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Conceitos essenciais à metodologia da AD

No documento doradeisestephanmoreira (páginas 171-175)

4. CAPÍTULO TRÊS: O IMPEACHMENT DA PRESIDENTA DA REPÚBLICA

4.1 ANÁLISE DO DISCURSO (AD) – DESCRIÇÃO DO MÉTODO

4.1.3 Conceitos essenciais à metodologia da AD

Dentre os conceitos fundamentais para o entendimento e aplicação da AD, destacamos o de Formação Discursiva (doravante FD). O termo aparece pela primeira vez em 1969, na obra

Arqueologia do Saber, de Michel Foucault, porém fora do domínio da AD. (COURTINE, 2014,

p. 69). Segundo Benetti (2007), as FDs consistem em regiões de sentidos que se circunscrevem a um limite interpretativo que, por sua vez, exclui tudo aquilo que tornaria inválido aquele determinado sentido. Dessa forma, a área de interpretação é limitada aos sentidos nucleares.

Em suma, uma FD é fornecida pelas sequências discursivas. Importante ressaltar, com base na autora, que uma FD está estreitamente vinculada a uma formação ideológica, sendo que nenhum outro sentido poderia ser construído. Nos dizeres de Fuchs e Pechêux, ela “funciona como ‘matriz’ para a produção do sentido e determina o que pode e deve ser dito a partir de

uma posição dada numa conjuntura histórica determinada” (FUCHS; PECHÊUX apud ZOPPI- FONTANA, 1997, p. 38).

A identificação das FDs constitui, portanto, um passo primordial na AD. É a partir desse trabalho de localização das marcas discursivas que se torna possível o desenvolvimento dessa metodologia, sendo que é necessário ressaltar aquelas que representam o “sentido rastreado” de maneira mais significativa. Benetti (2007) ressalta que em AD não bastam as impressões sobre o texto a ser analisado, o que significa que o pesquisador deve construir um quadro de FDs.

Outro conceito fundamental na AD diz respeito às Condições de Produção (doravante CP). Como asseverado por Orlandi (2005, p. 30), “os sentidos não estão só nas palavras, nos textos, mas na relação com a exterioridade, nas condições que eles são produzidos e que não dependem só das intenções dos sujeitos”. A autora acrescenta que as CPs abrangem fundamentalmente os sujeitos e a situação, compreendendo também a memória.

Em sentido estrito, as CPs equivalem às circunstâncias de enunciação do discurso, ao contexto imediato. Já em um sentido mais ampliado, elas abrangeriam o contexto sócio- histórico e ideológico. E como mencionado acima, outro elemento importante é a memória discursiva tratada como interdiscurso, segundo Orlandi (2005). Em sua concepção, seria o “pré- construído, o já dito”.

Interdiscurso e intradiscurso são dois conceitos também fundamentais para entender a AD. De forma a melhor explicitar o primeiro, nos termos de Orlandi seria aquilo que “fala antes, em outro lugar, independentemente”. Conforme a autora, “o interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em uma determinada situação discursiva”. (ORLANDI, 2005, p. 31, grifos nossos).

Recorrendo a Jean-Jacques Courtine (1984), Orlandi toma como referência dois eixos: o vertical e o horizontal, respectivamente interdiscurso e intradiscurso. O primeiro diz respeito a “todos os dizeres já ditos – e esquecidos – em uma estratificação de enunciados que, em seu conjunto, representa o dizível” (ORLANDI, 2005, p. 32-33). Em outras palavras, pode-se dizer que se refere à historicidade trazida pelo discurso.

A título de ilustração, em uma brilhante análise de discurso feito por Mônica Zoppi- Fontana, ao analisar o discurso proferido pelo presidente argentino Raúl Alfonsin, na Argentina (1983)187, destaca que, não sem razão, o político escolheu a Plaza de Mayo, local que representa

187A análise do discurso de posse de Raúl Alfonsin, bem como outros discursos do ex-presidente argentino, cujos

motes principais foram ao longo de seu mandato a democracia e a modernização, podem ser melhor conhecidos no livro intitulado “Cidadãos modernos: discursos e representação política”, mesmo título da tese de doutorado defendida por Mônica Zoppi-Fontana no Brasil, na Universidade de Campinas – Unicamp, sob a orientação do professor daquela instituição, Eduardo Guimarães.

o mito fundante daquela nação cujos movimentos pela independência começaram naquele local, em 1810188. Depois de sete anos de ditadura militar, aquele lugar representaria simbolicamente o renascimento da democracia. Vale ressaltar que durante o discurso, por diversas vezes Alfonsin fez remissão ao passado, buscando resgatar a memória do povo argentino. Como descrito pela pesquisadora argentina: “Assim, o 10 de dezembro de 1983 participa da aura mística do dia em que se iniciou a história da pátria, da Pátria Argentina” (ZOPPI-FONTANA, 1997, p. 72-73, grifos da autora).

Já o intradiscurso, que representa o eixo horizontal, seria aquilo que está sendo dito naquele momento, em uma condição dada. Ao se reportar a esses dois conceitos, Jean Jacques- Courtine assinala que a AD:

não pode ceder nem para um nem para outro, uma vez que está compreendida entre o real da língua e o real da história. [...] Seria estranho que os analistas do discurso fossem os últimos a saber da conjunção existente entre a cegueira quanto à história e a surdez quanto à língua nos que diz respeito a seus objetos e suas práticas (COURTINE, 2014, p. 26).

Além do interdiscurso e do intradiscurso, são também fundamentais para a AD os conceitos de paráfrase e polissemia. De acordo com Orlandi, os processos parafrásicos são aqueles que “em todo dizer há algo que se mantém, isto é, o dizível, a memória. A paráfrase representa o retorno aos mesmos espaços do dizer” (ORLANDI, 2005, p. 36).

