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Dano estético e dano moral

CAPÍTULO 1 ASPECTOS ELEMENTARES DO DANO MORAL

1.7 Dano estético e dano moral

Muito embora no campo doutrinário e jurisprudencial esteja pacificada a questão em torno da cumulabilidade dos danos morais e patrimoniais, o mesmo não se verifica no tocante ao dano estético e o dano moral, sendo que uma corrente se posiciona no sentido de que seria inviável o tratamento diferenciado para o fim de indenização autônoma, dizendo não ser o primeiro ressarcível por si mesmo, ao passo que outra vertente defende versão diametralmente oposta, como se verá a seguir.

De início, para melhor definir o assunto, cabe analisar o que deve ser entendido por dano estético ou ‘ob deformitatem’ e, nesse sentido, podemos dizer que haverá tal classe de dano sempre que uma ofensa corporal venha a provocar algum tipo de lesão à beleza física da pessoa, causando-lhe, por via reflexa, alterações morfológicas ou funcionais, comprometendo o seu aspecto corpóreo exterior.

O que se verifica nesse caso é um resultado advindo da lesão que resulte em modificação da aparência externa do corpo da vítima, gerando a quebra do conjunto harmônico físico e piorando a sua imagem mediante o estabelecimento de cicatrizes, deformações, feridas, sinais, rugas, estrias, afundamentos da superfície cutânea por perda de massa óssea, eliminação de membros ou partes do rosto (nariz, orelhas, dentes), perfuração ocular e outros que tais.

É importante, evidentemente, como nos explica José de Aguiar DIAS54, que tais alterações morfofuncionais para significar danos estéticos devem se estabelecer de modo a provocar no ofendido descontentamento, humilhação, repugnância, desagrado, dor moral, enfim, influir no seu estado psíquico e sensorial.

De qualquer modo, segundo lição de Wilson Melo da SILVA55, o dano estético não resulta única e exclusivamente do aleijão, ou seja, da lesão física grotesca, altamente distintiva e gravemente ridicularizante. Ao contrário, conforme denota, qualquer deformidade ou deformação estética, mesmo que mínima, indicará o estabelecimento do dano em questão, bastando para tanto que venha a ocasionar um “enfeamento” na vítima, sendo o mesmo capaz

54 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 9. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1994. v. 2. p. 743. 55 SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 499.

de gerar algum tipo de desgaste emocional, complexos psicológicos ou exposição ao ridículo, para esta última.

Porém, é Teresa Ancona LOPEZ56 quem melhor elucida a questão, ao explicar que para existir dano estético se mostra exigível a concorrência dos seguintes elementos constitutivos: a) ocorrência de uma transformação; b) permanência da lesão; e c) aparência externa do dano físico.

Realmente, para a doutrinadora em referência a alteração corpórea da vítima não precisa ser por demais significativa, chegando ao ponto de se apresentar “horripilante” ou “monstruosa”. Basta, segundo sua ótica, que haja uma transformação capaz de alterar a aparência original do ofendido, causando-lhe reflexos incômodos ou vexame, estabelecendo- se, assim, “um desequilíbrio entre o passado e o presente, uma modificação para pior”57.

Além disso, denota a mestra acima nomeada, se faz mister que para ser digno de reparação o dano estético precisa ser permanente, ou pelo menos venha a apresentar efeito danoso prolongado, pois, não sendo assim, assumirá feições de dano material, na medida em que será passível de reparação física – via consolidação natural das feridas e cicatrizes, mediante cirurgias reparadoras ou emprego de próteses – e ressarcimento convencional. Observa relativamente às restaurações pouco satisfatórias e no tocante às próteses e outros “disfarces” (dentaduras, olho de vidro etc.), que os mesmos assumem a condição de dano estético permanente na medida em que não recomponham de forma plena a parte do corpo atingida e signifique indiscutível e perene transformação física58.

