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Cap 2 – Mariátegui na Itália – 1919

Os caminhos de José Carlos Mariátegui em sua estadia europeia, entre 1919 e 1923, lhe apresentarão situações de grande euforia e estímulo intelectual, e que serão afirmadas mais tarde pelo próprio socialista como momentos que ajudaram a definir o projeto político e de vida que defenderia para o seu país. Segundo suas próprias palavras,

Por los caminos de Europa, encontré el país de América que yo había dejado y en el que había vivido casi extraño y ausente. Europa me reveló hasta qué punto pertenecía yo a un mundo primitivo y caótico; y al mismo tiempo me impuso, me esclareció el deber de una tarea americana (MARIÁTEGUI, 1987, p. 192)

Desembarcando no porto francês de Le Havre e, logo em seguida, dirigindo-se à capital francesa, no mês de novembro de 1919, os amigos César Falcón e Mariátegui se separam em Paris – Falcón segue para a Espanha, enquanto José Carlos permanece cerca de 40 dias em território francês antes de se dirigir definitivamente à península itálica. Período curto, mas bastante aproveitado pelo jovem peruano em termos de conhecimento cultural, político e intelectual. Com base em sua experiência como cronista parlamentar, chegou a acompanhar algumas das reuniões da Câmara de deputados francesa. Marcariam sua memória as experiências de seu contato pessoal com o grupo responsável pela organização da revista Clarté e com alguns de seus principais organizadores – Romain Rolland e Henri Barbusse. Mariátegui e Barbusse, especialmente, se conheceram nas oficinas de Clarté, estabelecendo uma relação de impacto e influência recíproca. Anos mais tarde, Mariátegui dedicará artigos e ensaios às ideias do autor francês73, além de manter uma constante troca

de correspondências e revistas, e de introduzir uma de suas obras para o espanhol (Con el

cuchillo entre los Dientes, em 1924), o que permite delinear que Mariátegui tenha em

Barbusse uma relevante influência intelectual. Imerso em um ambiente atravessado pelas sequelas da Primeira Guerra Mundial, Mariátegui parecia se identificar com os apontamentos de Barbusse, de certo modo também reivindicadas pelo grupo Clarté, a

respeito do indubitável declínio da sociedade capitalista e da necessidade de um renascimento espiritual da Humanidade (VANDEN, 1975, p. 26-27; 30)74. Outro elemento a

impactar Mariátegui durante seu curto período em Paris é o conjunto de manifestações do proletariado parisiense na região de Belleville. Nos registros da obra biográfica de Armando Bazán constam declarações do Amauta a respeito dos atos do movimento operário de Paris, prestigiados pela presença de remanescentes da Comuna de Paris (1871). Sobre tais manifestações, Mariátegui afirmou, segundo o biógrafo, ter sentido “en su más alta intensidad el calor religioso de las nuevas multitudes” (BAZÁN, 1939, p. 71)75. Apesar

do curto tempo de permanência de Mariátegui na França, cabe ressaltar seu contato recorrente aos trabalhos dali originários, e seu ativo interesse pelo pensamento socialista francês e outra variedade de escritores e correntes intelectuais do país (especialmente as progressistas). Se a Itália torna-se um marco na história da formação política e intelectual de Mariátegui, isto não descarta, por sua vez, a duradoura impressão dos trabalhadores, escritores e políticos franceses sobre o pensamento do Amauta (VANDEN, 1975, p. 36).

Apesar de Paris ser, à época, o grande polo de atração da maior parte dos intelectuais e artistas latino-americanos do início do século XX, Mariátegui opta por viver a maior parte de seus anos de exílio na Itália. Não foi, aparentemente, uma obrigação do governo: Bazán nos permite entender isto ao citar os depoimentos em que Mariátegui justificaria sua escolha a partir de questões de saúde – o clima francês não seria favorável para suas condições físicas; Pericás, por sua vez, também acrescenta a consideração de Mariátegui ao convite de seu amigo Palmiro Machiavello76 para viver na Itália (BAZÁN,

74 Vanden salienta a importância de se compreender o impacto das ideias de Barbusse sobre Mariátegui,

reivindicando o intelectual francês como uma das mais importantes referências do Amauta – travando polêmica especialmente com Robert Paris que, segundo o comentarista norte-americano, reduziria ao mínimo a influência de Barbusse sobre o jovem peruano. Ver também os comentários de Antonio Melis (1976) a respeito das leituras divergentes a respeito das principais influências e dos caminhos pelos quais Mariátegui compreendeu o marxismo.

