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Capacidade contributiva: signo prático de igualdade do Direito Tributário

4 LIBERDADE E IGUALDADE NO DIREITO TRIBUTÁRIO: entre limites

4.2 Dimensões da igualdade no contexto constitucional pátrio

4.2.2 Capacidade contributiva: signo prático de igualdade do Direito Tributário

O princípio da isonomia tributária, ou igualdade tributária, está expresso no art. 150, II, CF/88, indicando ser vedada a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.

Contudo, a leitura do referido artigo 5º, portador do princípio da isonomia genérica, poderia render dúvidas quanto à real necessidade de observância do art. 150, II. Se todos são iguais perante a lei, o que motivou o legislador constituinte a reproduzir a mesma orientação na seção Das Limitações ao Poder de Tributar? A afirmação de que todos são iguais perante a lei, é aqui reiterada em dimensão negativa, vedando ao Estado o arbítrio de diferenciar indivíduos injustificadamente.

Ávila, em seus apontamos, delimita bem a dimensão normativa do princípio da igualdade em matéria tributária como limite ao poder de tributar:

Quanto ao nível em que se situa, caracteriza-se, na feição de princípio e de regra, como uma limitação de primeiro grau, porquanto se encontra no âmbito das normas que serão objeto de aplicação e, na função de postulado, como limitação de segundo grau, já que orienta o aplicador na relação que deve investigar relativamente aos sujeitos, ao critério e à finalidade da diferenciação; quanto ao objeto, qualifica-se como uma limitação positiva de ação e também negativa, na medida em que exige uma atuação do Poder Público para igualar as pessoas (igualdade de chances, ações afirmativas), bem como proíbe a utilização de critérios irrazoáveis de diferenciação ou o tratamento desigual para situações iguais; quanto à forma, revela-se como uma limitação expressa, material e formal, na medida em que, sobre ser expressamente prevista na Constituição Federal (art. 5º e art. 150, II), estabelece tanto o conteúdo quanto a forma da tributação.158

Nesse leque jurídico, pode-se afirmar que o meio mais concreto de a isonomia tributária alcançar, ou pelo menos tangenciar, o ideal de equidade nas exações seja pelo princípio da capacidade contributiva159.

4.2.3 Capacidade contributiva na CF 88

O princípio da capacidade contributiva se encontra expresso em muitas das constituições atualmente em vigor. Mesmo nos textos em que se encontra tácito, é facilmente depreendido como importante elemento formador dos limites às imposições fiscais. No ordenamento jurídico pátrio, contudo, para que estivesse presente no texto constitucional atual, elevado à categoria de direito do contribuinte e de limite ao poder de tributar do fisco, longo foi seu périplo160.

Ausente em constituições anteriores, ou pelo menos apresentado em formato diverso, foi na Constituição de 1946 que tal princípio tomou contornos semelhantes aos que apresenta hodiernamente. No então art. 202, sua dicção era a seguinte: “[...] os tributos terão caráter pessoal sempre que isso for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”161.

O artigo acima referido foi revogado pela Emenda Constitucional 18, de 1965, permanecendo o princípio da capacidade contributiva expurgado do Texto Magno nos anos subsequentes, até a Emenda nº 1, de 1969. Outrossim, a doutrina assentia em seu caráter de regra implícita, hábil a impor limites ao fisco mesmo nos períodos de silêncio constitucional.

Somente com a Constituição Cidadã, o princípio foi reinserido no direito positivo pátrio, tendo o atual art. 145, § 1º a seguinte redação:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: [...]

§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte [...].162

159 Ressalte-se que Becker entende que as atuais democracias repousam sob a constitucionalização de equívocos. BECKER, Alfredo. Teoria geral do direito tributário. 3 ed. São Paulo, Lejus, 2002. p.447. Assim, a origem histórica e a fértil proliferação de teorias seriam demonstrações de que a capacidade contributiva teria cunho meramente jusnaturalista. Ferraz Junior, por sua vez, adverte que a atual constitucionalização de direitos fundamentais vem enfraquecendo a dicotomia entre direito positivo e direito natural, em razão da trivialização deste último. FERRAZ JUNIOR, op. cit., p.160-161

