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Caráter do dano moral e teoria do valor do desestímulo

CAPÍTULO 1 ASPECTOS ELEMENTARES DO DANO MORAL

1.6 Caráter do dano moral e teoria do valor do desestímulo

Conforme analisado ao longo das linhas antecedentes, o dano moral se caracteriza precisamente como uma ofensa ao universo dos direitos imateriais de uma pessoa e, sem tangenciar-lhe o patrimônio material, afeta os seus valores íntimos e o equilíbrio psíquico, causando-lhe dor e sofrimento.

Dentro desse quadro de existência de ataque injusto e de reflexos negativos no âmbito dos direitos extrapatrimoniais de determinado sujeito, exsurge como elemento de reação a exigência de recomposição dos danos resultantes.

Porém, como dito, nesse aspecto não se pode falar em reparação propriamente dita, mas unicamente em compensação, tendo em vista a impossibilidade de exata correlação entre os prejuízos havidos e a indenização estabelecida, face à dificuldade evidente de valoração precisa do dano moral.

De qualquer modo, a suso mencionada compensação que se impõe como forma de reparação do dano imaterial, representada quase que na maioria das vezes pelo repasse de numerário à vítima, assume um caráter dúplice, ou seja, conta com duas funções específicas bem definidas e identificáveis, denominadas por Américo Luís Martins da SILVA43 como função de expiação e função de satisfação ou, no dizer de Maria Helena DINIZ44, função penal ou punitiva e função satisfatória ou compensatória, ou ainda, como prefere Antônio Jeová dos SANTOS45, função punitiva e função ressarcitória.

No tocante ao aspecto punitivo, cabe observar que o mesmo se verifica em relação à pessoa do ofensor e se apresenta como verdadeira pena ou sanção que se lhe impõe com o objetivo de tangenciar o seu patrimônio pessoal como conseqüência da ofensa

43 SILVA, Américo Luís Martins da Silva. O dano moral e a sua reparação civil. 3. ed. rev., atual. e ampl. São

Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. p. 62.

44 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21. ed. atual. São Paulo:

Saraiva, 2007. v. 7. p. 105.

45 SANTOS, Antônio Jeová da Silva. Dano moral indenizável. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Ed. Revista

consumada. Assim, diante da realidade da prática de um ato ilícito e da ocorrência de danos à vítima, impõe-se ao agente causador o pagamento de uma indenização em pecúnia e com isso o mesmo restaria punido mediante o estabelecimento de uma redução patrimonial.

O resultado seria a imposição de verdadeiro castigo em detrimento do lesante e, ao mesmo tempo, serviria de desestímulo para a prática de novos atos semelhantes, sinalizando-se ao ofensor e a toda a sociedade que não se admite a prática de atos de tal jaez.

Contra este aspecto sancionatório da reparação dos danos morais se levantam diversas vozes, das quais faz eco Mirna CIANCI46, a qual argumenta que não se poderia falar em função punitiva nos casos de compensação do dano moral, pois tal implicaria em verdadeira pena privada, o que não se coaduna com o nosso direito e, sobretudo, com os fundamentos da responsabilidade civil.

De fato, denota a doutrinadora em questão, primeiramente, que para atender às finalidades de punição e inibição seria de rigor a fixação do “quantum” indenitário em patamar expressivo e superior àquele que bastaria para a compensação dos prejuízos havidos. Tal implicaria, afirma, na ocorrência de lucro por parte do ofendido e provocaria o seu enriquecimento ilícito.

Além disso, Mirna CIANCI também lembra o fato de que se a idéia é punir a ilicitude de um ato isso nem sempre ocorreria na prática, pois existem diversas situações em que o dever indenitário se desprende de uma prática antijurídica diretamente realizada pelo inculpado, tal como quando alguém responde por fato de terceiro (os pais em relação aos filhos, o patrão em face dos funcionários e demais hipóteses do artigo 932 do Código Civil), bem como nos casos de responsabilidade objetiva em geral.

Há críticas também, no sentido de que sempre que um ato ilícito se mostra grave o bastante para merecer um tratamento diferenciado diante do risco social que representa, o sistema legal passa a considerá-lo como crime e assim o direito penal age de modo a impor uma pena (sanção de caráter público) ao agente que o praticou. Desse modo, se o ato lesivo já foi objeto de repercussão punitiva no âmbito penal, não poderia haver, então, nova reprimenda (sanção de caráter privado), agora na esfera civil, mediante a imposição de indenização com alma de pena.

Afinal, quem consegue equacionar bem toda essa problemática é Yussef Said CAHALI47, o qual nos explica com a clareza que lhe é peculiar, que o caráter aflitivo existe tanto nas hipóteses de ressarcimento (composição de danos materiais), quanto nos casos de compensação (composição de danos imateriais), mas este aspecto sancionatório aqui não se confunde com pena, propriamente dita, imposta pela prática de um delito ou de uma injúria.