75 Esta passagem é modificada na edição da biografia de Bazán (1980, p. 56) publicada nas Obras

Completas: “Mis mejores recuerdos son los mítines de Belleville, donde sentí en su más alta intensidad la emoción social revolucionaria de las nuevas multitudes” (grifos nossos). Quijano (2007, p. XL) repudia

esta mudança, considerando-a “uma falsificação contra o espírito de Mariátegui”.

76 Palmiro Machiavello era cônsul do Peru e vivia na cidade de Gênova. A pedido de Mariátegui, traduziria

mais tarde contos de alguns autores italianos como Alfredo Panzini e Massimo Bontempelli (PERICÁS, 2010, p. 11)

1980, p. 56-58; PERICÁS, 2010, p. 11). A explicação – que é plausível – não deve ser tomada, porém, como única. A opção pela Itália pode ser compreendida no âmbito da importância das influências culturais italianas sobre o universo intelectual peruano naquelas décadas iniciais do século passado77. Mariátegui não apenas era atento a estas influências,

como também se cercava de admiradores da cultura italiana. Recordando a experiência

colonidista de Mariátegui, podemos citar Abraham Valdelomar, que residiu na Itália por

alguns meses – entre 1913 e 1914, no período pré-guerra – publicando impressões em suas também intituladas Cartas de Italia, a respeito de suas experiências no velho continente e as tendências artísticas e ideológicas locais, com especial referência aos trabalhos de Filippo Marinetti. Impressões que muito provavelmente despertaram o interesse do jovem Mariátegui em conhecer o país.

Havia também muitas traduções de escritores e poetas italianos, cujas publicações em espanhol se tornavam conhecidas no Peru. Autores como Giacomo Leopardi, Giovanni Pascoli e Gabrielle D'Annunzio eram muito influentes entre as novas gerações de escritores peruanos. Manuel González Prada havia sido divulgador e tradutor de diversos escritores e poetas italianos tais como Giosué Carducci, Giovanni Prati e Lorenzo Stecchetti. Além disto, a imprensa de língua italiana78 era apreciada por diversos setores intelectuais

peruanos. Por fim, cabe notar o encontro de Mariátegui, em solo italiano, no ano de 1921, com José de la Riva Agüero, este um homem de posições diametralmente opostas às de Mariátegui, mas também admirador do pensamento italiano, especialmente de D'Annunzio e suas ideias reacionárias (QUIJANO, 2007, p. XLI; PERICÁS, 2010, p. 11-12; NUÑEZ, 1991).

Estuardo Nuñez acrescenta que, além do objetivo consciente de conhecimento dos

77 Malcolm Sylvers (1981, p. 25) sugere também a ida de Mariátegui à Itália por outros dois motivos: sua

recusa a viver na Espanha, no sentido de buscar uma “libertação” intelectual frente a antiga metrópole colonial – a partir das sugestões de González Prada – e a consideração daquele momento histórico na Itália como o de pico da luta de classes, seja no nível da praxis como no da elaboração teórica (sugestões estas baseadas na introdução de Robert Paris à edição italiano dos 7 ensayos). Estranhamos especialmente a primeira sugestão, afinal Mariátegui, como já mencionamos no capítulo anterior, era leitor de escritores espanhóis, e a publicação de Nuestra Época se inspirava na revista socialista España.

78 Entre as publicações recorrentes estavam Corriere del Pacifico La Patria, L'Italiano, Araldo, Stella

aspectos intelectuais e culturais italianos, Mariátegui também poderia oportunamente aproximar-se do pensamento europeu contemporâneo à medida que a Itália comportava diversos tradutores, comentadores e críticos da diversidade de pensamentos produzida em países como França, Alemanha, Rússia e outras nações europeias, que estabeleciam o país como um canal de contato e debate com as ideias literárias, sociais, jurídicas e filosóficas em emergência no velho continente (NUÑEZ, 1991, p. 30). Ou seja, o cenário italiano a ser explorado por Mariátegui era rico e complexo. Era atravessado por uma intensa vida cultural, e um movimento operário emergente em um ambiente político extremamente atraente do ponto de vista da teoria revolucionária e da construção a rigor de uma alternativa socialista para os trabalhadores italianos.

