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1. CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE PROFISSIONAL DOCENTE

1.3. Processos de constituição da identidade profissional

1.3.2. Dimensões e os elementos constituintes da identidade profissional docente

identidade profissional docente é pertinente retomarmos o significado deste termo que conforme Morosini (2006, p.370) é um processo que envolve rupturas e continuidades e resulta das relações estabelecidas entre duas dimensões conforme o quadro a seguir:

Figura 1 - Dimensões da identidade profissional docente

Figura construída a partir das ideias de Morosini (2006)

A dimensão social da identidade profissional docente se fundamenta no significado social da profissão que tem como “objeto” o ser humano e se dá numa determinada realidade e momento histórico, o que exige do professor reflexões e mudanças de postura diante das demandas, inovações e desafios que surgem no cotidiano de sua ação pedagógica.

Já a dimensão pessoal se baseia no sentido que o docente dá à profissão e aos aspectos que influenciam em sua atividade docente, tais como a família e o espaço escolar. Esta dimensão inclui os diferentes saberes da docência e os conhecimentos específicos do professor.

Assim, a constituição da identidade docente envolve aspectos subjetivos e os inúmeros papéis que o professor desempenha em sua trajetória de vida. Neste contexto, salientamos a contribuição de Abraham (1986) que elaborou a metáfora do labirinto para ilustrar os caminhos que os professores percorrem em sua trajetória pessoal e profissional.

No labirinto, ou universo docente, o sujeito depara-se com becos sem saída, que significam as dificuldades que os mesmos não conseguem superar por não conseguirem fazer as escolhas necessárias para reencontrar o rumo certo. Ao perderem-se no caminho os docentes apresentam dificuldades em assumir novas práticas e chegar aos seus objetivos. Também, há aqueles que escolhem cruzar o caminho em linha reta, ignorando seus anseios e desejos e a necessidade de encarar os desafios de forma construtiva. O labirinto tem dois componentes:

a) o “si mismo individual”- envolve as relações do indivíduo consigo mesmo e com os significantes do campo educacional. Refere-se, conforme a autora, ao que dá consciência da existência de um corpo, dando a certeza da diferenciação, da permanência e da unicidade do sujeito.

b) o “si- mismo grupal ou coletivo”- relaciona-se às dimensões sociais.

Para Abraham (1986) o “si mismo individual” é o monstro que se esconde em cada um de nós, o “eu autêntico”, que não pode ser revelado a fim se ser defendido da destruição. Para defender o “si mismo” o sujeito cria máscaras em situações em que se sente ameaçado.

Esta metáfora nos remete à reflexão sobre as diversas exigências da sociedade, a desvalorização salarial, a precarização dos recursos, a dificuldade no relacionamento no espaço escolar, dentre outros desafios enfrentados pelos professores em suas trajetórias que causam dúvidas, angústias, e até mesmo a perda de sentido e identificação com o ofício, se não forem encaradas de forma construtiva.

Desde a escolha profissional, passando pela formação inicial, o ingresso na profissão e as diferentes etapas da carreira, o sujeito deste processo é o próprio professor. Conforme Kachinovsky (2005) os modos de ser dos professores possuem quatro categorias:

a) as “in-versiones” - lado escuro do professor, que o afasta de seu ideal; b) as “con-versiones” – relacionam-se aos fatos como as dificuldades em áreas específicas, os problemas de relacionamento, os fracassos, as renúncias e as escolhas.

c) as “per-versiones” - consideram o fato das instituições educativas não terem “anticorpos”;

d) e as “di-versiones” - aproximam das percepções agradáveis da profissão. Essas categorias incluem alguns elementos que são determinantes na constituição da docência e requerem a participação dos professores em espaços de formação continuada, onde possam exercitar a reflexão sobre a ação, a integração com os colegas de trabalho e os demais membros da comunidade escolar.

Para continuarmos nossas reflexões sobre a constituição da identidade profissional, recorremos a Nóvoa (1992; 2009), que ao questionar-se sobre como o docente se torna o que é, menciona a relevância da adesão, da ação e da autoconsciência na escolha profissional. Na visão do autor, ser professor implica na

adesão a valores e princípios da profissão, e no investimento nas potencialidades dos alunos. A ação diz respeito às escolhas e às decisões com relação aos métodos e as técnicas que melhor se identificam com a maneira do professor ser e atuar. Finalmente, a autoconsciência relaciona-se com a reflexão pela qual o professor leva a término sua ação.

