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Cap 3 – Mariátegui, militante socialista – 1923

O navio em que Mariátegui e sua família haviam embarcado na Europa chega ao porto de Callao em março de 1923. Após um período de ampla experiência política e intelectual vivida na Itália, Mariátegui regressa a Lima assumindo tarefas intelectuais e de militância junto ao movimento estudantil e operário da época. Seu objetivo: construir o socialismo em seu país. Assim explica o próprio Amauta, em 1928:

Desde Europa me concerté con algunos peruanos para la acción socialista. Mis artículos de esa época, señalan las estaciones de mi orientamiento socialista. A mi vuelta al Perú, en 1923, en reportajes, conferencias en la Federación de Estudiantes y la Universidad Popular, artículos, expliqué la situación europea e inicié mi trabajo de investigación de la realidad nacional, conforme al método marxista (MARIÁTEGUI, 1994, p. 1875).

O Peru ao qual Mariátegui retorna ecoa os eventos políticos de 1919, ano de sua partida para a Itália. As greves e as lutas protagonizadas por trabalhadores e universitários naquele ano contribuíram para a formação de um movimento operário e estudantil mais sólido e organizado. Um exemplo concreto deste avanço organizativo é a criação, por decisão do Primeiro Congresso Nacional de Estudantes (Cuzco, 1920), das Universidades Populares González Prada, sob responsabilidade da Federación de Estudiantes del Perú, e dirigida por Victor Raul Haya de la Torre.

Por outro lado, estava em curso o oncenio, o governo de Augusto Leguía, iniciado em 1919. Foi sob a responsabilidade de Leguía que Mariátegui se viu forçado a aceitar o convite para sair do Peru nos anos seguintes. Se o governo em questão, em seus primeiros anos, havia agido de modo a consolidar uma base popular de apoio ao regime, através de uma postura reformista “democrática”, nos anos seguintes apelaria às práticas políticas despóticas e intensificaria a dependência política e econômica internacional dos peruanos em relação aos Estados Unidos (KLARÉN, 2008, p. 366).

política e de conflitos que opunham o governo de Augusto Leguía contra os estudantes e trabalhadores organizados do país. É neste caldeirão que o Amauta se dedicará à construção do socialismo no Peru.

Os primeiros anos do oncenio de Augusto Leguía (1919-1930)

Economia e política

Classificado como um “capitalista selfmade”143, com reconhecido tino empresarial e

experiência em administrações civilistas anteriores, Leguía havia se tornado o líder da ala progressista do Partido Civilista, assumindo a presidência peruana entre 1908-1912. Ao final de seu primeiro mandato, Leguía rompeu com os civilistas e permaneceu em exílio durante o segundo mandato de José Pardo. Ao notar a encruzilhada histórica em que o Peru se encontrava em 1919, Leguía regressou ao país buscando capitalizar politicamente com a agitação social generalizada que colocava em xeque a ordem civilista.

Em sua campanha presidencial, Leguía prometeu diversas reformas e desferiu vários ataques aos políticos civilistas. Com isto, angariou contundente apoio de setores da classe média e de trabalhadores que sofriam com as fortes e cíclicas flutuações da economia de exportação peruana. Eleito, Leguía habilmente agiu de modo a impedir a frustração de sua posse através de um “golpe preventivo”. A dissolução do parlamento, de inclinação civilista, foi o passo seguinte144. Em outubro de 1919, seria proclamado, finalmente,

“presidente constitucional”.

Buscando consolidar as bases populares de seu apoio, Leguia se dedicou à dissolução das tensões da classe trabalhadora urbana por meio da adoção de reformas como a jornada de oito horas, o arbitramento obrigatório e a instituição do salário mínimo. Paralelamente, expandiu as obras públicas, gerando novos empregos para uma classe

143 KLARÉN, 2008, p. 365.

trabalhadora urbana que sofria com o colapso das exportações no pós-guerra. A classe média, essencial para a constituição do regime e em acelerado crescimento durante todo o

oncenio145, também foi beneficiada por reformas como a “Ley de Empleado” e a expansão

dos empregos públicos, que foram quintuplicados. Por fim, Leguía também atendeu a algumas reivindicações camponesas e indígenas: criou uma secretaria de assuntos indígenas, instituiu o feriado nacional do dia do índio e reconheceu, constitucionalmente, a legalidade da propriedade comunal indígena146. Apesar de Leguía aumentar sua

popularidade entre os camponeses, as medidas em questão não alteraram fundamentalmente a estrutura da sociedade rural andina, mas permitiram atenuar o descontentamento dos indígenas do sul do país, ao mesmo tempo em que fortalecia seu apoio em setores de casta mestiça das cidades em ascensão, que se encontravam em processo de redescobrimento de suas raízes índias junto ao movimento indigenista (KLARÉN, 2008, p. 366-367).

