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“... eu sou um admirador das unidades aristotélicas... Não sei se você se lembra, mas a Pedra do Reino, em si, ela dura um dia. É uma unidade de tempo, não é? É o tempo de narração, porque o tempo de narração dele ao corregedor passa-se num dia só. Quando ele sai do depoimento ao corregedor a noite está começando a cair.19

CATEGORIAS DO TRÁGICO

Aristóteles ao estudar os tragediógrafos, mencionados anteriormente, formulou diversos conceitos, dentre eles podemos destacar: katharsis, harmatia, peripeteia, hybris, anagnorisis, unidade, e verossimilhança. A utilização e recorrência desses conceitos no Romance d’ A Pedra do Reino acontece tanto no plano do enunciado quanto no plano da enunciação. Aristóteles defendia que a tragédia consiste na imitação de uma ação completa, ou seja, ela deve possuir princípio, meio, e fim, e ter na catarse o seu objetivo final. O conceito de catarse é, todavia, bastante discutido entre diversos autores, uma vez que Aristóteles não explicou de forma clara e objetiva a sua definição na Poética.

Na Poética, Aristóteles utiliza o termo katharsis ( ά α ),20 na versão transcrita para a língua portuguesa do referido trecho, traduzido por Eudoro de Souza,21 encontramos o seguinte esclarecimento:

É pois a Tragédia imitação de uma ação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes [do drama], [imitação que se efetua] não por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o “terror e a piedade”, tem por efeito a purificação dessas emoções. (1449b, 25-28)

Em outra edição transcrita para a língua portuguesa, em sua introdução feita por Goffredo Telles Júnior, podemos ter uma rápida noção da divergência mencionada anteriormente:

19 Cit. Entrevista.

20 O termo katharsis aparece uma única vez no texto da Poética.

A catarse tem dado que fazer aos comentadores, porque Aristóteles quase não se explicou sobre o sentido do vocábulo. Emprega-o na Política (1341, Livro VIII, cap. VII, 4), anteriormente à composição da Arte Poética. ‘Dizemos não se deve empregar à música para um só fim (ação imediata, afrouxamento e diversão), mas é necessário fazê-la servir à educação e à purificação. O que entendemos por purificação, dizemo-lo em poucas palavras, pois nos explicaremos mais em pormenor, quando dela nos ocuparmos na Poética. Continua dizendo, a propósito dos estados apaixonados, tais como o entusiasmo, que depois de ouvir uma deliciosa música que as liberta de um delírio sagrado, estas almas se acalmam, como se encontrassem uma espécie de cura e de purificação[...], e se sentem aliviadas agradavelmente: O mesmo acontece com as almas presas de compaixão ou de terror ou de outra [...] paixão. Assim os cantos que purificam a alma causam em nós um encanto sem perigo (TELLES JUNIOR apud ARISTÓTELES, s/d, p.234).

Segundo Aristóteles, o temor e a piedade são mecanismos de “purificação”. Por conseguinte, a “purificação” (ou até mesmo purgação) seria a finalidade para qual toda a ação converge. Além de defender que a tragédia consiste numa ação completa, também defendia aspectos estéticos de como deveria ser a fábula. O filósofo esclarece que a criação da fábula não deveria dar-se ao acaso, haveria normas a serem seguidas. Ao descrever sua noção de como deveria se compor a fábula, Aristóteles também indica o seu ideal de estética, priorizando o modelo de classificação e formativo como mote de suas assertivas. Em suas palavras,

Para que as fábulas sejam bem compostas, é preciso que não comecem nem acabem ao acaso, mas que sejam estabelecidas segundo as condições indicadas. Além disso, o belo, num ser vivente ou num objeto composto de partes, deve não só apresentar ordem em suas partes como também comportar certas dimensões. Com efeito, o belo tem por condições uma certa grandeza e a ordem. Pelo qual motivo, um ser vivente não pode ser belo, se for excessivamente pequeno (pois a visão é confusa, quando dura apenas um momento quase imperceptível), nem se for desmedidamente grande (neste caso o olhar não abrange a totalidade, a unidade e o conjunto escapam a vista do espectador, como seria o caso de um animal que tivesse de comprimento dez mil estádios). Donde se infere que o corpo humano, como o dos animais, para serem julgados belos, devem apresentar uma certa grandeza que torne possível abarcá-los com o olhar; do mesmo modo as fábulas devem apresentar uma extensão tal que a memória possa também retê-las. (1451a, Livro VIII)