Concordamos com Nóvoa (1992, p. 16), ao apontar que a identidade não é um simples produto, mas “[...] um lugar de lutas e de conflitos; é um espaço de maneiras de ser e de estar na profissão”. O autor entende que cada um tem o seu próprio jeito de planejar e realizar as aulas, evocando seus desejos, saberes, experiências e modos de ser com os quais se identifica.

Por sua vez, Marcelo Garcia (2009) afirma que a identidade profissional docente é um processo evolutivo de interpretação e reinterpretação de experiências, que envolve a pessoa e o contexto. Ela é composta por subidentidades que podem se relacionar entre si e influenciada por aspectos pessoais, sociais e cognitivos, que contribuem para a percepção de autoeficiência, motivação, compromisso e satisfação.

A profissão docente está em constante mudança devido às condições de trabalho e às transformações sociais, contudo possui alguns elementos constantes, de acordo com Marcelo Garcia (2009), tais como: a socialização prévia na profissão, onde se constrói a identidade; as crenças sobre o ensinar e o aprender; o conteúdo que se ensina e influi no que e como ensinar; a fragmentação do conhecimento docente; o valor do conhecimento prático (aprende-se a ensinar, ensinando); o isolamento do professor em sala de aula; os alunos e a motivação profissional; a carreira docente; o docente como consumidor de propostas e de reformas.

Esses elementos desempenham um papel importante na configuração da identidade e constituem-se como grande desafio à transformação da docência em uma profissão do conhecimento, comprometida com o direito de aprender dos alunos, sendo necessário que, para tanto, a mesma deva rever-se e reconstruir-se continuamente.

Também entendemos como relevante considerar que a forma como o professor estabelece as relações em sala de aula e direciona a sua prática, são, em grande parte, influenciadas pela tradição pedagógica referente à socialização escolar, que tem grande peso na aquisição dos saberes mobilizados e utilizados no exercício do magistério. Assim, a competência e a identidade profissional docente se

desenvolvem ao longo da trajetória, no âmbito de uma carreira ou “processo temporal de vida profissional de longa duração no qual estão presentes dimensões identitárias e dimensões de socialização profissional, além de fases e mudanças” (TARDIF, 2002, p.70). No grupo de pertença ocorre o compartilhamento de experiências, atividades e de saberes que constituem a cultura profissional de uma instituição. Assim, a constituição da identidade docente tem caráter social, resultando do significado que o professor confere a sua atividade no cotidiano a partir de suas crenças, histórias de vida e representações.

Pontuamos que, para fins deste estudo, é importante tratar da aquisição dos saberes de uma profissão, por serem elementos da dimensão identitária e relacionarem-se com a capacidade dos professores mobilizarem novos conhecimentos e habilidades a partir da reelaboração dos adquiridos na formação inicial, usando-os para reavaliar a sua própria prática num processo de autoformação.

Partimos do entendimento de que saberes são conhecimentos teóricos e práticos necessários para o desenvolvimento profissional. Por sua vez, as competências, analisadas aqui de forma crítica, desvinculadas de uma visão economicista e empresarial de trabalho, mas numa visão da formação do sujeito em estruturas de trabalho que permitem sua autonomia, são as capacidades, habilidades e as atitudes, relacionadas aos saberes que instrumentalizam o indivíduo a exercer, de forma adequada, a sua profissão. Um professor competente, portanto, é o que mobiliza seus conhecimentos, para superar os desafios de sua profissão, e proporciona aos alunos oportunidades de aprenderem de forma efetiva, com qualidade, constituindo-se como sujeito que desenvolve suas capacidades subjetivas, intelectuais e práticas.

Os saberes profissionais são construídos no decorrer da carreira de professor e dependem da personalidade de cada indivíduo, bem como das relações que ele estabelece no coletivo da instituição em que trabalha. Os saberes experienciais, adquiridos na fase inicial da carreira, constituem a base dos saberes profissionais e abrangem aspectos de domínio cognitivo e instrumental do papel de professor através dos quais a identidade profissional vai sendo constituída.

Dentre os autores, que tratam do tema saberes docentes, destacamos, para este trabalho, os estudos de Shulman (1987) que propõe sete categorias de base do conhecimento, conforme a seguir:

 o conhecimento do conteúdo específico que se refere aos conteúdos específicos da matéria que o professor ensina e envolve dois tipos de conhecimentos: o substantivo ou paradigma explicativo, utilizado pela área (conceito, princípios, teorias, definição); e o sintático, relacionado ao conhecimento sobre as histórias da área disciplinar e as formas de produção de conhecimento novo (como são introduzidos e aceitos);

 o conhecimento pedagógico geral que se refere aos conhecimentos de teorias e princípios, relacionados a processos de ensinar e aprender e aos princípios de gestão da classe;