Estas últimas medidas não eram ainda suficientes para dissolver a inquietação social no campo. Para tanto, Leguía buscou reajustar a economia do país para adequá-la à realidade da economia internacional do pós-guerra. Totalmente voltada para a exportação, a estratégia do presidente foi acelerar o crescimento do espaço capitalista no Peru, ao mesmo tempo em que encorajava o capital estrangeiro a dirigir seus investimentos ao país e em que expandia o papel econômico do Estado. Os Estados Unidos, no mesmo momento, procuravam sanar as crises internas do pós-guerra através da expansão de seus investimentos de capital e de seus mercados na América Latina. E isto não passou desapercebido por Leguía. O presidente peruano estimulou os investimentos norte- americanos diretos e em grande escala, especialmente no setor de mineração, cuja desnacionalização foi praticamente concluída durante o oncenio. Elementos como cobre e petróleo passavam a ser os principais produtos de exportação peruanos ao final da década

145 Vários grupos profissionais de setores médios tiveram expansão significativa no período de 1920-1931. O

números de estudantes aumentou em 97,47%, e o de escritores e jornalistas em 153,28%. Entre médicos, o crescimento foi de 158,37%. Porém, o maior crescimento está entre os empregados da administração pública: 491,65% (cf. STEIN, 1980, p. 74).

146 O texto da nova carta magna promulgada em 1920 afirmava, em seu artigo 58, que “a nação reconhece a

existência legal das comunidades índias e a lei determinará os direitos que lhes correspondem”. A nova constituição incorporou várias das ideias do crescente indigenismo que se desenvolvia entre a intelectualidade do país (cf. DAVIES JR., 1973, p. 195).

de 1920. O governo de Leguía também foi bem sucedido na aquisição de empréstimos nos mercados monetários estrangeiros, implicando em um crescimento de 105 milhões de dólares da dívida externa peruana entre os anos de 1920 e 1928 (cf. BONILLA, 1977, p. 597; THORP, 1978, p. 115). Com este aporte financeiro, desenvolveu-se uma grande expansão da infraestrutura do país com vistas ao atendimento da economia de exportação: obras públicas para modernização das principais cidades em termos de saneamento, estradas, etc – especialmente na capital, Lima; ampliação dos transportes nacionais e da rede de comunicações, construção de sistemas de irrigação na costa peruana, e aumento da burocracia governamental.

Se todas estas medidas estavam de acordo com a preocupação de Leguía em expandir e modernizar a capacidade exportadora do país, todavia os impactos políticos de cada despesa eram cautelosamente calculados de modo a ampliar as bases de poder do presidente. Não apenas a classe média foi beneficiada pela modernização urbana, mas também grupos de especuladores e construtores diretamente ligados a Leguía. Neste sentido, o governo da “Patria Nueva” favorecia o surgimento no país de uma nova plutocracia, que em grande medida substituiu politicamente a velha oligarquia civilista. A moralidade oficial e pública, nesta ocasião, desceria a níveis extremamente baixos, sendo inúmeros os casos de especulação, concussão e fraude (KLARÉN, 2008, p. 368).

Recorrendo aos empréstimos externos e ao estímulo às inversões estrangeiras, especialmente as norte-americanas, Augusto Leguía levava o Peru ao aprofundamento de sua dependência frente a economia de exportação. O impacto econômico destas medidas foram enormes, e sentidos especialmente na debilitada industria peruana. Se na passagem do século XIX para o XX a industria sinalizava a expectativa de um desenvolvimento autônomo e equilibrado, duas décadas depois ela assistiria o aprofundamento de seu próprio descenso iniciado ainda no ano de 1908. Era o visível indicador do declínio do capitalismo nacional: se, no ano de 1902, 29% da capacidade industrial peruana era controlada por firmas estrangeiras, esta porcentagem cresceria para 45% em 1910, 55% em 1918 e mais de 80% em 1935. Por sua vez, as exportações continuavam a se destacar, especialmente nos

setores de algodão, minérios e, em menor grau, de açúcar147.