Em uma primeira leitura, poderíamos afirmar que o Romance d’ A Pedra do Reino rompe completamente com as propostas aristotélicas de unidade. Contudo, se observarmos mais atentamente, por trás da estrutura narrativa, dilatada e extensa, dos acontecimentos, percebe-se que há não só a unidade de tempo, mas também de lugar e ação. O romance inicia com a narração de Pedro Dinis Quaderna que se encontra na cela de uma cadeia

depois de tudo já ter acontecido: “Daqui de cima, no pavimento superior, pela janela gradeada da Cadeia onde estou preso, vejo os arredores da nossa indomável Vila sertaneja” (SUASSUNA, 2007, p.31).

Todos os deslocamentos presentes na narrativa ocorrem por meio da palavra do personagem, o que cria uma aparência e ilusão de rompimento com a unidade, contudo os acontecimentos são evocados, através do recurso in medias res. No que diz respeito à unidade de tempo, observamos que essa é a que mais cumpre o modelo aristotélico; os acontecimentos narrados e evocados por Quaderna passam-se, ao longo das 742 páginas que compõem a 9ª edição do romance, em apenas um dia. A ação na obra de Suassuna inverte a sequência convencional início, meio e fim, o que dificulta sustentar uma unidade de ação na obra. Entretanto, a ação do protagonista ocorre no plano da memória, seu encadeamento não faz uma clara distinção entre passado, presente e futuro, fato que requer localizar a permanência do romance dentro dos moldes narrativos. Esse fator é determinante, pois caso a obra deixasse o plano da evocação para o da apresentação dos fatos, exigir-se-ia a contração dos acontecimentos, ruptura com o tempo distendido do épico. Talvez, Ariano Suassuna rompa com a unidade de ação para preservar as demais unidades dentro do espaço narrativo. Lembremos que, após o término do inquérito, Quaderna se dirige para sua casa a fim de descansar para mais um dia de sabatina. Em outras palavras, é um fim ambíguo que contraria Aristóteles quando o autor alega que a tragédia deve possuir um fim único e não duplo. Na obra, o diálogo entre o Corregedor e Quaderna demonstra a ruptura com a receita aristotélica:

Ótimo! Teremos, então, oportunidade de continuar, aqui, esta nossa conversa, tão interessante, tão cheia de sugestões e revelações! O inquérito continua aberto e em suspenso, de modo que, pelo menos por enquanto sua Obra ficará assim, em suspenso e aberta, dependendo sempre de novos depoimentos que o senhor nos prestar. Talvez, até, ela dure o resto de sua vida e nunca chegue a terminar, de acordo com o teor do que o senhor tiver para nos dizer! – disse ele com um sorriso cruel, que me deixou terrificado. – Até amanhã, então! Espero o senhor aqui, na mesma hora! E, para seu próprio bem, não fale nada do que eu lhe perguntei nem do que o senhor me disse, a pessoa nenhuma! Escute o que eu estou lhe dizendo: se eu souber que você de qualquer maneira que seja, delatou qualquer coisa do que se passou aqui, o senhor será imediatamente demitido e preso! Até amanhã! (SUASSUNA, 2007, p. 737)

Cabe atentar para a forma como Ariano Suassuna trabalha o diálogo, colocando todos os trechos em forma narrativa. O uso dos travessões que indicam a mudança de fala das

personagens são dispostos em uma sequência linear, apontando e lembrando ao leitor que embora ele esteja frente a um diálogo, o que deve permanecer é a evocação narrativa. O poeta,22 segundo Aristóteles, retomando aqui o que já foi dito anteriormente, não tem obrigação de narrar exatamente o que aconteceu, mas o que poderia ter acontecido, o poeta deve mostrar um mundo de possibilidades, um mundo verossímil que, obviamente, não deve ser confundido com o mundo real. Desta forma, o filósofo entende que a tragédia mais bela é aquela cuja composição é complexa, ou seja, aquela em que os fatos imitados, por ela, são capazes de provocar o medo e a piedade. Essa piedade surge no leitor/espectador ao ver que o herói foi injustamente infortunado. Acerca dessa compaixão, Aristóteles exemplifica:

Se um inimigo mata o outro, quer execute o ato ou o prepare, não há aí nada que mereça compaixão, salvo o tratamento recebido, considerado em si mesmo; o mesmo se diga de pessoas entre si estranhas. Mas, quando os acontecimentos se produzem entre pessoas unidas por afeição, por exemplo, quando um irmão mata o irmão, ou um filho o pai, ou a mãe o filho, ou um filho a mãe, ou está prestes a cometer esse crime ou outro idêntico, casos como estes são os que devem ser discutidos. Nas fábulas consagradas pela tradição, não é permitido introduzir alterações. Digo, por exemplo, que Clitemnestra deverá ser assassinada por Orestes e Erífila por Alcméon, mas o poeta deve ter inventiva e utilizar o melhor que puder estes dados transmitidos pela tradição” (1453b, Livro XIV, 15-25).

A verdadeira tragédia, conforme os moldes aristotélicos, deve possuir um fim único, não duplo. A trajetória do herói deve se dar de forma que a sua felicidade se transforme em um infortúnio, contudo esse infortúnio não deve ser ocasionado pela perversidade, mas sim por um erro grave que foi capaz de deflagrar o trágico. A esse erro, Aristóteles dá o nome de harmatia. Para que exista o trágico, para que ele seja um motivo de discussão na polis, para que o trágico consiga provocar a kátharsis, é indispensável que haja a harmatia. Sandra Luna ressalta que os gregos colocam o trágico como uma consequência da hamartia, do erro involuntário. Acerca disto, Sandra Luna ressalta:

Considere-se, por exemplo, como no teatro grego o ‘erro trágico’ não raramente se manifestava como erro intelectual, involuntário, equívoco, falta de discernimento - ato irreparável, sim, mas isento de conotações moralizantes. A crença em noções de fatalidade, destino e a presença de um pantheon divino em seu universo trágico convergiam para permitir que os gregos enquadrassem erros humanos sob outras perspectivas que não a dos desvios morais. Não foi por acaso que Aristóteles aprendeu a harmatia – erro involuntário – como elemento essencial a uma tragédia perfeita: enquanto "erro", a harmatia indicia um agente a responder pela catástrofe que arruina seu universo; sendo, contudo, ‘erro involuntário’, atenua-se, senão a responsabilidade, certamente a

culpa do agente sobre a sua ‘ação’. Construída a ‘ação’ como uma relação de causa e efeito que conduz ao trágico, a harmatia produz uma instância de tragicidade altamente comovente, complexa e eficaz porquanto, embora o trágico aí se apresente como evento racionalmente explicável (há um erro que conduz ao trágico), as consequências do erro parecerão imerecidas (há um agente do erro, um responsável pela catástrofe, mas não exatamente um ‘culpado’).É justamente nesse descompasso entre erro e culpa que o sentimento do trágico se instala com maior efetividade. (LUNA, 2005, p.31) Sustentando a ideia da hamartia como consequência da ausência de sofrosyne ( ωφ ο ύν )23, podemos exemplificar aqui a harmatia contida em Édipo Rei, de Sófocles. Na referida obra, sabemos que o rei Édipo toma conhecimento que a peste em Tebas é decorrente de um crime que se encontra impune, crime de um filho que havia matado o próprio pai e se casado com a própria mãe. Ao ser consultado, o adivinho Tirésias esclarece a Édipo que ele mesmo era o autor de tal crime. Édipo no auge de sua intransigência exige que Tirésias lhe traga provas e, tão seguro de sua inocência, determina que o criminoso será punido com o exílio da polis. Podemos observar assim a imprudência, o erro irrefletido, ou melhor: a harmatia de Édipo. Quando as provas vieram à tona, tamanho era o sofrimento de Édipo que ele decidiu furar seus próprios olhos e cumprir sua própria sentença, o exílio.