160 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 21

161 Id. Constituição (1946). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 out. 2015. 162 BRASIL, op. cit.

No tocante à autonomia do postulado da capacidade contributiva, a doutrina pátria apresenta posicionamentos diversos, sem, contudo, deixar de reconhecer sua relevância para o direito constitucional tributário. Hugo de Brito Machado163 entende que o princípio da capacidade econômica contributiva não deva ser interpretado como mera forma de manifestação do princípio geral da isonomia. Carrazza164 advoga que o princípio da capacidade contributiva é simples aspecto em que se desdobra o princípio da igualdade e não regra autônoma. Ávila165 afasta a discussão, apontando que capacidade contributiva e igualdade tem mesmo conteúdo normativo e âmbito de aplicação, sendo este mais amplo para a igualdade.

Conquanto haja divergências doutrinárias acerca da natureza jurídica da capacidade contributiva, se corolário do princípio da igualdade, se princípio autônomo, evidente é sua relação com o art. 5º, caput, CF, consistente em formulação genérica do princípio da igualdade. Aliás, tal relação também se estabelece entre a igualdade genérica e a formulação específica do princípio da igualdade na seara tributária, constante no art. 150, II, CF. A seguir, os artigos acima mencionados, in litteris:

Igualdade genérica

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...].166

Isonomia tributária

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente [...]167.

163 MACHADO, Hugo de Brito. Temas de direito tributário. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1993. p. 28.

164 CARRAZZA, op. cit., p. 60. 165 ÁVILA, op. cit., p. 356. 166 BRASIL, op. cit. 167 Ibid.

Capacidade contributiva

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: [...]

§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte [...]168

A observância da igualdade como metanorma que estrutura um sistema é uma obrigação meramente formal, tendo em vista que ela nada quer dizer em si mesma, a não ser que seu conteúdo valorativo advenha do contexto constitucional169. Igualdade tributária não consiste apenas em igualdade proporcional, mas também igualdade medida na capacidade contributiva. É elucidativa e uniformizadora a defesa de Regina Helena Costa, ao indicar que:

[...] afirmar-se constituir o princípio da capacidade contributiva um subprincípio, derivado do primado da igualdade, não significa apequenar sua importância, mas apenas identificar sua inegável conexão com a ideia de isonomia, sem a qual se esvaziariam seus significado e sentido170.

Ao empreender-se análise das discussões em torno da redação do texto constitucional, verifica-se que a doutrina promove intensas discussões acerca da expressão “sempre que possível”, no contexto de aplicação prática do princípio. A consideração do aspecto subjetivo para eleição de fundamento da imposição tributária revela visão do sujeito passivo171 das obrigações tributárias como indivíduo dotado de direitos, cidadão em potencial desenvolvimento, enfim, como pólo de uma relação jurídico-tributária necessariamente mais sustentável.

Diante da proposta de conferir certo grau de pessoalidade à cobrança de tributos, assente-se que os impostos seriam a espécie tributária mais vocacionada a dar plena eficácia ao princípio. Ora, sendo os impostos espécies tributárias não vinculadas a qualquer prestação direta do Estado, estão mais afetos a espelharem as características econômicas particulares do contribuinte.

168 Ibid.

169 ÁVILA, op. cit., p. 357

170 Id. Princípio da capacidade contributiva. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 43.

171 Quando à abrangência do princípio da capacidade contributiva no ordenamento pátrio, cite-se a lição de Prof. Eliud José Pinto da Costa, ao afirmar que “[...] a expressão sempre que possível revela, no campo isencional, que ao exercitar a sua competência tributária, a pessoa jurídica instituidora do imposto se obriga a instituir isenções aos que não revelam capacidade contributiva”. COSTA, Eliud José Pinto da. A Norma Jurídica e as Isenções Tributárias. 2. ed. São Luís: Aquarela, 2010.p. 96.

A expressão “sempre que possível” não deixa a cargo do intérprete ou do legislador derivado o uso arbitrário dessa previsão. O constituinte impôs a regra a todos os casos, observando, entretanto, que seu uso exigirá análise e atuação específica diante das reais possibilidades de aplicação da personalização e da graduação pela capacidade contributiva172.

Longe de ser cláusula discricionária, Baleeiro assevera que houve a clara intenção do legislador originário em indicar que essa regra é imperativa, não se aplicando somente quando não houver possibilidade de aferição dessa capacidade173.