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1. CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE PROFISSIONAL DOCENTE

1.2. Elementos constituintes de identidades

1.2.2. Caráter dinâmico de uma identidade

O caráter dinâmico de uma identidade se desenvolve por meio de processos internos de negociação identitária, originados pela articulação entre o componente biográfico e o componente relacional – o caráter dual da identidade. Estes processos interativos são vivenciados por meio da socialização, que pode ser definida como o processo de aprendizagem e interiorização de normas, valores e cultura, que se dá ao longo da vida dos seres humanos.

A base da identidade humana é construída na infância e o seu processo de constituição se dá ao longo da vida, por meio das sucessivas interações sociais que o sujeito realiza. Estas interações provocam desestruturações e reestruturações em suas identidades. O desenvolvimento humano não pode ser concebido sem a existência de uma sociedade, pois, ao interagir com o meio, o sujeito se tornará um membro dela, adquirindo os modelos de conduta que são característicos da mesma. Através de vínculos sociais, o sujeito passa a interagir com novos padrões de comportamento, conteúdos e valores sociais (BERGER, LUCKMANN, 2008).

Por meio da socialização, o indivíduo se instrui num processo que lhe propicia a conscientização, de acordo com os modos de cultura onde nasceu. A identidade humana não se dá no ato do nascimento, mas constrói-se na infância e vai se reconstruindo ao longo da vida, num processo de sucessivas socializações. Neste movimento, a socialização se constitui num elemento do desenvolvimento, como um processo ativo de adaptação descontínua a formas mentais e sociais cada vez mais complexas. Ao final do processo de socialização, os valores morais são organizados e estruturados de forma lógica, como uma espécie de moral do pensamento (DUBAR,1997).

Outro autor destacado nos estudos da relação da socialização com a constituição da identidade é George Herbert Mead, que descreveu a socialização como construção de uma identidade social na e pela interação, na obra Self, Mind and Society (1934). Esta teoria coloca o agir comunicacional no centro do processo de socialização, bem como faz depender a lógica da socialização das formas institucionais da construção do Eu e das relações comunitárias. Mead valoriza o ato social como elementar na elaboração do processo social e entende que o comportamento social é uma reação significativa ao gesto do outro. Os estudos de Mead influenciaram o desenvolvimento do interacionismo simbólico em torno da

questão da identidade, destacando o caráter interativo e processual da construção identitária (DUBAR, 1997).

Dubar (1997) expõe que a primeira etapa da socialização meadiana é a tomada de consciência pela criança dos papéis desempenhados pelos que lhe são próximos. O papel é o conjunto de gestos que funciona como símbolos significantes e associados para formar uma “personagem” socialmente reconhecida. A segunda etapa ocorre quando a criança passa do jogo livre para os jogos com regras e aprende a jogar de acordo com estas regras, numa nova compreensão do outro, que é chamado de “o outro generalizado”. A última etapa da socialização consiste no reconhecimento como membro destas comunidades, nas quais a criança se identificou com os Outros Generalizados. É da união entre o eu que interiorizou o espírito de grupo e que se afirma positivamente, que dependem a consolidação da identidade social e o sucesso da socialização. O mais importante neste processo é a forma como o indivíduo se aproxima do mundo social a que pertence e, ao mesmo tempo, se identifica com os papéis sociais, interiorizando atitudes que podem influenciar no seu futuro.

Mead se preocupa com os riscos da “dissociação do Eu” em virtude da sua identificação com o grupo de pertença, o que pode causar uma conformidade ao grupo para se fazer reconhecer pelos outros. Contudo, a sociedade só pode ser construída se for fiel ao espírito da comunidade na qual se enraíza, através da ação coordenada de indivíduos socializados que constroem e inventam novas relações.

Ao tratar da socialização na vida adulta, a literatura pertinente a esta temática aponta como referencial os estudos de Bolívar (2002), que discute a socialização na vida pessoal e profissional de docentes, a partir da perspectiva do desenvolvimento adulto e das teorias da socialização profissional. O autor apresenta o modelo de desenvolvimento adulto segundo Levinson, que inclui períodos de estabilidade, entremeados por períodos de transições.

Segundo o modelo de Levinson, na transição para a primeira maturidade (17- 22), o indivíduo fantasia o que deseja ser no futuro para ocupar um lugar no mundo adulto, o que proporciona a base para mudanças posteriores. Na primeira maturidade (17-45 anos), o adulto demonstra grande energia, contradições e estresse. Neste momento culminante, forja-se uma identidade profissional e a construção de uma estrutura de vida. Na transição da metade da vida (40-45 anos), se recapitula o que foi o primeiro período adulto, modificando-se aspectos

insatisfatórios, fazendo-se ajustes psicológicos e questionando-se diversos aspectos da vida, num recomeço de individualização. Na maturidade média (40-65 anos), o indivíduo já obteve o reconhecimento do mundo adulto e assumiu suas responsabilidades. Nos períodos posteriores, os indivíduos vivenciam uma conjuntura crítica no ciclo de vida. Na maturidade tardia (60 anos em diante), há o confronto com a identidade e a vida, bem como a necessidade de reconciliação com o mundo, configurando-se, em alguns casos, numa nova maturidade. Levinson postulou uma sequência universal dos períodos de evolução da estrutura de vida, combinando desenvolvimento e socialização, compreendendo as propriedades psicobiológicas da espécie e da natureza geral da sociedade humana (BOLÍVAR, 2002).

Os componentes primários da estrutura de vida do adulto incluem as relações interpessoais com outros, que afetam o eu (desejos, valores, compromisso, energia, habilidades), e apresentam, ao longo do tempo, mais estabilidade e mutabilidade, o que instiga a mudança da própria estabilidade da vida. Por isso, o conceito de estrutura de vida exige o exame da natureza dos padrões de relação do adulto com outros eventos ou contextos significativos e sua evolução no tempo.

Diante das referências dos diferentes autores entendemos que a socialização é um processo interativo e relacional que influencia diretamente na constituição da identidade pessoal e coletiva por meio da familiarização do indivíduo com os grupos com quem compartilha valores, atitudes e crenças. O indivíduo constrói a sua identidade nas relações, positivas e negativas, que vivencia nos diferentes grupos sociais com que convive. A integração da identidade se dá por meio da linguagem, dos símbolos e signos e das diversas representações destes grupos, que influenciam as condutas do sujeito, bem como pela partilha de objetivos comuns. Neste processo a cultura exerce um papel preponderante, por se tornar parte integrante da personalidade do sujeito.

Para continuarmos o estudo a respeito da relação entre a socialização e a identidade, é importante ainda considerar os processos de socialização vivenciados pelo sujeito ao longo de sua vida, como: a socialização primária e a socialização secundária. A primária diz respeito às primeiras interações vivenciadas no meio social mais próximo. A secundária são todas as socializações que o indivíduo vivencia posteriormente à primeira, no meio social mais amplo, conforme trataremos a seguir.

1.2.3. O processo de socialização: socialização primária e socialização secundária