Conforme podemos constatar, a história, brevemente narrada acima, está de acordo com o que Aristóteles formulou no que concerne ao fato de toda tragédia ter um único fim, não duplo, também a reafirmação de que só há tragédia de fato quando o herói declina da fortuna para o infortúnio, da “dita” para a “desdita”.

Apesar do “horror” representado em cena, o horror não constitui um artifício utilizado unicamente pela tragédia, a comédia também se utiliza dele. A diferença, porém, é que o “horror” na comédia é rebaixado à categoria de “ridículo”, buscando assim provocar o riso; a kátharsis “distanciada”. Para Cleise Mendes (2008), diferente da catarse convencional que busca atingir a plateia pelo envolvimento desta com a trama representada no palco, a catarse distanciada busca atingir a plateia através do não envolvimento emocional com a trajetória do personagem em cena. Já na tragédia, esse horror é o principal mecanismo que desencadeia a kátharsis pela aproximação do espectador com o desfecho trágico do herói. Podemos concordar com Aristóteles quando ele diz que o “feio” na comédia não tem objetivo de gerar o sofrimento.

Dentre os diversos elementos que contém a obra trágica, dois deles merecem destaque

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neste capítulo, a saber: Unidade e Verossimilhança. Já sabemos que para Aristóteles a fábula precisa ter unidade de ação, ou seja, a ação precisa ter começo, meio e fim. O filósofo acrescenta que a fábula para ser bem composta precisa que não comece ou termine ao acaso, ela precisa ter um fim único e não duplo, e também precisa ser composta em partes, devendo apresentar ordem entre essas partes. A fábula, segundo Aristóteles, precisa comportar certa grandeza e ordem, não deve ser excessivamente grande ou excessivamente pequena. No que concerne ao ideal estético, Aristóteles entendia que a beleza de um determinado ser era composta em partes, estas partes deveriam compor a beleza de um “todo”. Para melhor entendermos o que defende Aristóteles, citemos o exemplo do corpo humano: um braço isolado não pode ser considerado belo, sua função é compor um “todo” (corpo humano) que é belo por ser composto pela criação das partes unidas.

Como podemos observar Aristóteles “transplanta” seu ideal estético para discorrer acerca dos aspectos formativos da obra trágica. Em sua Poética podemos ter noção de como o seu entendimento sobre o Belo reverbera em suas constatações sobre a produção literária dos tragediógrafos:

Para que as fábulas sejam bem compostas, é preciso que não comecem nem acabem ao acaso, mas que sejam estabelecidas segundo as condições indicadas. Além disso, o belo, num ser vivente ou num objeto composto de partes, deve não só apresentar ordem em suas partes como também comportar certas dimensões. Com efeito, o belo tem por condições uma certa grandeza e a ordem. Pelo qual motivo, um ser vivente não pode ser belo, se for excessivamente pequeno (pois a visão é confusa, quando dura apenas um momento quase imperceptível), nem se for desmedidamente grande (neste caso o olhar não abrange a totalidade, a unidade e o conjunto escapam a vista do espectador, como seria o caso de um animal que tivesse de comprimento dez mil estádios). Donde se infere que o corpo humano, como o dos animais, para serem julgados belos, devem apresentar uma certa grandeza que torne possível abarcá-los com o olhar; do mesmo modo as fábulas devem apresentar uma extensão tal que a memória possa também retê-las. (1450b, Livro VII, 25-35)

Para Aristóteles, a fábula deve ser clara e comportar em si uma extensão que seja suficiente para que os acontecimentos se produzam em acordo com a verossimilhança ou a necessidade, que seja suficiente para mudar a situação do personagem, da felicidade para o infortúnio, ou o contrário, como é no caso da comédia. Ainda em relação à unidade, Aristóteles defende que as partes devem ser entrosadas entre si, bastando o deslocamento de uma só para que todo o conjunto fique confundido.

