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Características clínicas e acepções do termo

PRINCIPAIS MARCOS HISTÓRICOS SOBRE A HISTÓRIA DA DLX-D

5.3 Características clínicas e acepções do termo

A formulação do conceito da DCC-D foi estabelecida entre as décadas de 1960 e 1970 (Kosc, 1974) usado, em muitos casos, para distingui-lo da discalculia adquirida, défices em matemática causados por lesões congenitas no início do desenvolvimento, e acalulia (Landerl, Bevan & Butterworth, 2004). Cunhada em 1925 por Henschen, o termo acalculia denota perda de habilidades aritméticas previamente adquiridas (Shalev, 2004) causado por lesão na cabeça (Drew, 2015). Rubinsten e Henik (2009, p.92), por conseguinte, comentaram que acalculia é uma lesão cerebral, ocorrida em qualquer fase da vida após nascimento, que produz défices em qualquer componente da habilidade aritmética, pois sujeitos com acalculia podem mostrar défices na estimativa, mas não no cálculo, em subtração, mas não na multiplicação, escrita e aritmética oral.

Ardila e Rossellli (2002, p.180) ao realizarem revisão de literatura sobre acalculia informaram que a definição desse termo se refere a um prejuízo em habilidades computacionais, resultantes de lesões cerebrais que, “ao contrário da discalculia do desenvolvimento, o transtorno matemático é consequência de uma lesão cerebral”. Notificaram ainda que a disfunção dos processos cognitivos da acalculia pode ser a mesma para a DCC-D, pois os tipos de erros apresentados são semelhantes. Ainda acentuaram que antes da definição apresentada por Henschen (1925) “algumas referências de distúrbios de cálculo associados ao dano cerebral são encontradas na literatura. Na maioria dos casos, esses distúrbios de cálculo foram interpretadas como sequêlas do comprometimento da linguagem (afasia)” (Ibid).

De igual maneira à DLX-D, a DCC-D na literatura nacional e internacional revelam controvérsias relativamente à incidência, especificidade, definição, processo de diagnóstico e, por conseguinte, resultados avaliativos. O âmago do debate converge em saber exatamente se o impedimento à aprendizagem externa meramente dificuldades matemáticas ou pecorre o âmbito da desordem. Em outros termos, se o sujeito apresenta problemas na matemática que com atividades específicas e diferenciais o mesmo se desenvolve, ou mesmo com tais ações essas

153 dificuldades efetivamente persistem. Dowker e Kaufmann (2009, p. 339), por exemplo, informaram que o problema gira em torno de saber “se a discalculia deve ser vista como uma desordem ou a extremidade inferior de um continuum de habilidade ou realização em matemática”.

Segundo Skagerlund e Träff (2016), o argumento para tal discordância ampara- se na discrepância de parâmetros objetivos entre os pesquisadores para definir o que seria dificuldade em matemática e o que seria, de fato, DCC-D, levando a uma variabilidade de procedimentos. Isso é preocupante visto que implica em amostras diferentes de crianças diagnosticadas com DCC-D e subsequêntes achados diversos e inconsistentes. Os autores ainda frisaram que os pesquisadores geralmente concordam que a DCC-D é parcialmente causada por fatores biológicos, sem embargo, destacou que pesquisas têm gerado resultados mistos sobre o perfil neurocognitivo e origem da desordem.

A avalição diagnóstica da DCC-D indicada pelo DSM-V (2014) é estabelecida quando o desempenho da criança em aritmética é substancialmente abaixo do esperado para sua idade, inteligência e educação fornecida. A esse respeito, Shalev, et al. (2000) pontuaram que a palavra substancialmente por ser um termo vago e subjetivo favorece para que a decisão final do diagnostico seja do profissional que avalia. Os autores também sublinharam que o desempenho das crianças com DCC- D, em relação as que apenas apresentam dificuldades de aprendizagem, depende da discrepância entre potencial intelectual, realização ou da discrepância de idade de pelo menos dois anos entre o grau cronológico e nível de realização. No entanto, realçaram os autores, a diferença de dois anos de atraso entre o grau cronológico e nível de realização não é significativa para crianças mais novas e mais velhas.

