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3.2 Parte I Modelos de Signos

3.2.1 Capítulo 3 A confusão babilônica

O entendimento que a autora tem do conceito de signo é exposto nesse capítulo, intitulado ŞThe Babylonian ConfusionŤ (ŞA Confusão BabilônicaŤ, citando Nöth (1990), p. 93). Fortemente baseada no ŞHandbook of SemioticsŤ3 (NÖTH, 1990), apresenta dois modelos de signo Ůo diádico e o triádicoŮ em sua evolução histórica. Mostra-nos as primeiras deĄnições de signo para cada modelo ŮŞaliquid stat pro aliquoŤ, Şalgo que está em lugar de algoŤ para o modelo diádico, e a ideia de Şobjeto real ≺ ideia ≺ rótuloŤ para o modelo triádicoŮ e ao Ąnal escolhe as nomenclaturas determinadas pelos modelos de Saussure (diádico) e Peirce (triádico) para desenvolver o tema do capítulo, que é Şestabelecer uma hipótese para resolver essa confusão babilônica através da análise dos signos em programas de computadorŤ (TANAKA-ISHII, 2010, p. 29). A autora pretende entender como os dois modelos são relacionados, pois tal entendimento Şpromove uma melhor compreensão de cada modelo e também das funções universais de cada um dos relatos [do signo em cada modelo]. Acima de tudo, leitores provenientes de um domínio relativamente formal duvidariam do impacto da semiótica se um conceito tão fundamental quanto a modelagem do signo for deixado indeterminadoŤ (p. 28-29). Esse incômodo com a ausência de um modelo uniĄcado parece motivar a autora, também ela proveniente de um domínio Şrelativamente formalŤ.

Prossegue apresentando as hipóteses nas quais se pode estabelecer relações entre o modelo diádico e o triádico, assumindo que em ambos os modelos o signo em si (ŞrótuloŤ segundo ela) tem a mesma ŞdimensãoŤ, que corresponde ao signiĄcante em Saussure e o representamen em Peirce. Os relatos restantes teriam correspondência de acordo com uma de três hipóteses: o signiĄcado em Saussure corresponde ao objeto em Peirce; ou

3 Trata-se de uma obra que almeja o Şobjetivo aventureiro de um levantamento topográĄco das principais

áreas de semiótica teórica e aplicadaŤ (NÖTH, 1990, p. ix). Um texto, em nossa opinião, mais adequado à orientação de pesquisas adicionais do que à compreensão conclusiva do assunto.

ao interpretante; ou a ambos. De acordo com ela, numa hipótese ŞtradicionalŤ, tanto Umberto Eco quanto Ůincorretamente, em nossa opiniãoŮ Winfried Nöth (citando Nöth (1990), p. 59) indicam que a correspondência entre os dois modelos é a de que o signiĄcado em Saussure corresponde ao interpretante em Peirce, e que o objeto em Peirce não tem correspondência no modelo de Saussure. Essa conclusão é reforçada por uma citação de Eco, que aĄrma que Şobjetos não são levados em conta na linguística de SaussureŤ (ECO, 1979 apud TANAKA-ISHII, 2010, p. 30). O trabalho ilustra a hipótese tradicional como na Figura 4.

Figura 4 Ű Relacionamento entre os modelos diádico e triádico, conforme Tanaka-Ishii (2010, p. 31) significante significado objeto interpretante representamen

Diádico (Saussure)

Triádico (Peirce)

A seguir a autora apresenta uma ŞnovaŤ hipótese, na qual se vale da distinção entre o objeto dinâmico e o objeto imediato em Peirce. Para ela, o objeto imediato corresponde à representação mental de uma entidade no mundo real, entidade essa que seria o objeto dinâmico. Então, propõe que a correspondência entre os dois modelos se dê de forma que o signiĄcado no modelo de Saussure corresponda ao objeto imediato no modelo de Peirce, e o signiĄcante em Saussure corresponda ao representamen em Peirce. Para determinar o papel do interpretante de Peirce na nova teoria, a autora se aprofunda na semiótica peirceana para descobrir que o interpretante tem um papel crucial na produção da semiose, que é Şchamar outros signos que evocam interpretantes, que chamam outros signos, e assim por diante, levando a semiose inĄnitaŤ (TANAKA-ISHII, 2010, p. 33). Citando Peirce (CP 8.184, 1909), aĄrma que ŞPeirce explica o interpretante com respeito ao termo

interpretaçãoŤ e assim Şo interpretante serve para evocar a interpretação de signos na

forma de semiose, e esta função está incluída no modelo de signo de PeirceŤ. E o que precisa ser esclarecido a seguir, segundo o texto, é como tal interpretação se situa na ĄlosoĄa de Saussure; e aqui chega ao conceito saussureano de diferença, para concluir que para Saussure os signiĄcados (meaning) dos signos existem no sistema total da linguagem, e, portanto, é Şprovável que no modelo de Saussure o uso do signo não esteja incorporado no

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modelo de signo mas existe como um valor holístico dentro do sistemaŤ (TANAKA-ISHII, 2010, p. 33). E, Ąnalmente, para veriĄcar se sua hipótese é mais acurada que a tradicional, propõe que analisemos o caso concreto dos signos computacionais.