 o conhecimento pedagógico do conteúdo que se refere às técnicas e aos princípios necessários para o ensino do conteúdo – é o conhecimento sobre como ensinar, como os alunos aprendem, como os materiais curriculares são organizados na disciplina; e é influenciado, tanto pelo conhecimento da matéria, quanto pelo conhecimento pedagógico;

 o conhecimento curricular que se refere ao conhecimento dos programas de um determinado nível de ensino, dos materiais didáticos, envolvendo conhecimento de materiais alternativos para ensinar, e os assuntos que são ensinados em outros níveis;

 o conhecimento do aluno e suas características refere-se às concepções e às pré-concepções que os estudantes trazem para as situações de aprendizagem, e às dificuldades específicas na aprendizagem, e às capacidades desenvolvimentais dos alunos para adquirir o conceito;

 o conhecimento dos contextos educacionais envolve o contexto micro, tais como grupo de trabalho ou de sala de aula e gestão de escola, até o contexto macro, como o de comunidades e o de culturas, de gestão de classe e de interação com os alunos;

 o conhecimento das finalidades refere-se às metas, aos propósitos, e aos fundamentos filosóficos e históricos da educação;

No modelo desenvolvido por Shulman (1987), o ensino é considerado profissão com um corpo de conhecimento que orienta o professor em suas ações pedagógicas. Para atingir as metas da profissão de educador, os profissionais utilizam conhecimentos e habilidades disponíveis no grupo em que aprendeu a profissão. Assim, a profissão se transforma e novas perspectivas se desenvolvem.

Por sua vez, Tardif (2002) apresenta resultados de pesquisas que fez com professores de escolas primárias e secundárias. Para o autor, os saberes da docência são os saberes de formação profissional, os saberes disciplinares, os saberes curriculares e os saberes experienciais.

Os saberes da formação profissional (das ciências da educação e da ideologia pedagógica) se desenvolvem no plano institucional, na articulação entre as ciências humanas, as ciências da educação e a prática docente, e se estabelecem, concretamente, na formação inicial e continuada.

Os saberes disciplinares são saberes selecionados pela instituição universitária, e correspondem aos diversos campos do conhecimento. Emergem da tradição cultural e dos grupos sociais produtores de saberes.

Os saberes curriculares correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos. Apresentam-se concretamente sob a forma de programas escolares que os professores devem aprender a aplicar. Incorporam o saber-fazer e o saber-ser.

Por sua vez, os saberes experienciais brotam da experiência e são por ela validados. Conforme o autor, o professor deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à pedagogia, e desenvolver um saber prático, baseado em sua experiência cotidiana com os alunos.

Já Gauthier (1998) destaca a importância do reservatório de saberes, constituído de seis categorias: saber disciplinar; saber curricular; saber das ciências da educação; saber da tradição pedagógica; saber experiencial e saber da ação pedagógica.

O saber disciplinar é aquele que os cientistas e os pesquisadores produziram a respeito do mundo, e se encontra sob a forma de disciplinas nas faculdades e cursos distintos. O professor não produz esse saber, mas, para ensinar, procura extraí-lo.

Os saberes curriculares são os selecionados pelas escolas que organizam certos saberes produzidos pela ciência e transformam num corpus que será ensinado nos programas escolares.

Os saberes das ciências da educação são conhecimentos profissionais que o professor adquire durante sua formação ou durante seu trabalho. Não ajudam diretamente a ensinar, mas informam-no a respeito de facetas de seu ofício ou da

educação de um modo geral. É um saber profissional específico que permeia a maneira de o professor existir profissionalmente.

O saber da tradição pedagógica são experiências discentes do professor que influenciam no saber-ensinar.

O saber experiencial diz respeito às experiências próprias do docente que se tornam a regra e, ao serem repetidas, assumem muitas vezes, a forma de uma atividade de rotina.

O saber da ação pedagógica é um saber experiencial que se torna público. É testado através de pesquisas realizadas em sala de aula, ou então, quando há discussão com um grupo de professores, cada um contando sua experiência. É o tipo de saber menos desenvolvido no reservatório de saberes do professor e também o mais necessário à profissionalização do ensino.

Tanto Gauthier (1998) quanto Tardif (2002) consideram relevantes os saberes desenvolvidos na experiência adquirida pelos docentes em suas práticas escolares.