Em conformidade, Dowker e Kaufmann (2009) ressaltaram que tal cenário sucede devido a incompatibilidade de critérios na descrição acerca do desempenho matemático e QI. Butterworth, Varma e Laurillard (2011), por exemplo, afirmaram que os variados testes de inteligência influem em distintas avaliações, em virtude das diferenças existentes de medida dos testes, comumente utilizados. Por exemplo, QI de Wechsler mede conhecimento de vocabulário, números e aritmética; outros testes exigem apenas habilidades espaciais e de raciocínio. Outrossim, disparidades quanto aos grupos etários (6 a 14 anos), dos critérios de corte e medidas de triagem matemáticas manipuladas (Skagerlund & Träff, 2016).

154 Apesar de controverso, pois diferentes medidas levam a diferentes avaliações, entidades internacionais tais como o Escritório de Educação dos EUA e a APA recomendam utilizar o teste de QI, teste de leitura, matemática ou capacidade social (Butterworth e Kovas, 2013). A título de exemplo, Skagerlund e Träff (2016) ao citarem alguns estudos (Piazza et al., 2010; Rousselle & Noël, 2007) afirmaram que estes fizeram uso de baterias de testes multifacetados como medidas de triagem, abordando aspectos como conhecimento de números básicos, problemas aritméticos de um dígito simples e cálculo de multidígitos. O autor enumerou outras investigações (Landerl, Bevan e Butterworth, 2004; Mussolin, Mejias, & Noël, 2010) que focaram exclusivamente na recuperação de fatos aritméticos.

A capacidade social é medida pelo nível sócio econômico da família do voluntário da pesquisa, pois diversos estudos (Dellatolas, Von Aster, Willadino-Braga, Meier & Deloche, 2000; Engel, Santos & Gathercole, 2008; Fluss et al., 2009; Koumoula et al., 2004) têm identificado que o desempenho aritmético das crianças é resultado de índice baixo no estatus sócioeconômico de suas famílias e, por isso, é uma condicionante contextual relevante de ser verificada e utilizada nas pesquisas educacionais (Sirin, 2005).

Em conformidade com algumas pesquisas, Zerafa (2015) assinalou que as dificuldades externadas pelos sujeitos com DCC-D são distintas: alguns evidenciam dificuldades em todas as tarefas numéricas (Landerl et al., 2004), e outros dificuldades com conceitos e procedimentos específicos (Temple, 1991). Neste sentido, o autor destacou “a necessidade de os alunos serem avaliados de maneira formativa para identificar áreas específicas que precisam de intervenção” (Ibid, p. 1179). Silva e Santos (2011), por exemplo, investigaram o processamento numérico, de cálculo e memória operacional de 30 crianças divididas em dois grupos (sem dificuldade em aritmética – DSA e com dificuldade em aritmética - CDA) por meio da cognição numérica, raciocínio visual abstrato, memória operacional visuoespacial. Os achados revelaram diferenças entre as crianças dado que o grupo CDA apresentou: escores levemente mais baixos para o nível intelectual apresentou, prejuízo nos subtestes ditado de números, cálculo mental, problemas aritméticos e total da bateria ZAREKI- R, défices específicos em memória operacional visuoespacial, bem como comprometimento em processamento numérico e cálculo. Tal como Ashkenazi, Mark- Zigdon e Henik (2013) pontuaram as habilidades matemáticas estão correlacionadas com as funções executivas e memória operacional visuo-espacial. Assim, sujeitos que

