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3 AMEAÇA EXTERNA E CAPACIDADE ESTATAL (1991-2001)

3.2 CAPACIDADE ESTATAL E EXPEDIENTES AUTO ENFRAQUECEDORES

3.2.2 Capacidade coercitiva

No que diz respeito à capacidade coercitiva da Rússia neste período, há que se destacar que “o colapso da União Soviética levou a um enfraquecimento significativo das capacidades coercivas e distributivas do Estado russo” (WHITE, 2018, p. 139). Diante disso, entende-se que o Estado perdeu o monopólio da violência legítima (EASTER, 2008a, p. 207; TAYLOR, 2011, p. 80). Tal condição pode ser definida enquanto uma fragmentação encoberta do Estado, isto é, o surgimento, sob a jurisdição formal do Estado, de fontes

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Deve-se destacar, contudo, que a política fiscal desempenhou um papel fundamental na estabilização da economia russa após a crise de 1998. Em relação à como a política fiscal foi executada e às mudanças no sistema econômico da Rússia após a crise de 1998, ver Åslund (2004) e Slipimbergo (2005). Além disso, foi apenas a partir do aumento do preço do petróleo pós-1998 que a Rússia conseguiu suficientemente tirar os níveis de impostos da indústria de energia para aliviar seu déficit orçamentário (ROBINSON, 2008, p. 16). Na crise financeira de 1998, os magnatas de negócios da Rússia ofereceram uma grande barganha ao Estado pela qual eles cooperariam no cumprimento de suas obrigações fiscais em troca da formalização de suas reivindicações sobre as concessões econômicas que haviam adquirido (EASTER, 2012, p. 81).

135 Putin foi nomeado primeiro-ministro em agosto de 1999 e, em seguida, eleito para a presidência em março de

2000, com 52,94% dos votos (LUONG; WINTHAL, 2004, p. 142). Sobre a ascensão de Putin e seus principais desafios no primeiro ano do seu mandato, ver Rutland (2000).

concorrentes e descontroladas de violência organizada e de redes alternativas de tributação (SOLOMON, 2005, p. 232; VOLKOV, 1999, p. 752). Com isso, “o Estado russo não tinha prioridade incondicional naquelas áreas que o constituíam: proteção, tributação e cumprimento da lei” (VOLKOV, 1999, p. 752). Além disso, salvo exceções, por exemplo, destaca-se que Iéltsin relutou em empregar coerção para a extração. Em vez disso, como destacado anteriormente, ele preferiu se engajar em um processo de barganha discreta pelo qual o Estado central cedeu suas reivindicações sobre recursos específicos (EASTER, 2012, p. 66).

Cabe destacar, ainda, que a extração de receitas foi dividida entre mais de meia dúzia de agências, incluindo a administração tributária, a agência alfandegária, fundos especiais não-orçamentários e o comitê estatal de propriedade. Importa, com isso, salientar que “até mesmo o braço coercivo da administração tributária foi desmembrado em uma polícia fiscal independente, que se tornou mais um concorrente burocrático da receita tributária” (EASTER, 2012, p. 97). Por sua vez, a polícia tributária era a corporificação institucional da “coerção burocrática136”. A agência representava uma adaptação institucional das capacidades coercitivas do regime comunista às circunstâncias dinâmicas da economia de transição137 (EASTER, 2012, p. 101).

No início da década, a coerção não foi efetivamente incorporada ao novo sistema estatal de extração de receita da Rússia. As reivindicações tributárias eram rotineiramente ignoradas sem uma ameaça crível de sanção. Em meados da década de 1990, no entanto, o Estado finalmente redirecionou a coerção para a tarefa de cobrança de impostos. Em particular, o Estado começou a usar a coerção mais prontamente contra o novo setor de pequenas empresas. Todavia, os grandes contribuintes corporativos, dos quais o Estado era dependente de renda, em sua maioria, permaneceram isolados da pressão coercitiva para cumprir com suas obrigações fiscais, protegidos por patronos políticos centrais e regionais. Somente após a reeleição de Iéltsin, em 1996, o governo tentou implantar a coerção contra os maiores evasores fiscais do setor corporativo. Contudo, apesar de todo o potencial coercitivo

136 Enquanto a Rússia adotou um regime tributário baseado na “coerção burocrática” a Polônia viu o surgimento

de um regime baseado no “consentimento legalista”. Assim, os meios estatais de extração eram efetivamente constrangidos e racionalizados por mecanismos jurídico-institucionais, enquanto a sociedade cumpria, em princípio, obrigações fiscais, embora ainda evitasse impostos na medida em que era possível sob a lei (EASTER, 2012, p. 116).

137 Tendo sido privada de sua missão histórica na batalha entre o socialismo e o capitalismo, a polícia precisava

de uma razão de ser para a transição. No final da primeira década, a polícia encontrou uma nova missão de serviço, apelidada de “segurança econômica do Estado”. O colapso fiscal de 1998 tornou-se o evento que cristalizou a nova missão como parte de uma identidade corporativa pós-comunista (EASTER, 2012, p. 101, 104).

inerente ao Estado pós-comunista, os resultados desses esforços iniciais para usar a coerção para alterar a barganha de receita entre o Estado e as elites foram notavelmente fúteis (EASTER, 2012, p. 192).

Além disso, as relações fiscais entre Estado-sociedade na Rússia exibiam características de suspeita e recriminação. À medida que o Estado procurava cada vez mais obrigar a conformidade por meio da "coerção burocrática" – em que os meios de extração do Estado não foram efetivamente restringidos por constrangimentos legais-institucionais - a hostilidade mútua entre Estado e sociedade era reforçada (EASTER, 2012, p. 116, 119-120). Além disso, até a crise fiscal de 1998, a barganha de recursos entre Estado e as elites oferecia proteção política às elites empresariais e regionais contra as ameaças coercivas do Estado central. Todavia, deve-se destacar que, ao longo dos anos de 1990, “o regime fiscal burocrático-coercitivo não conseguiu expandir a base de receita nem sustentar a capacidade fiscal do Estado” (EASTER, 2012, p. 123).

Desta forma, mesmo quando o Estado esteve à beira do colapso fiscal, em uma condição de “alta contestação”, o governo russo não conseguiu promulgar uma reforma tributária138 (EASTER, 2012, p. 76). Com isso, o colapso fiscal de 1998 tornou-se a oportunidade de reunir coerção e capital139. Assim, a polícia tributária tornou-se mais ativa no processo de extração de receita após o colapso financeiro. Quando Vladimir Putin se tornou presidente, a coerção tornou-se um componente mais confiável da arrecadação de impostos, aspecto que merece mais atenção no Capítulo 4, especialmente a partir da restauração do poder vertical, para assegurar que as políticas do executivo central fossem implementadas, suas leis obedecidas e seus impostos cobrados140 (EASTER, 2012, p. 6, 82, 101, 104, 161).