Mariátegui e a política italiana

Contexto histórico e político

Mariátegui chega a Gênova em dezembro de 1919, e no mês seguinte se muda para Roma, onde viverá a maior parte de sua estadia italiana. Na cidade de Florença, entre junho e julho de 1920, fará um curso de verão e, ali, conhecerá a jovem Anna Chiappe, com quem se casará em 1921, terá quatro filhos e sua companhia até o fim da vida79.

Esta Itália em que Mariátegui desembarca é um país de episódios históricos traumáticos. O Risorgimento havia se dado aproximadamente sessenta anos antes, sendo a Itália, portanto, um país de formação política e nacional bastante recente. Seu processo de unificação, organizado sob os auspícios dos liberais “moderados” do reino sardo- piemontês, se deu distante de qualquer possibilidade de participação popular no interior do

79 Jocosamente, Mariátegui se referia à Itália como o país onde desposou uma mulher e algumas ideias

(MARIÁTEGUI, 1994, p. 1875). A respeito das relações familiares e matrimoniais de Mariátegui, sugere- se a leitura da delicada entrevista oferecida por Anna Chiappe ao jornalista peruano Cesar Levano: “La vida que me diste”. Lima, Caretas, nº 393, 1969, p. 26.

mesmo80. As desigualdades deste processo se refletiam na distância social e econômica

entre o sul agrário e dependente e o norte industrial81, bem como no frágil equilíbrio entre a

massa de camponeses pobres, a classe operária em ascensão e um setor político preocupado fundamentalmente com compromissos parlamentares e a perpetuação de seu poder. Neste último ponto pode ser afirmado que, mesmo com a existência de grupos políticos de diferentes colorações, o Estado italiano teve sua funcionalidade sujeita ao parasitismo de elites políticas – nutrido por diversos casos de corrupção e por coalizões e alianças de grupos aparentemente rivais, desejosos da manutenção de seus poderes, segundo os resultados eleitorais e as necessidades conjunturais82. Tal política alcançou seu ápice

durante os sucessivos mandatos de Giovanni Giolitti à frente do parlamento italiano, entre os anos de 1903-1914 (BELLAMY, 1987, p. 5; PERICÁS, 2010, p. 15).

Avanços econômicos e reformas democratizantes – como a implementação de benefícios trabalhistas, sufrágio universal masculino e melhorias na educação fundamental – permearam a política de Giolitti no sentido de garantir a ordem social e as bases para o

80 A difusão do pensamento liberal e nacionalista que contribui para o avanço do processo político de

unificação da península pode ser compreendido na medida em que o continente europeu é profundamente atravessado pelas sequelas da Revolução Francesa (1789), forjando uma cultura de preparação intelectual e moral sob sua influência (momento este que poderia ser demarcado entre 1815-1847). Outros três momentos do processo de unificação podem ser denotados como: a eclosão de vários movimentos republicanos de curta duração e o abandono da hipótese “neoguelfa” de unificação, sob a direção de um papado liberal (1848-1849); a afirmação progressiva da política “moderada” de Camilo Benso di Cavour e da Casa de Savóia, do Reino do Piemonte-Sardenha, com a libertação do Sul por obra de Garibaldi e sua “Expedição dos Mil” (1850-1861); e, finalmente, a fase de unificação e consolidação estatal, com a anexação de Veneza em 1866 e a ocupação de Roma em 1870 (1861-1870). A periodização é baseada nas notas de Richard Bellamy (1987, p. 171-172).

81 O domínio nortista da política italiana pós-unitária é perceptível na constituição dos quadros dirigentes do

país. Uma pequena elite da região controlava especialmente o governo italiano. O país só teria um primeiro ministro sulista a partir de 1887. Primeiros-ministros de renome como Agostino Depretis e Giovanni Giolitti eram de origem piemontesa (DUGGAN, 1996, p. 199).

