Dilma era a favor de “matar criancinhas” uma vez que já havia se posicionado favorável à descriminalização do aborto. “Mas o feitiço recaiu sobre o feiticeiro. Matéria publicada na

Folha de São Paulo, de 16 de outubro, trouxe relato de ex-aluna de Mônica Serra revelando

que a professora contara ter feito um aborto na juventude [..]”. (MARIANO; ORO, 2010, 34). Era a munição que faltava para Dilma, que soube repercutir o fato a seu favor.

No “vale tudo” de uma campanha eleitoral, como asseverado por Pedro H.B. Geraldo um fato comum é a adoção de mais de uma identidade em consonância com o público que se pretende atingir. A candidata Marina Silva (daquela vez pelo Partido Verde), membro da Assembleia de Deus (AD), apresentou durante sua campanha várias facetas: pentecostal e laica (MARIANO; ORO, 2010) e defensora do meio ambiente e messiânica (SOUZA; VILLELA, 2013).

De acordo com esses últimos autores (2013 p. 204), “embora Marina não tenha sido apresentada como a candidata apenas dos evangélicos, há marcas discursivas que atravessam os programas da candidata que remetem a uma FD111 religiosa”. A candidata cujo mote de campanha era a preocupação com o meio ambiente (segundo os autores, 52% dos programas

110O episódio ocorreu na zona Oeste do Rio de Janeiro, onde funciona o Sindicato dos mata-mosquitos – técnicos

incumbidos de combater os mosquitos a dengue, lotados na Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). Em 1999, quando Ministro da Saúde, Serra demitiu 5.700 deles, fato que contribuiu para que a epidemia da dengue se intensificasse, atingindo 45 mil pessoas no Estado do RJ e causando muitas mortes. Ao ser atingido por uma bolinha de papel feita de adesivos de campanha (na versão do Jornal Nacional teria sido um rolo de fita crepe), o candidato se fez de vítima, simulando ter sido ferido e chegando até mesmo a dar entrada em um hospital. Disponível em: http://www.conversaafiada.com.br/politica/2014/04/12/bolinha-de-papel-a-farsa-politica- desmascarada. Acesso em: 19 set. 2016.

111Formação Discursiva (FD): Aparece primeiro no texto conjunto de Pêcheux e Fuchs (1968). Pode ser definida

como uma regionalização da memória discursiva. Uma palavra pode possuir diferentes sentidos de acordo com a formação discursiva que a atravessa. (SOUSA; VILLELA, 2013, p. 199)

analisados trataram do assunto de alguma forma), deixava sempre nas entrelinhas “uma narrativa de catástrofe planetária associada à sujeira política, maculada pela corrupção [...]” (SOUZA; VILLELA, 2013, p. 199), que só poderia ser debelada por alguém com disposição para uma tarefa missionária, a qual ela se propunha.

Sua verve religiosa, no entanto, constituiu, na análise de Oro e Mariano, uma “barreira eleitoral considerável” (MARIANO; ORO, 2010, p. 22). Tanto é assim que teve que “desancar a pecha de pessoa limitada, reacionária e conservadora” (MARIANO; ORO, 2010, p. 23). Para isso, lançou mão de um discurso público em favor da laicidade, buscando mostrar que seria imparcial caso eleita112.

Com relação à questão do aborto, tema que como já dissemos esteve no epicentro da campanha, a candidata optou por defender a realização de um plebiscito sobre a descriminalização do aborto, um tema por demais espinhoso. Sobre outro ponto que também sempre vinha à tona na campanha, ou seja, a união civil de homossexuais, Marina declarou que acataria a decisão do congresso, caso fosse aprovada. Diante do exposto, depreendemos que a candidata do PV teve dificuldades de lidar com sua identidade multifacetada. Ainda assim, para Oro e Mariano (2010, p. 23), a identidade religiosa que por vezes tentou escamotear lhe rendeu dividendos eleitorais junto aos evangélicos, segmento que lhe concedeu votos em proporção superior à totalidade de sua votação. A postura ambígua e contraditória de Marina se repetiu nas eleições de 2014, que abordaremos a seguir.

3.3.8 Eleições de 2014: dois candidatos evangélicos na disputa para a Presidência da

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