Outro ponto é que os empréstimos estrangeiros e os gastos deficitários deram ao governo central um elevado grau de poder, cuja força e influência se fizeram presentes também no interior do país. O aumento do poder estatal às custas da autonomia das províncias são ilustradas pela ampliação da rede nacional de transportes e comunicações, exemplificadas na criação da “Ley de Conscripción Vial”, um ambicioso programa de construção de rodovias realizado com o recrutamento de mão de obra camponesa e indígena148. A melhoria no acesso às regiões remotas do país permitiu a Leguía organizar

uma campanha de erradicação do banditismo, endêmico em certas regiões do interior e também dos arredores de Lima. O aumento da presença policial e governamental nestas regiões permitiu um maior controle estatal de lideranças latifundiárias que, através de exércitos particulares, historicamente monopolizavam a política nestas regiões e em vários momentos chegavam a desafiar a autoridade governamental.

O uso hábil dos recursos financeiros do Estado peruano foi um importante instrumento de Leguía na arquitetura de sua política clientelista, que culminou na criação de uma nova casta “oficial” de funcionários públicos e empresários profundamente dependentes do Estado – ou seja, dos interesses do presidente. Somado a isto, as fraudes e manipulações eleitorais perpetradas já no início de seu governo permitiram a Leguía transformar o Congresso em apenas um legitimador de suas vontades. Leguía sabia como adquirir e distribuir os novos poderes do Estado de modo personalista e cada vez mais ditatorial. Em 1922, o presidente que reivindicava o distanciamento da velha política civilista já abandonara suas políticas reformistas. A maioria das greves eram reprimidas

147 Este último setor entraria em dificuldades em meados da década de 1920: extensos períodos de seca,

seguidos de chuvas catastróficas e grandes inundações, comprometeram os amplos investimentos aplicados pelos donos de engenho na época. Com a elevação do mercado internacional do açúcar a partir de 1925, assistiu-se a perdas em grande escala e uma nova onda de concentração e apropriação da industria por parte de estrangeiros em 1930 (KLARÉN, 2008, p. 369-370).

148 Com esta medida, todas as preocupações demonstradas inicialmente pelo governo com o reconhecimento

e a proteção do índio na Constituição peruana foram anuladas. A construção das vias de integração do país não apenas alteraram os padrões de vida dos camponeses indígenas, mas também impuseram a eles grandes custos de vida e sofrimento. Razão de diversas práticas de abuso de poder e repressão, e denunciada por diversos porta-vozes do indigenismo peruano, a “Ley de Conscripción Vial” foi defendida e conduzida sem interrupções por Leguía (Cf. DAVIES JR, 1973, p. 198).

pela força e o exército era mobilizado para conter os levantes camponeses no sul. Aos poucos, Leguía estreitava sua base de apoio, restringindo-a à nova plutocracia que ajudara a formar, enquanto reprimia brutalmente seus opositores (KLARÉN, 2008, p. 370-371).

As Universidades Populares

Em contrapartida à política clientelista e autoritária que se desenrolava sob a tutela do Estado peruano, novos espaços de formação cultural e política se articulavam sob especial influência do movimento estudantil organizado em torno da Federación de Estudiantes del Peru. As Universidades Populares assumiam como diretriz programática de seus cursos, por um lado, a formação cultural geral, de orientação nacionalista; e, por outro, a especialização técnica com vistas às necessidades de cada região onde suas unidades se localizavam149. Estes programas de ensino eram direcionados a trabalhadores e estudantes

universitários como parte de sua preparação para a luta política, visando a constituição de uma frente única entre estes setores. O anarquismo, especialmente, exercia forte influência neste movimento, o que resultou no compartilhamento de conteúdos de caráter majoritariamente apartidário nas classes das Universidades (BRUCKMANN, 2009, p. 59; QUIJANO, 2007, p. XLV).