82 O termo transformismo caracteriza fundamentalmente este fenômeno, assim como toda a vida estatal

italiana desde 1848. Assim o explica Gramsci, ao definir o termo como a “elaboração de uma classe dirigente sempre mais ampla, (…) com a absorção gradual, mas contínua e obtida com métodos de variada eficácia, dos elementos ativos surgidos dos grupos aliados e também dos adversários que pareciam irreconciliavelmente inimigos” (GRAMSCI, 1975, p. 2011). Este fenômeno caracterizaria os limites e as formas da hegemonia dos moderados piemonteses na conjuntura do Risorgimento, dominando a energia política das classes subalternas a partir do controle dos grupos dirigentes destas respectivas classes (BIANCHI, 2008, p. 265). Isto permitiu a Gramsci pontuar a importância da direção política como aspecto do exercício do domínio, bem como da “atividade hegemônica” ao qual deve proceder todo grupo que se pretenda politicamente dominante, antes mesmo de alcançar o poder.

desenvolvimento do setor industrial e financeiro do país83. As iniciativas governamentais,

todavia, não foram capazes de escantear a importância crescente e a transformação de outros partidos e grupos políticos que, gradualmente, se fortaleciam e adquiriam maior organicidade na conjuntura política italiana, a partir do âmbito extra-parlamentar. Eles vinham na contramão do típico liberalismo oligárquico que dominava a política do país desde a unificação, ainda representado pelo governo Giolitti. Entre eles, nacionalistas, socialistas e católicos.

Com sua retórica radicalizada, os nacionalistas davam grande importância ao valor da guerra como instrumento de unidade e de criação de um sentimento coletivo, perante a subordinação das vontades individuais aos interesses da nação. Forjavam, assim, um discurso militarista, patriótico, e de claros contornos antissocialistas84. Além disso, a

retórica nacionalista pouco se afeiçoava às preocupações da economia política. Em nome de grandes “ideais” imperialistas, os nacionalistas afirmavam, através de romances, manifestos, escritos teatrais, entre outros, a imposição de valores culturais como elementos suficientes para a afirmação da nova nação italiana, e a constituição de um Estado forte, autoritário e expansionista, que favorecesse o grande capital nacional em sua reprodução e desenvolvimento em outras regiões fora da península itálica (PERICÁS, 2010, p. 17). Por volta de 1914 os nacionalistas estariam cristalizados em torno de um partido antissistêmico, rechaçando a classe dirigente italiana e o sistema parlamentar, e afirmando um novo modelo de Estado que respondesse às necessidades da nação e ao qual se submetessem todos os “produtores” (tanto trabalhadores quanto proprietários) (DUGGAN, 1996, p. 263).

A repressão governamental e as tentativas de reforma política empreendidas pelo governo no final do século XIX não foram capazes de conter o crescimento de outro grupo: os socialistas. Passada a influência inicial do anarquismo entre os trabalhadores, o

83 Isto implicou o reforço dos aparatos policiais, a maior burocratização do Estado, a ampliação da

desigualdade regional norte-sul e a criação dos primeiros trustes. A Itália rural, por sua vez, permanecia em grande miséria e contrastando fortemente com o crescimento industrial (DUGGAN, 1996, p. 246).

84 A retórica nacionalista se nutria de fontes como o d'annunzianismo e o futurismo, buscando se consolidar

em diferentes camadas da população. O futurismo, especialmente representado na figura de seu fundador, Filippo Marinetti, reivindicava explicitamente a guerra e o intervencionismo bélico italiano. Em certa medida, A decisão do governo italiano (de Giolitti) de invadir a Líbia em 1911 confirmava a contribuição dos nacionalistas para o clima progressivamente beligerante que se desenvolvia no país.

movimento operário italiano assumiu progressivamente coerência e organicidade à medida que os socialistas avançavam em sua organização político-partidária – representada especialmente na fundação do Partito Socialista Italiano (PSI)85.

Desde sua fundação, o PSI não deixou de enfrentar disputas políticas internas, como no caso da divisão entre “minimalistas” e “maximalistas” no congresso de Roma (1900). O poder entre reformistas e revolucionários se alternaria nas disputas no interior do PSI, chegando ao ponto de, em 1912, no congresso de Reggio Emilia, os chamados maximalistas conseguirem a expulsão de alguns militantes mais conservadores e adeptos das teses do socialismo evolucionista e reformista86. As disputas internas do PSI

prejudicaram as iniciativas do governo Giolitti de trazer os parlamentares socialistas para sua base de sustentação: muitas eram as denúncias de colaboracionismo feitas pelos setores radicais do partido, e a dificuldade de Giolitti de controlar as greves que pululavam no país ao longo da década de 1900, bem como de limitar as violentas ações repressivas contra as greves – que, consequentemente, reforçavam a indisposição do movimento operário com o governo – prejudicava consideravelmente suas pretensões políticas. Já não bastasse isto, as medidas de reformas sociais implementadas sob a gestão de Giolitti indispunham também o governante italiano com grande parte do empresariado do país.