Finalmente, a autora em tela dá conta da necessidade da alteração permanente se estabelecer na aparência externa do ofendido, ou seja, que possa ser vista por terceiros em qualquer situação da vida do lesado, com o corpo parado – danos morfológicos visíveis, como cicatrizes, marcas ou perda de membros – ou com o corpo em movimento – danos funcionais, como marcha claudicante ou gagueira. Ressalta que a lesão deformante não precisa estar em local do corpo que se apresente visível todo o tempo; basta que se estabeleça na superfície corporal e possa ser visualizada ainda que em momentos íntimos, como, v.g., no caso de uma

56 LOPEZ, Tereza Ancona. O dano estético: responsabilidade civil. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed.

Revista dos Tribunais, 1999. p. 38-44.

57 Ibid., p.39.. 58 Ibid., p.40-41..

mulher que apresente cicatriz nos seios e que, por vergonha de se expor, evite manter relações sexuais com seu parceiro59.

Estes, portanto, são os contornos do dano estético e que nos permite concluir que se cuida, na sua essência, de um autêntico dano moral, integrando a conformação deste último.

Aliás, o dano moral se apresenta como o efeito lesivo sobre o patrimônio imaterial do ofendido, abarcando este último os seus direitos da personalidade, os atributos da pessoa e a dignidade humana. Mas justamente se apresentam como direitos da personalidade, dentre outros, a integridade corporal e a imagem, cuja ofensa específica redunda na conformação do dano estético. Um é gênero (dano moral) do qual o outro se apresenta como espécie (dano estético).

Como Antônio Jeová SANTOS60 observa, com especial percuciência, a lesão estética não pode integrar o campo do dano material, muito embora recaia sobre a integridade física do lesado, pois o que importa são os efeitos da ofensa. Quando estes reflexos eventualmente repercutirem no âmbito patrimonial – redundando, p.ex., em lucros cessantes, quando a vítima fique afastada do seu trabalho até a recuperação, ou mesmo danos emergentes, quando o ofendido precise se submeter a cirurgias reparadoras –, o dano será tipicamente material. Mas sempre que os efeitos estenderem seus reflexos no campo extrapatrimonial do ofendido, causando-lhe um sofrimento moral, então o dano será típica e exclusivamente moral.

Daí o mestre referido afirmar que o dano estético integra a classe dos danos morais, restando abstraído do âmbito dos danos materiais e, em hipótese alguma, se mostra capaz de configurar um terceiro gênero de dano61, pois se acomoda visceralmente ao conceito deste último, não subsistindo por si próprio, como classe isolada. Até porque, alerta, todo dano passível de ressarcimento está atrelado aos seus efeitos no campo de interesses da vítima e, como tal, será econômico ou moral, inexistindo um “tertium genus” capaz de se colocar entre aqueles dois campos.

Exatamente por isso Antônio Jeová SANTOS conclui – no nosso entender, com total acerto – que em momento algum seria possível cumular o dano moral com o dano estético,

59LOPEZ, Tereza Ancona. O dano estético: responsabilidade civil. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed.

Revista dos Tribunais, 1999. p. 43.

60 SANTOS, Antônio Jeová da Silva. Dano moral indenizável. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Ed. Revista

dos Tribunais, 2003.p. 344-347.

fixando-se indenizações diferenciadas para ambos, pois tal implicaria em verdadeiro “bis in idem” ressarcitório, máxime porque o fato que origina ambas as espécies de danos é o mesmo62. No mesmo sentido sobrevém a lição de Rui STOCO63, o qual argumenta que toda lesão estética gera sofrimento íntimo para a vítima, na medida em que modifica a sua imagem exterior, motivo pelo qual estaria contida dentro do conceito de dano moral. Portanto, garante que haveria duplicidade de indenização se acaso se admitisse a possibilidade de cumulação de ressarcimento por dano estético e por dano moral.

Inclusive os magistrados que tomaram parte do IX Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil, levado a efeito no período de 29 a 30.08.1997 na cidade de São Paulo, chegaram à conclusão unânime de que “o dano moral e o dano estético não se cumulam, porque o dano estético importa em dano material ou está compreendido no dano moral”.

Não obstante isso, Teresa Ancona LOPEZ64 defende posição antagônica e esclarece que o dano estético mereceria tratamento especial porque acarreta em detrimento do lesado um acréscimo negativo, consistente em um dano também à sua imagem social. Isso porque, alega, o ofendido estaria obrigado a conviver permanentemente com a humilhação resultante da lesão, não tendo como dela se dissociar.