episódicos porque estes não possuem uma sequência necessária ou provável. Assim, o filósofo se posiciona contra a multiplicidade de enredos, uma vez que a “unidade de ação” deverá resultar na formulação da ideia, na formulação do eixo centralizador da tragédia, que tem como base a verossimilhança, que posteriormente deverá desencadear o efeito da catarse: “... é possível concluir que a Poética recomenda que ação trágica em uma tragédia perfeita deve ser una, portanto, estruturada em torno de um eixo centralizador, concentrada e verossímil, desenvolvendo-se de forma ‘complexa’, através de uma peripeteia, isto é, sofrendo um processo de reconhecimento, a anagnórisis, ambos favorecedores do elemento surpresa que caracteriza uma situação inesperada”. (LUNA, 2005, p.261)

Como já sabemos, Aristóteles considera que não é função do poeta retratar a realidade tal qual ela é, e sim apresentar possibilidades; cabe ao poeta não relatar o que aconteceu, mas o que e como poderia ter acontecido. O argumento da verossimilhança constituía um dos mais fortes argumentos que Aristóteles possuía em defesa da Arte, uma vez que seus antecessores (Sócrates e Platão) se posicionavam contra. Platão em sua República alega que a Arte era um veículo para provocar paixões e excitações que poderiam ser malévolas ao homem.

No Romance d’A Pedra do Reino, Ariano Suassuna explicitamente segue Aristóteles no que concerne a verossimilhança, e muito implicitamente afirma seu compromisso com as unidades aristotélicas de tempo, lugar e ação, conforme já sabemos. Contrapondo-se à Poética aristotélica, na Pedra do Reino não podemos fazer uma clara distinção entre começo, meio, e fim. Logo no início da obra, o leitor percebe que ela aparentemente se iniciou pelo final, quando tudo já havia acontecido, quando Pedro Dinis Quaderna já se encontrava preso pelas razões que ali estava por narrar.

Ao ler a obra, o leitor sabe que o protagonista Pedro Dinis Quaderna tem por ambição tornar-se o “Gênio da Raça” através da literatura, e o caminho que o mesmo optou por trilhar na literatura foi o da epopeia. Não é de surpreender que a estrutura do Romance d’A Pedra do Reino se assemelhe em grande parte com a estrutura das três famosas epopeias da Antiguidade: A Odisseia e a Ilíada, de Homero, e a Eneida, de Virgílio.

Assim como nos deparamos com um personagem que relata sua própria história de vida de dentro de um túmulo em Memórias Póstumas de Brás Cubas, do escritor Machado de Assis. Na Pedra do Reino, o protagonista Pedro Dinis Quaderna nos relata sua história

de dentro da cadeia. O fato de a narrativa começar pelo final, o excesso de informações prestadas ao leitor, e a indefinição acerca do tempo na obra, implica numa aparente total exclusão da “unidade” nos moldes aristotélicos. Isso nos leva a entender que, no que concerne à estrutura textual, o Romance d’ A Pedra do Reino não pode ser comparado a textos da tragédia grega. Na epopeia existe um argumento desenvolvido em pequenos núcleos narrativos, e na tragédia há um argumento único e nada que se narre é exterior a este argumento.

Desta forma podemos entender que a noção de unidade é outra, quando aplicada à epopeia. Cada divisão da epopeia (livros ou cantos) é una em si, cada livro comporta uma unidade em si que com frequência não depende dos livros ou cantos subsequentes para completar seu sentido, diferentemente da tragédia em que todas as partes são interdependentes, onde o sentido fica prejudicado se qualquer parte for removida. Podemos assim dizer que a influência da epopeia é significativamente maior no romance de Ariano Suassuna no que concerne ao seu aspecto formativo, pois o autor ao compor esta obra aplicou-lhe a unidade epopeica, uma vez que seu romance é dividido em vários livros, ou folhetos para ser mais “armorial”,24 conforme podemos encontrar na Ilíada, na Odisséia, e

na Eneida.

Voltando à questão da verossimilhança, o protagonista Pedro Dinis Quaderna parece trazer dentro de seu discurso um antigo embate entre a Literatura e a Filosofia. Devemos lembrar aqui que, em sua Origem da Tragédia, o filósofo Nietzsche acusa a filosofia de ter sido a provocadora da morte da tragédia. A racionalidade filosófica utiliza o herói trágico como parâmetro, como arquétipo daquilo que jamais deve ser seguido. Dentro da sua obra, Ariano Suassuna traz a discussão literária e a filosófica representada na figura dos dois

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