155 evidenciam défices nessas áreas são compatíveis com crianças com DCC-D. Respaldado em alguns autores (Dowker, 2004; Geary, 2004; Bird, 2009; Emerson & Babtie, 2010), Zerafa (2015, p. 1179) elencou as principais características de um aprendiz com DCC-D: i) geralmente não têm "não sentido para numérico" (no feel for

numbers); ii) pouca capacidade de estimar; iii) não pode entender se uma resposta a

uma tarefa matemática é razoável ou não; iv) sentimentos negativos, tais como a ansiedade, tendendo a bloquear sua capacidade de se envolver em tarefas de matemática; e v) dificuldades em subitizing, estimar, recuperar fatos numéricos, contar para trás, compreender e aplicar o conceito de tempo, sequência, direção (esquerda / direita), observação dos padrões de números e compreender e aplicar a linguagem matemática.

Em se tratando da definição do termo, Von Aster e Shalev (2007) compreendem a DCC-D como disfunção do desenvolvimento de redes neurais especificamente para o domínio numérico; contudo, pouco se sabe sobre as origens biológicas moleculares da DCC-D e há poucos estudos longitudinais empreendidos sobre os fatores de desenvolvimento desse distúrbio (Rubinsten, 2009). Shalev, et al. (2000) enunciaram que, como não há um marcador biológico para as dificuldades de aprendizagem, o impedimento de ter uma única definição para o termo e maneira para diagnosticar a DCC-D é previsto. Porém, Rubinsten e Henik (2009) ressaltaram que nas atuais pesquisas realizadas sobre a DCC-D (Molko, et al., 2003; Cohen, et al., 2007) têm-se indicação de um único marcador biológico para a discalculia: a anormalidade do sulco intraparietal (IPS).

Ardila e Rosselli (2001) enfatizaram que o termo DCC-D era compreendido pela Associação Americana de Psiquiatria em 1987 como um transtorno cognitivo da infância que prejudicava a aquisição normal de habilidades aritméticas. Em consonância, Shalev et al. (1988) sublinharam que a DCC-D era frequêntemente usada como um termo geral que abrangia todos os aspectos da dificuldade em aritmética. Em 1994, a APA (DSM-V) muda o termo para transtorno específico da

matemática. No entanto, na literatura neuropsicológia, o termo Discalculia do

Desenvolvimento permanece.

Skagerlund e Träff (2016) frisaram que a DCC-D é um distúrbio específico de aprendizagem caracterizado por défices na aprendizagem, na lembrança de fatos aritméticos e na execução de procedimentos de cálculo. Desta maneira, a DCC-D é uma desordem de aprendizagem em matemática cuja análise perpassa pelas áreas

156 neuropsicológica, cognitiva e do desenvolvimento (Dowker & Kaufmann, 2009). Faz- se mister pontuar, conforme assinalaram os autores, que a DCC-D tende a ser definida como dificuldade grave na aprendizagem de aritmética, não relacionada com o comprometimento intelectual geral ou à falta de educação e oportunidade do sujeito.

Segundo Shalev, et al. (2000), os défices encontrados na DCC-D se configuram como um problema de aprendizagem encontrado frequêntemente em crianças com atraso no desenvolvimento da linguagem. Para tanto, citam a pesquisa desenvolvida por Shalev (1998) para fundamentar tal afirmação, pois os dados obtidos nessa investigação evidenciaram diferenças de desempenho entre crianças do jardim de infância. Quer dizer, as crianças com atraso no desenvolvimento da linguagem desvelaram desempenhos inferiores em aritmética em todos os domínios testados no estudo, apesar de estas não apresentarem dessemelhanças no nível de inteligência. Outros pesquisadores (Kosc, 1974; Ashkenazi, Mark-Zigdon & Avishai Henik, 2013) informaram que a DCC-D tende a ser definida como uma desordem em habilidades matemáticas presumida por um comprometimento específico na função cerebral sem indicação de desordem de leitura (DLX-D), distúrbios atenuantes como TDAH ou deficiência intelectual. Em virtude dessas diferentes perspectivas, Von Aster e Shalev (2007), assentados em diversas pesquisas na área das neurociências (Geary, 1993; Ashkenazi, Rubinsten & Henik, 2009; Rubinsten & Henik, 2009b; Ashkenazi & Henik, 2010a, 2010b), sublinharam a existência de duas linhas de pensamento acerca da DCC-D: i) desordem pura/específica, que envolve défice do processamento numérico; e ii) desordem referendada em défices na aritmética por ser um fenômeno de domínio geral.