Por fim, Pimenta (2005, p.19) refere-se aos estudos sobre a formação e a identidade profissional docente, tendo como foco os saberes que configuram a docência. A autora considera que a construção da identidade é um processo de construção do próprio sujeito historicamente situado. Desta forma, organiza os saberes da docência em:

 Saberes da docência – a experiência: quando os alunos chegam à formação inicial na academia já com experiências como discentes em toda sua vida escolar, essa experiência lhes possibilita dizer quais foram seus bons professores e quais não foram. Também há aqueles alunos que já tem experiência como professores porque fizeram magistério. Outro nível de saberes da experiência é daqueles professores que produzem, no seu cotidiano docente, a experiência, num processo de reflexão de sua prática, mediatizada por outrem (colegas de trabalho, textos produzidos por autores da área).

 Saberes da docência – o conhecimento: Pimenta (2005) diz que conhecimento não se reduz à informação, que é um primeiro estágio do conhecimento. O segundo estágio é classificar, analisar e contextualizar tais informações. O terceiro estágio envolve inteligência e consciência ou sabedoria; inteligência porque tem de vincular conhecimento, de maneira que se torne útil e pertinente; consciência e sabedoria porque envolvem reflexão, isto é, capacidade de produzir novas formas de existência e de humanização. Porém, não basta produzir

conhecimento, é preciso produzir as condições de produção do conhecimento. Nesse sentido, a escola (e os professores) tem um grande trabalho a realizar com seus alunos: mediar o conhecimento entre a sociedade da informação e seus alunos para que estes desenvolvam a reflexão e adquiram a sabedoria necessária à permanente construção do humano.

Saberes da docência – saberes pedagógicos: são os saberes construídos a partir das necessidades pedagógicas postas pelo real, para além dos esquemas apriorísticos das ciências da educação. Portanto, enquanto „a experiência‟ e „o conhecimento‟ são adquiridos na escola e na formação inicial, os „saberes pedagógicos‟ são construídos na ação.

A atividade principal dos professores é o ensino e sua profissionalidade é constituída pelo conjunto de saberes e requisitos profissionais que os identificam como docentes, tais como: o domínio da matéria e dos métodos, a dedicação, a participação na construção do projeto político-pedagógico e do currículo da escola, o respeito à cultura dos alunos, o comprometimento e a rigorosidade na realização no planejamento. Os saberes docentes devem ser mobilizados desde a formação inicial para que os futuros professores se identifiquem com a docência por meio da experiência e possam desenvolver conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que os instrumentalizem para enfrentar os desafios e demandas que se colocam no cotidiano escolar, num percurso contínuo de formação e profissionalização. Com base nestas considerações, entendemos que os processos de formação continuada não podem se restringir ao treinamento do professor para realizar determinadas tarefas. A formação continuada, que visa a profissionalização docente, tem de planejar atividades em que o professor se desenvolva no sentido de dominar o processo de trabalho, de estabelecer relações interpessoais, e de contribuir para a transformação da sua realidade social.

Libâneo (2008) salienta que a profissionalização refere-se às condições ideais que garantem o exercício profissional de qualidade. A profissionalização e o profissionalismo se complementam, pois este se refere ao desempenho e ao compromisso do professor com os deveres, as responsabilidades, o comportamento ético e político e as atitudes que constituem a especificidade da sua prática profissional.

Diante do exposto, podemos afirmar que os elementos constituintes da identidade profissional docente, conforme o quadro a seguir, envolvem aspectos

como o contexto sócio-histórico, a formação profissional inicial, a trajetória profissional individual ou de grupo, e os saberes docentes desenvolvidos desde a formação inicial. As vivências, como aluno, corroboram para o “ser professor”, por meio das relações estabelecidas e dos aspectos positivos ou negativos do percurso escolar.

Figura 2 - Elementos constituintes da identidade profissional docente

Conforme as informações acima, podemos sugerir que a identidade profissional é formada por uma complexa rede, composta por experiências, saberes, histórias que se desenvolvem num processo evolutivo. Ela envolve a dimensão pessoal e a relacional e inclui o compromisso com a profissão, o conhecimento sobre o que se ensina, a consciência do papel que desempenha e os desafios profissionais.

Nestes processos, os docentes se apropriam dos elementos da identidade que são os saberes próprios de sua função, as atividades concernentes ao trabalho docente tais como os planejamentos, a avaliação e o ensino, a imagem ou a perspectiva do que é ser professor, os sentimentos, os valores, os desejos e as atitudes, que são também influenciados pelo “eu grupal”, as condições de trabalho e os conhecimentos específicos da área de atuação do docente. Tudo isso se

desenvolve numa trajetória marcada pela construção dos saberes profissionais e pela busca do eu autêntico, em meio a crises e desafios que podem levar o indivíduo a evoluir num processo de transformação de referências que dinamizam a profissão de professor.