O ponto que a autora quer ilustrar é como os identiĄcadores são usados em ambos os programas-exemplo, ilustrados pela Figura 2 na página 46 e pela Figura 3 na página 48, lembrando-nos que o nível semântico dos identiĄcadores é considerado na obra em termos de sua deĄnição e uso dentro de um programa. Segundo ela, os dois programas são muito diferentes. No programa em Haskell (Figura 2) as funções para cálculo da área das formas são deĄnidas fora das deĄnições dos dados das formas, ao passo que no programa em Java (Figura 3) essas funções estão encapsuladas dentro de cada classe. Segundo o trabalho, a questão a ser endereçada é a localização do cálculo da área. No programa em Haskell, ela está localizada na função, separada da deĄnição do dado, ao passo que no programa em Java esta deĄnição pertence à classe de dados de cada forma. Prossegue observando que essa diferença aparece também no uso da função para calcular as áreas das formas. Na linha 15 da Figura 2 (programa em Haskell) esse uso é dado pela expressão Ś(area s)Š, ou seja, a função que toma cada uma das formas como argumento4. No programa em Java (Figura 3), esse uso aparece na linha 26 como Śs.area()Š, e trata-se do uso de uma função Ůsem argumentoŮ que pertence à classe ŚsŠ. A autora explica que no paradigma funcional (aqui representado pelo programa em Haskell) os programas são descritos por expressões funcionais, ou seja, funções Ůque são o mapeamento de um conjunto de entrada para um conjunto de saída. Aqui as principais entidades são as funções, e as deĄnições de dados permanecem mínimas. Já no segundo programa, em Java, as principais entidades são objetos, ou seja, tanto dados quanto funcionalidades são empacotados juntos nas classes que instanciam os objetos. As deĄnições de dados contém o máximo relacionado a eles, já que os cálculos são incorporados à deĄnição.

A autora revela que essas formas de lidar com os identiĄcadores os caracteriza de acordo com dois tipos: um, que chama de ŞdiádicoŤ, e representa (Şstands forŤ) ou funções ou dados. O outro, chamado ŞtriádicoŤ, representa tanto funções quanto dados. Na programação funcional, todos os identiĄcadores são diádicos, ao passo que em programas que seguem o paradigma orientado a objetos aparecem identiĄcadores tanto diádicos quanto triádicos. Dá exemplos deste caso no programa em Java (Figura 3), no qual os identiĄcadores ŚareaŠ nas linhas 4 e 13 são diádicos na medida em que representam apenas um procedimento, ao passo que os identiĄcadores ŚShapeŠ, ŚRectangleŠ, ŚEllipseŠ e ŚCircleŠ nas linhas 1, 7, 11 e 16, respectivamente, os nomes das classes são triádicos uma vez que representam tanto dados quanto funcionalidades.

A relação entre os identiĄcadores diádicos e triádicos e os respectivos modelos

de signo é apresentada no texto como segue, iniciando pela relação entre o paradigma funcional e o modelo diádico de signo:

Um signo no modelo diádico tem um signiĄcante e um signiĄcado. Porque todos os identiĄcadores diádicos consistem de um nome e seu conteúdo, o nome provavelmente corresponde ao signiĄcante e o conteúdo corres- ponde ao signiĄcado. Por exemplo, na Figura 2 o nome ŚRectangleŠ é considerado um signiĄcante, representando as características dos dados de dois ŚDoubleŠs, o signiĄcado. Através do nome ŚRectangleŠ o conjunto de características (i.e., a largura e a altura) é coletado. Tal correspondên- cia entre signiĄcante e signiĄcado também vale para identiĄcadores que representam funções: o nome da função ŚareaŠ é um signiĄcante tendo um procedimento de mapeamento como signiĄcado.

Esse identiĄcadores são usados por outros signos dentro do programa. Por exemplo, as formas representadas pelo signo ŚsŠ são usados pela função ŚareaŠ. Notem que essa relação entre ŚRectangleŠ e ŚareaŠ não é conhecida a partir da posição do ŚRectangleŠ (linha 1). Ao invés, é a função ŚareaŠ que sabe que tem um ŚRectangleŠ como argumento (linha 5). Esse fato adiciona signiĄcado [meaning, no original] ao signo ŚRectangleŠ. Portanto, no paradigma funcional, identiĄcadores adquirem signiĄcado [meaning] adicional pela forma como são usados, mas isso é externo à representação do identiĄcador.