Em verdade, esclarece o mestre em referência que a indenização estipulada exsurge como simples “conseqüência civil da infração de conduta exigível, que tiver causado prejuízo a outrem” 48, desprendendo-se da idéia de pena e assumindo, isto sim, a forma de autêntica sanção legal.

Portanto, a função punitiva que aflora da reparação do dano moral, tão defendida pela doutrina pátria, em verdade não representa a imposição de uma pena destinada a castigar o sujeito pela prática de um ato ilícito. Ao contrário, existe mesmo a idéia de sanção, mas esta se estabelece por conta das conseqüências civis do ato antijurídico gerador de danos a alguém e, nesse talante, busca evitar novas ocorrências idênticas.

Ainda, conforme preleciona Carlos Roberto GONÇALVES49, o caráter

punitivo da reparação do dano moral é apenas reflexo, ou indireto, pois se impõe ao responsável pelo ato lesivo um desfalque ao seu patrimônio com a intenção de desestimular novas condutas semelhantes, mas, de qualquer forma, o escopo maior do ressarcimento é mesmo o de recompor o patrimônio do ofendido e não o de punir.

Por outro lado, no tocante ao aspecto compensatório da indenização deve ser destacado que o mesmo se estabelece em relação à pessoa do ofendido e se apresenta com o objetivo de conferir a este último uma satisfação que lhe permita superar as conseqüências negativas do dano ressentido.

O que se pretende mediante a reparação do dano moral não é a exata recomposição dos danos suportados pela vítima, até porque aqui não existirá indenização propriamente dita, no sentido de que o patrimônio possa ser reconduzido ao seu estado anterior à prática da ofensa.

Isto sim, o pagamento de soma em dinheiro que se impõe ao ofensor busca unicamente conferir ao ofendido uma vantagem, ou melhor, uma compensação pelos danos e

47 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. p. 35-44. 48 Ibid., p.40-41.

injustiças suportadas, de forma que lhe resultará uma satisfação capaz de atenuar o sofrimento e os ressentimentos reflexos.

Estas, portanto, são as funções que decorrem do ressarcimento do dano moral e se prestam a compreender melhor o instituto e, sobretudo, para servir de norte à fixação do montante indenitário.

Inclusive, conforme lembrado por Maria Helena DINIZ50, existe proposta de alteração do artigo 944 do diploma substantivo, formulada através do Projeto de Lei nº 6.960/200251, pretendendo-se que a reparação do dano moral deva “constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante”.

De qualquer forma, nos aliamos ao entendimento de Mirna CIANCI52 no sentido de que nunca será o caso de se realizar a fixação de duas verbas indenitárias isoladas, mas sob a mesma bandeira do ressarcimento de danos morais, destinando-se, uma, à punição do autor do dano e ao desestímulo de novas práticas semelhantes e outra, de valor mais significativo, voltada à compensação pelos prejuízos imateriais suportados. Isto sim, a reparação, no sentido lato, envolve a imposição de “quantum” único, mas com caráter dúplice (ressarcimento para a vítima e sanção para o ofensor), pois a compensação que se pretende é uma só.

Na verdade, o aspecto sancionatório se apresenta como elemento capaz de influir na quantificação da verba indenitária, gerando reflexos na sua gradação. Assim, ao juiz incumbirá no momento da estipulação correspondente sopesar a conduta do ofensor, verificando se a mesma se apresentou com maior ou menor gravidade, bem como o seu caráter anti-social, a extensão dos resultados da prática lesiva e as condições econômicas do agressor, tudo de modo a evitar que o valor final estipulado não se mostre pífio, desproporcional e sem condições de servir como verdadeiro castigo, perdendo o seu efeito educativo e desestimulador53.

50 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21. ed. atual. São Paulo:

Saraiva, 2007. v. 7. p.104.

51 O projeto referido, de autoria de Ricardo Fiúza, sugere alterações em diversos artigos do Código Civil, dentre

os quais o 944. Assim, nesse tocante converter-se-ia em §1º o parágrafo único hoje existente e seria acrescentado um §2º ao dispositivo, com a seguinte redação: “a reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante”.

52 CIANCI, Mirna. O valor da reparação moral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.08.

53 A esse respeito, Antônio Jeová Santos esclarece que a indenização dos danos morais, para cumprir o seu caráter exemplar

e sancionador, deve ter atenção aos seguintes requisitos: a) a gravidade da falta; b) a situação econômica do ofensor, especialmente no atinente à sua fortuna pessoal; c) os benefícios obtidos ou almejado com o ilícito; d) a posição de mercado ou de maior poder do ofensor; e) o caráter anti-social da conduta; f) a finalidade dissuasiva futura perseguida; g) a atitude ulterior do ofensor, uma vez que a sua falta foi posta a descoberta; h) o número e nível de empregados comprometidos na grave conduta reprovável; i) os sentimentos feridos da vítima. (SANTOS, Antônio Jeová da Silva.