Haya de la Torre foi a grande liderança das Universidades Populares. Mas o projeto também contou com a colaboração de estudantes e militantes que assumiriam papel destacado na história política peruana, como Raúl Porras Barrenechea, Jorge Basadre, Eudocio Ravines e o próprio José Carlos Mariátegui. E as Universidades Populares alcançaram grande êxito, muito além do que estimavam seus idealizadores. Em seu apogeu, cerca de mil trabalhadores, majoritariamente mestiços, iam ao Palacio de la Exposición, sede da Universidad Popular em Lima, para escutar às exposições de Haya de la Torre ou de Mariátegui. A respeito da composição social das Universidades Populares, Jeffrey

149 Em 1923 as Universidades Populares, além de ter centros em Lima, também contava com unidades em

Arequipa, Trujillo, Ica, Cuzco, Jauja, Chiclayo, Piura, Huaraz, Puno e Madre de Dios (KLAIBER, 1988, p. 146).

Klaiber comenta uma fotografia registrada em uma das unidades limenhas da Universidad: En el centro del círculo de los obreros, sentados en el pasto, cerca de un bosque, vistiendo camisas blancas y corbatas formales, figuran Haya de la Torre y vários outros estudiantes de San Marcos. Alrededor de ellos están los obreros, de aspecto más oscuro y vestidos con las camisas y los pantalones blancos y burdos, típicos de los peones de hacienda en la costa. Finalmente, acompañando a los obreros están sus esposas, notablemente más indígenas, con largas tenzas, sobreros de paja y las faldas o “polleras” tan típicas de la sierra. Algunas de las mujeres que escuchan atentamente a los jóvenes estudiantes llevan a la espalda a sus niños, envueltos en mantas (KLAIBER, 1988, p. 146-147).

Curiosamente, Klaiber afirma que esta diversidade de composição social, cultural e de conscientização política daria origem a uma mescla de ideias entre o radicalismo baseado no pensamento anticlerical de González Prada e o cristianismo bíblico. Não deixava de haver críticos da religião no interior das Universidades. El Obrero Textil (1920- 1925), periódico de orientação anarquista e principal canal de expressão dos trabalhadores têxteis do Peru, funcionou também como a voz oficial das Universidades Populares a partir de 1921. Diversos artigos publicados em suas páginas resgatavam o positivismo e o anarquismo anticlerical e antirreligioso de González Prada. Não obstante todas as críticas dirigidas tanto à religião organizada quanto a própria existência da crença religiosa, a imprensa anarquista estimava a figura de Jesus, a concebendo como representação do protesto social. É o caso do artigo “Jesus fue anarquista”150, onde seu autor afirma que

“Jesus, en nuestro siglo, habría dado mejores resultados. Su gran poder sugestivo imprimiria un rumbo uniforme a la Revolución Social” (cf. KLAIBER, 1988, p. 148).

Em maio de 1923 é criado por Haya de la Torre o periódico Claridad, que passaria a ser o órgão de comunicação oficial das Universidades Populares. Semelhante a El Obrero

Textil, Claridad alternaria ataques anticlericais com a apresentação de citações bíblicas em

uma seção intitulada “A los Católicos”, publicada nas duas primeiras edições do periódico151. O objetivo era chamar a atenção da burguesia católica e do clero peruano à

mensagem de justiça social presente nas mensagens bíblicas e de personagens da história da

150 Lima, El Obrero Textil, outubro de 1923, p. 4.

Igreja – especialmente aquelas que condenavam os abusos e as injustiças cometidos pelos ricos e poderosos. Este discurso também estaria presente em aulas ministradas nas Universidades Populares. O próprio Haya, ao ministrar uma conferência sobre religião, exortaria os trabalhadores a não reduzirem seu catolicismo a um mero hábito devocionário, e sim a transformarem sua fé em um ato prático de caridade fundado na busca da justiça, da verdade, do amor e do perdão – elementos que constituiriam o trabalho apostólico de Jesus e da “legítima religião cristã”.

Capitaneados por Haya de la Torre, as Universidades Populares desenvolviam um trabalho de formação intelectual e política de acentuado caráter contestatório ao regime de Leguía, e que incorporava, dentro de seus limites, a releitura da cultura e do olhar religioso dos trabalhadores. Do outro lado, a hierarquia católica peruana continuava a cumprir amplo papel conservador e de corroboração aos desmando do regime. Esta mescla entre política e religião forjaria o cenário de um dos episódios mais marcantes de oposição política ao governo.