Similarmente, Rubinsten e Henik (2009, p.92) frisaram que a DCC-D pode ser considerada uma desordem pura. Contudo, enfatizaram que o mais recorrente é a discalculia com problemas múltiplos, típicos da maioria dos casos dos distúrbios do desenvolvimento, visto que a DCC-D pura se aplicaria a uma minoria de sujeitos (1 a 2 %, conforme os estudos epidemiológicos). Em consonância, Dowker e Kaufmann (2009) ressaltaram que diversos estudos empreendidos demonstram que a desordem não é um conceito unitário em razão dos perfis neurocognitivos variarem amplamente entre indivíduos e até mesmo dentro de um único sujeito.

Dowker e Kaufmann (2009) declararam que diversas pesquisas vêm caracterizando as diferenças entre sistemas neurocognitivos do processamento numérico e cálculo, suas relações com outros domínios cognitivos e com o

157 desenvolvimento atípico da cognição numérica, tal como a DCC-D. Assim, “a discalculia deve ser considerada como uma desordem heterogênea com componentes em grande parte dissociáveis e perfis de desempenho divergentes” (Dowker & Kaufmann, 2009, p.340).

Von Aster e Shalev (2007) alinharam-se a esse pensamento, ao assinalarem que a DCC-D é fenômeno heterogêneo que afeta a aquisição de habilidades aritméticas. As variáveis de ensino e do ambiente não implicam na sua etiologia, pois a desordem tem base cerebral com evidências genéticas, neurobiológicas e epidemiológicas. As fontes de influência, ensino e ambiente, implicam na progressão da DCC-D no indivídio já avaliado com essa desordem. Em outros termos, se uma criança com DCC-D pertencer a uma instituição de esnino em que o processo instrucional for efetivado de maneira insatisfatória, o mesmo tenderá a desvelar desempenhos escolares cada vez mais desfavorávies. Por outro lado, se pertencenter a uma escola cujo ensino for satistatório, a desordem desse sujeito pode ser atênuada, compensando seus impedimentos para aprender, ao desenvolver determinadas estratégias que os ajudarão a obter progressivamente desempenhos quanti e qualitativamente mais positivos.

Dowker e Kaufmann (2009) distiguiram a definição da DCC-D em dois aspectos: i) termos funcionais, por envolver dificuldades matemáticas específicas e graves, sem referência à causa; ii) desordem cerebral, por envolver anormalidades ou subdesenvolvimento das áreas do cérebro que lidam com o número. Tal como a maioria dos autores (Von Aster & Shalev, 2007; Dowker & Kaufmann, 2009; Kaufmann, 2009; Rubinsten & Henik, 2009; Skagerlund e Träff, 2016) a presente investigação compreende que a DCC-D como um fenômeno heterogêneo que, por exibir défices funcionais, se configura como uma desordem específica de aprendizagem develando dificuldades, de moderadas a extremas, para os fatos aritméticos e execução de procedimentos de cálculo, a qual permeia nas áreas neuropsicológica, cognitiva e do desenvolvimento, revelando base cerebral, com evidências genéticas, neurobiológicas e epidemiológicas. Etiologia não atribuída a dificuldades sensoriais, baixo QI ou privação educacional.

O Quadro 4 exibe as principais definições para DCC-D e caracteríticas clínicas dessa desordem.

158 Quadro 4 – Principais definições e caracteríticas clínicas para a DCC-D