A deflagração da Primeira Guerra Mundial complicou ainda mais o cenário político nacional, o que se ilustrou no enorme despreparo militar dos italianos para um conflito de tais proporções – somando a isto grandes perdas humanas87 – e na ampliação do fosso de

desigualdades que já caracterizava o país88. O turbulento cenário italiano no pós-guerra

85 O PSI foi fundado em 1895. Em termos sindicais, as fileiras socialistas também foram engrossadas com a

criação da Federazione nazionale fra i lavoratori della terra (Federterra) em 1901 (contando com 200 mil membros ao final de seu primeiro ano) e a Confederazione Generale del Lavoro (CGL), que também contou com 200 mil filiados quando criado em 1906, reunidos em 700 ligas.

86 Perda de espaço esta que, por sua vez, não prejudicou a continuidade do controle reformista sobre a CGL 87 O ingresso da Itália na guerra, em 1915, sob o ministério de Antonio Salandra (1914-1916), se deu

especialmente sob pressão de grupos intervencionistas e por força das obrigações relativas à assinatura do Pacto de Londres. O saldo para a Itália foi catastrófico: 66 mil mortos, 190 mil feridos, 22 mil prisioneiros, apenas nos seis primeiros meses de intervenção. Em 1918, acabado o conflito, o número de italianos mortos alcançava os 600 mil – e a conjuntura política interna se polarizava de forma ainda mais delicada (cf. PARIS, 1976, p. 56-60).

88 Os principais beneficiários do envolvimento italiano na guerra foram as grandes corporações industriais,

comportava um Estado economicamente quebrado89, um país atravessado por greves de

trabalhadores das grandes cidades e por manifestações contra o aumento do custo de vida no país. Aumentavam as agitações políticas de sindicalistas, camponeses e “revolucionários”, enquanto setores de classe média, latifundiários e representantes de alas da grande indústria iniciavam uma reação contra as tendências socialistas. O governo italiano encontrava-se diante do desafio de assegurar o ritmo crescente da produção industrial do período de guerra, controlar greves e enfrentar a crescente pobreza e desemprego industrial. Os fascistas também começavam a despontar publicamente – se não por meio de sua força eleitoral (naquele momento, ainda menor do que as dos socialistas), certamente por meio de ações violentas, especialmente contra sindicatos e demais organizações socialistas.

Os católicos na política italiana

No turbulento cenário político italiano entre o Risorgimento e a eclosão da Primeira Guerra Mundial a história testemunhou o processo de declínio e reorganização política do catolicismo na península. Várias foram as medidas levadas a cabo pela Igreja Católica90

para enfrentar os diversos governos liberais que despontavam nesta época – e suas consequentes medidas secularizantes. Para conter a perda de sua influência política, a Igreja médias empresas; o setor agrário, por sua vez, enfrentou grande instabilidade e redução de sua produtividade. Também não deixou de ter lugar no país a inflação e o aumento do custo de vida, além da ampliação do déficit público, cujos custos recaíram sobre a pequena burguesia italiana (PARIS, 1976, p. 58-59).

89 O déficit do Estado italiano elevou-se de 214 milhões (1914-1915) para 23.345 milhões (1918-1919)

(PARIS, 1976, p. 59).

90 Ao longo do século XIX a Igreja Católica oficialmente se oporia à unificação italiana e às novas diretrizes

políticas levadas à cabo pelos governos liberais, que no seu bojo sustentavam as mesmas demandas secularizantes que já observamos a respeito da evolução das ideias liberais na América Latina: liberdade de crença, secularização da educação e do matrimônio (com o estabelecimento do casamento e do divórcio civil), supervisão estatal do clero e limitação do controle papal sobre a igreja italiana, limitação dos privilégios legais do clero, confisco de propriedades da Igreja e a dissolução de determinadas ordens religiosas – especialmente de caráter contemplativo ou mendicante. Havia uma reforma eclesiástica no coração da “revolução liberal” em curso (POLLARD, 2008, p. 17), que tomaria lugar na Itália na etapa final do Risorgimento.

adotou medidas como a excomunhão de governantes, o auxílio militar de outros países como França e Áustria e, especialmente, a promulgação do non expedit (1874), proibindo a participação dos católicos na vida política do Estado unitário.

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