Os protestos de 23 de maio de 1923

Em 25 de abril de 1923 o arcebispo de Lima, monsenhor Emilio Lísson, anuncia a consagração do Peru ao Sagrado Coração, cerimônia que se realizaria na Plaza de Armas da capital. O ato solene, em si, não comportaria nenhum agravante político e social, não fosse o fato do arcebispo convidar o próprio Augusto Leguía, com quem sustentava relações pessoais de amizade, para presidir o evento religioso. O ato passava, deste modo, a assumir contornos de exaltação e apoio ao ditador, explicitando o uso político da iniciativa episcopal pelo regime. A resposta contra tal situação, amplamente criticada por diversas figuras públicas em vários diários e periódicos limenhos, foi a organização de um expressivo movimento de contestação à cerimônia constituído por diferentes grupos e atores sociais: a Federación de Estudiantes, setores protestantes, maçons, anarquistas, alguns grupos católicos, e especialmente os trabalhadores vinculados às Universidades

Populares e os estudantes da Universidad Mayor de San Marcos, num movimento em que Haya de la Torre despontava como principal dirigente.

Os protestos, deflagrados em 23 de maio, contaram com milhares de participantes e enfrentaram cruel repressão governamental que resultou na morte de dois manifestantes e vários feridos. O episódio serviu para exaltar ainda mais os ânimos e a força dos protestos, resultando na convocação, para o dia seguinte, de uma paralisação geral de estudantes e trabalhadores em manifestação contra as ações repressivas do governo e também contra a hierarquia católica, alvo de severas críticas e palavras de ordem. Haya, especialmente, dirigia-se aos manifestantes concentrados na Plaza de Armas de Lima acusando o clero de destruir a liberdade de consciência no Peru e de se valer de métodos comparáveis ao do período da Santa Inquisição.

Uma terceira grande marcha, no dia 25, ocorreu como procissão fúnebre em homenagem aos manifestantes mortos. A grande multidão presente nesta nova manifestação ouviria mais uma vez as palavras de um hábil e persuasivo Haya de la Torre que, após um discurso de exaltação das vítimas da repressão, afirmaria o “quinto mandamento” em clara alusão ao silêncio da hierarquia católica frente a corrupção e a repressão governamental: “¡El Quinto, no Matar! ¡El quinto, no Matar! ¡El quinto, no Matar!” (KLAIBER, 1988, p. 154; VEGA-CENTENO, 2008, p. 280). Diante da força dos protestos, o arcebispo de Lima não viu outra alternativa se não a de suspender a realização da cerimônia – porém, registrando mais uma vez sua posição de aliança com o regime ao declarar que a consagração havia se convertido em arma contra um governo e instituições sociais legitimamente estabelecidas.

Foi no dia 23 de maio, quando ocorreu a primeira manifestação, que José Carlos Mariátegui teve anunciada sua primeira conferência a ser ministrada nas Universidades Populares, a convite de Haya de la Torre. Esta inauguraria uma série de exposições realizadas pelo socialista a respeito da “crise mundial”, oportunidade enxergada por Mariátegui para iniciar sua propaganda socialista entre os trabalhadores e desenvolver um mais persistente debate com o anarcossindicalismo dominante entre os trabalhadores mais politizados. Iniciava-se sua relação com as Universidades Populares.

Mariátegui, porém, recusou-se a participar das manifestações contra a cerimônia de consagração. Haya teria convidado pessoalmente a José Carlos para que participasse dos protestos. Este, porém, recusaria o convite, classificando os futuros atos políticos como uma “luta liberalizante y sin sentido 'revolucionario'”152. Entre os comentadores não há um

claro consenso sobre as reais razões da negativa de Mariátegui. Chang-Rodríguez (2012, p. 177), por exemplo, chega a afirmar que a recusa do socialista seria motivada por “escrúpulos religiosos”; Messeguer Illán (1974, p. 73), denota o enredo anticlerical dos protestos como reflexo da “luta liberalizante” criticada por Mariátegui; e Pericás, por sua vez, afirma que talvez o respeito de Mariátegui pelos assuntos religiosos tenha pesado sobre sua decisão – não obstante reconheça que o argumento de Mariátegui se restrinja ao âmbito político (PERICÁS, 2006, p. 187). Outros autores como Quijano (2007, p. XLV) e Sobrevilla (2012, p. 118-119) não chegam a mencionar o possível “problema religioso” da

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