Como na teoria de Saussure, então, diferença no uso tem um papel importante. [. . . ] Em outras palavras, identiĄcadores diádicos adquirem signiĄcado [meaning] a partir do uso, que é localizado externamente a seu conteúdo (TANAKA-ISHII, 2010, p. 36).

Um raciocínio semelhante é apresentado por ela para associar o paradigma orientado a objetos ao modelo triádico de signo:

Um signo no modelo triádico tem um representamen, um objeto, e um in- terpretante. Uma vez que todos os identiĄcadores triádicos no paradigma orientado a objetos consistem de um nome, dados e funcionalidades, estes se prestam à comparação com os relatos do modelo triádico de signo. Por exemplo, na Figura 3, um ŚShapeŠ como representamen representa dois ŚdoubleŠs (decimais), ŚheightŠ e Świdth, e a função ŚareaŠ, que se aplica aos dados. A parte dos dados constitui o conceito do quê uma forma é, em termos de possuir uma largura e uma altura, então é a provável constituinte do objeto imediato na terminologia de Peirce. Essa parte não pode ser um interpretante porque não evoca nenhuma semiose. Ao invés, a semiose é evocada pelas funções que pertencem a cada classe. A função ŚareaŠ utiliza multiplicação no seu cálculo, desse modo gerando um processo sígnico adicional. Além disso, a aplicação de uma função é análoga à interpretação porque a área do retângulo pode ser considerada como uma interpretação do retângulo. Assim, as funções deĄnidas den- tro de uma classe são consideradas interpretantes. Isso encaixa com a geração de semiose no modelo de Peirce, que requer apenas informação local incorporada dentro do modelo de signo e não requer todo o sistema da linguagem. O fato de que cada classe tem informação a respeito de sua funcionalidade difere do caso diádico, no qual é a função que sabe qual dado manipular (TANAKA-ISHII, 2010, p. 37).

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Prossegue comparando o modelo diádico Ůno qual diferentes usos atribuem signiĄcado adicional aos identiĄcadores diádicosŮ com o paradigma orientado a objetos, no qual o signiĄcado deve ser incorporado dentro da deĄnição do identiĄcador a partir do início: tudo o que adiciona signiĄcado a um identiĄcador deve fazer parte de sua deĄnição.

O capítulo termina com a autora revisitando a Şconfusão babilônicaŤ, na qual a correspondência entre os modelos de signo diádico e triádico é retomada à luz da discussão Figura 5 Ű A nova hipótese de relacionamento entre os modelos diádico e triádico aplicada

ao signo ŚRectangleŠ, traduzido e adaptado de Tanaka-Ishii (2010, p. 39)

significante

significado

interpretante objeto imediato

representamen

Diádico (Saussure)

Triádico (Peirce)

Rectangle

area

width, height

area

sistema da linguagem

anterior. A correspondência proposta pela autora pode ser resumida nos seguintes pontos, conforme ilustrado na Figura 5:

∙ O signiĄcante em Saussure corresponde ao representamen em Peirce. ∙ O signiĄcado em Saussure corresponde ao objeto imediato em Peirce.

O interpretante em Peirce está alocado no uso que aparece na diferença de Saussure como outro signiĄcado de um signo. No modelo de Peirce, o uso de um signo é representado como um interpretante, e a semiose é gerada pela chamada a um interpretante anexado ao próprio signo. No modelo de Saussure, de qualquer modo, a semiose é gerada por um signo sendo usado por um outro signo, que é usado por outro signo, e assim por diante.

O capítulo conclui aĄrmando que, na medida em que sua hipótese é correta, o modelo de Peirce é compatível com o de Saussure, e o modelo de Saussure pode ser obtido quando o interpretante de Peirce é localizado fora do modelo de signo mas dentro do sistema da linguagem. E consequentemente os modelos diádico e triádico são compatíveis, ambos aparecendo no sistema artiĄcial de signos dos programas de computador. O sumário do capítulo entra em detalhes sobre a estrutura do livro, e apresenta a terminologia que usará ao longo do livro, apresentada na Tabela 1.

Tabela 1 Ű Nomenclatura de Tanaka-Ishii para os relatos do signo

Saussure (diádico) signiĄcante signiĄcado valor holístico Peirce (triádico) representamen objeto imediato interpretante Termos no livro signiĄcante conteúdo uso

Fonte: traduzido e adaptado de Tanaka-Ishii (2010, p. 41)