Assim, consoante o seu ponto de vista, a cumulação do dano estético com o dano moral seria de rigor, posto que as indenizações respectivas se estabeleceriam a títulos diversos, sendo uma para ressarcimento da dor resultante da deformação física e outra por conta dos sofrimentos íntimos que afetarão o ofendido por toda a sua vida. Seriam, portanto, tipos diferentes de danos morais à pessoa, atingindo bens jurídicos distintos e por isso se fariam merecedores de ressarcimentos isolados.

Inclusive em defesa da sua tese, a doutrinadora em referência destaca que a própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso V, estabeleceria este tratamento

62 Segundo SANTOS, Antônio Jeová da Silva. Dano moral indenizável. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo:

Ed. Revista dos Tribunais, 2003. p. 348: “Admitir cumulação de dano moral e dano estético, mesmo quando derivado do mesmo fato, é outorgar ‘bis in idem’, pois não existe um terceiro gênero de indenização. Ou alguém sofre dano moral (aí incluído o estético), ou sofre lesão patrimonial, ou ambos, como já afirmado neste trabalho. O que não é de ser admitido é que alguém seja indenizado três vezes, pelo mesmo e idêntico fato. Se a lesão estética repercute no espírito, mortificando-o, não se vá concluir que a vítima sofreu três lesões autônomas, passíveis de gerar três indenizações”.

63 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos

Tribunais, 2001. p. 943.

64 LOPEZ, Tereza Ancona. O dano estético: responsabilidade civil. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed.

diferenciado ao apontar o dano à imagem como um terceiro tipo de dano, ao lado do material e do moral65.

Em idêntico diapasão vibram as palavras de Enéas de Oliveira MATOS66, o qual apenas acrescenta como fundamento para justificar a autonomia e a cumulação do dano moral com o dano estético, somando aos outros já expostos por Teresa Ancona LOPEZ, a realidade de que o direito à saúde estaria amparado expressamente na Magna Carta, em seus artigos 6º e 196 da Magna Carta, o qual imporia a todos o dever geral de respeito à integridade psicofísico do seu próximo. Daí resultaria a necessidade indiscutível de reparação suficiente dessa nova realidade jurídica, o que somente seria possível mediante ressarcimento autônomo.

Também o mestre Yussef Said CAHALI67 afirma que algumas vezes o dano moral resultante das lesões que recaem sobre a integridade físico-psíquica da vítima transcende as repercussões meramente estéticas e atinge igualmente o psiquismo desta última. Assim, em hipóteses que tais o tratamento diferenciado e a indenização concorrente seria de rigor.

De qualquer modo, deve ser dito, com o maior respeito, que apesar da enorme expressão e capacidade dos nobres defensores dessa teoria a mesma não se sustenta diante da realidade de que tudo aquilo que se apresenta como dano estético nada mais é do que a própria essência do dano moral e por isso a almejada cumulação indenitária afronta as regras gerais de direito ao ocasionar dupla penalização pelo mesmo fato. E se a hipótese resultante é de dano reflexo à imagem social da vítima, a solução adequada implica em majoração do “quantum” indenitário do dano moral, englobadamente considerado, e não na estipulação de verbas diversas, como sugerido.

Não se pode perder de vista, porém, a realidade de que o Superior Tribunal de Justiça passou a firmar jurisprudência no sentido de admitir a indenização por dano moral e dano estético de forma cumulada, mesmo que derivados do mesmo fato, sempre que se mostre possível a apuração correspondente de forma isolada68.

65 De qualquer modo, Teresa Ancona Lopez assevera a mencionada cumulação do dano estético com o dano

moral somente seria admitida em casos graves de deformações ou desfigurações, por conta das quais resultasse vergonha anormal para a vítima e sua rejeição entre seus pares (LOPEZ, Tereza Ancona. O dano estético: responsabilidade civil. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999.p. 127).

66 MATOS, Enéas de Oliveira. Dano moral e dano estético. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 296-298. 67 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. p. 256-259. 68 RSTJ 105/339, 115/258; RT 751/230.