Se a paráfrase está do lado da estabilização, já a polissemia pressupõe deslocamento, ruptura de processos de significação. Ela joga com o equívoco. (ORLANDI, 2005, p. 36, grifos nossos). Como nos dizeres de Pechêux, “não há ritual sem falha, desmaio ou rachadura”. (PECHÊUX apud ZOPPI-FONTANA, 1997, p. 55).

Conforme Orlandi, todo discurso é tecido a partir dessa tensão entre paráfrase e polissemia, entre o mesmo e o diferente. E “é nesse jogo entre paráfrase e polissemia, entre o mesmo e o diferente, entre o já dito e o a se dizer que os sujeitos e os sentidos se movimentam, fazem seus percursos, (se) significam” (ORLANDI, 2005, p. 36). A autora chama atenção para o fato de que todo discurso traz em seu bojo a incompletude, condição intrínseca à linguagem. Nenhum discurso é pronto e acabado, podendo ser comparado a um processo ininterrupto. “Quando nascemos os discursos já estão em processo e nós é que entramos nesse processo. Eles não se originam em nós”. (ORLANDI, 2005, p. 35).

188 Embora tenham começado na Plaza de Mayo, em 1810, os movimentos pela independência da Argentina, país

Ao se utilizar da paráfrase e da polissemia, o discurso engendra “um movimento constante do simbólico e da história” (ORLANDI, 2005, p. 37). Nas palavras de Michel Foucault, “a contradição funciona, então, ao longo do discurso como o princípio da historicidade” (FOUCAULT apud COURTINE, 2014, p. 27). Portanto, é condição si ne qua

non da existência dos sujeitos e dos sentidos se constituírem nessa relação permanente de

tensão, de contradição, entre paráfrase e polissemia. É daí que irrompem sentidos diferentes. Outro conceito bastante caro à AD é o do esquecimento – ou apagamento. Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que esquecer, na acepção que Orlandi trabalha, não significa deixar de lembrar, e sim deixar de lado. Trata-se de um processo semiconsciente os esquecimentos dos sentidos.

Orlandi distingue dois tipos de esquecimento presentes no discurso. O primeiro seria da ordem da enunciação e consiste em que “ao falarmos, o fazemos de uma maneira e não de outra, e, ao longo do nosso dizer, formam-se famílias parafrásicas que indicam que o dizer sempre poderia ser outro”. O segundo tipo refere-se mais ao esquecimento ideológico.

Para finalizar, faz-se necessário definir outros termos muito afeitos à AD, ou seja, enunciação, locutor e enunciador (ou sujeito enunciador, como prefere alguns autores). Em AD, a enunciação deve ser descrita em relação ao sujeito enunciador. Nesse sentido, ela pode ser definida como sendo “os mecanismos imaginários que, apoiados em diversas formas de língua, constituem como ego imaginário, isto é, como fonte e origem dos enunciados e como centro autônomo e indiviso de uma vontade comunicativa” (ZOPPI-FONTANA, 1997, p. 39, grifo da autora).

De acordo com Benetti (2007), o locutor é o sujeito que fala e se apresenta como responsável pelo enunciado, mesmo não sendo ele próprio o autor do mesmo. Também pode ser chamado de sujeito da enunciação. (ZOPPI-FONTANA, 1997; COURTINE, 2014) Já o enunciador é aquele que fornece determinado ponto de vista para a narração dos acontecimentos. A autora explicita que o enunciador, portanto, pode ser entendido como “a perspectiva a partir da qual é feito determinado enunciado” (BENETTI, 2007, p. 4).

A argentina Zoppi-Fontana (1997) distingue o sujeito da enunciação do sujeito enunciador, explicando que o primeiro seria o locutor meramente. Dito de outra forma, o sujeito físico, o homem comum. Já o sujeito enunciador seria “o locutor-enquanto-pessoa no mundo”. Traduzindo, o homem político. No caso específico de sua análise acerca dos discursos do ex- presidente argentino Raúl Alfonsin, os dois sujeitos se encontram.

Por último, é preciso salientar que todo discurso é destinado a alguém. Tomando de empréstimo o esquema da teoria da informação, teríamos o destinador (A) e o destinatário (B),

sendo que o primeiro emite uma sequência verbal para o segundo. Mais comumente, em comunicação se usa o termo mensagem. Haquira Osakabe assinala que no caso específico da AD – como o próprio nome já diz – só cabe a palavra discurso, uma vez que a sequência verbal emitida de A para B não é meramente informativa, “mas abarca, além do ‘efeito de sentido’ pensado por M. Pechêux, uma relação de intersubjetividade”. (OSAKABE, 1999, p. 53).

Selecionamos alguns conceitos que são fundamentais para uma melhor compreensão da AD e que estão presentes na maioria dos autores especialistas na metodologia, sendo que podem usar termos não exatamente iguais, mais similares. No decorrer de nossa análise, podem surgir outras expressões novas ou mesmo já relacionadas, mas que recebem outro nome conforme o autor. Sobre estas, procuraremos elucidar no corpo do texto ou em nota de rodapé, de modo a assegurar o entendimento das mesmas

Diante de tudo que expusemos acerca da AD, esperamos ter deixado claro tratar-se de uma metodologia apropriada para analisar discursos políticos, razão pela qual a escolhemos para nos debruçar em nosso corpus discursivo, constituído pelos discursos proferidos pelos parlamentares da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), durante o episódio da admissibilidade do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 7 de abril de 2016, na Câmara dos Deputados.

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