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Características da criança surda e seu aprendizado na Educação Física

Como mencionado anteriormente, há diferentes subgrupos entre os surdos, cujas diferenças entre si são muitas vezes maiores do que entre os surdos e ouvintes, coletivamente. Marchesi (1995) menciona que as variáveis que mais influenciam no desenvolvimento dos surdos são: o nível de perda auditiva, a idade do início, sua etiologia e os fatores educacionais e comunicativos e dentre estes, o grau de intensidade da perda auditiva é a dimensão que mais influencia o desenvolvimento, seja em habilidades lingüísticas, cognitivas, sociais ou educacionais. A intensidade da perda auditiva pode ser considerada influenciadora justamente por impedir ou dificultar a comunicação, essencial para o desenvolvimento do conhecimento humano. Por outro lado, Pasetto (2004) aponta que algumas pesquisas mais atuais têm sugerido que a idade em que a surdez ocorreu (fase pré ou pós-lingüística) interfere mais do que o nível de perda auditiva.

Normalmente, quando se mencionam as características da criança surda são abordadas as referentes à linguagem, fala, psicológica e de comportamento. A perda auditiva pode como corolário levar á dificuldades na aprendizagem da criança surda, tais como: a aquisição da linguagem escrita (NORTHERN & DOWNS, 1989), aquisição ou formação de conceitos (NORTHERN e DOWNS, 1989; VALE, s.d.) e instabilidade motora, como verificado por Castro, Viana e Alencar (2007). Embora algumas dessas dificuldades normalmente sejam mais relacionadas à sala de aula, há uma interrelação entre elas, influenciando-se mutuamente.

Neste sentido, Skliar (1997) apresenta as conclusões de estudos clínicos realizados com crianças surdas em escolas, para os quais o desenvolvimento da criança surda é um pouco inferior à sua idade cronológica, incluindo-se aqui a coordenação motora, mas que ela passa pelos mesmos estágios de desenvolvimento que a criança ouvinte. Este atraso no desenvolvimento, segundo os profissionais envolvidos na pesquisa é devido a fatores orgânicos (deficiência auditiva) e psicogênicos (labilidade emocional).

A instabilidade motora em alunos surdos também foi verificada por Castro, Viana e Alencar (2007) em todas as sessões iniciais (12 sessões) da intervenção

realizada através de atividades motoras visando amenizar as dificuldades de aprendizagem escolar dos mesmos.

Além da maturação, a experiência tem grande relevância no desenvolvimento. Como indica Damasceno (1992), o movimento possibilita interação com o ambiente e sua falta leva a prejuízos físicos e psíquicos.

O benefício da atividade física também tem relação com o objetivo que se tem e o meio do qual se utiliza. Tanto é possível usar o meio tradicional de educação com modelo, buscando a execução correta de tudo, quando um meio mais inclusivo, onde a criança participa criando.

A maior parte das pesquisas faz referência entre a perda auditiva e a perda do equilíbrio. Em relação ao desenvolvimento motor, Castro (2005) refere que algumas pesquisas confirmam e outras negam haver diferenças entre crianças surdas e ouvintes. Inclusive menciona que, há pesquisas indicando que a maior alteração do equilíbrio deste ocorre quando a surdez não é hereditária.

A avaliação da distância e da direção também fica prejudicada com a perda auditiva, como menciona Almeida (2005), e esta capacidade é muito usada na Educação Física. Outros prejuízos motores como a velocidade de movimento, coordenação motora, ritmo e noção-espacial também são mencionados pelo autor, mas com a ênfase de que podem ser amenizados e até eliminados com estimulação motora.

Bevilacqua e Jacob (2001) indicam duas maneiras pelas quais a surdez pode ser abordada: a primeira é considerando que a privação sensorial altera os mecanismos de respostas, provocando atraso, e a segunda, que a surdez provoca uma falta de experiências e esta por conseguinte, o atraso, afirmação na qual é acompanhado por Gesueli (1998). Assim, a experiência se torna uma das maiores responsáveis pelo atraso da criança surda e não apenas a surdez, o que requer caminhos especiais, como aponta Góes (1999), diferenciados pela exigência da condição de surdez.

Mas algumas indicações podem contribuir para um melhor aproveitamento das aulas de Educação Física e aprendizado das crianças surdas.

O uso de brinquedos para descoberta do corpo e seu funcionamento e o uso de jogos são sempre sugeridos, e contribuem para o desenvolvimento da personalidade e moral, cognitivo e motor também do surdo (CASTRO, 2005).

Também é necessário um cuidado especial para que as explicações dadas não ocorram fora do campo visual do aluno surdo, que tem menos abrangência que a audição. Almeida (2005) ainda acrescenta a necessidade de cuidados ao subir em alturas

elevadas, ao usar o trampolim acrobático ou mergulho em piscina quando tiverem distúrbio nos canais semicirculares, devendo ser feito apenas com supervisão. Para potencializar a comunicação, sugere o uso de pistas visuais, motoras e uso de sinais. O conhecimento da Língua de Sinais também contribui para uma melhor comunicação.

Outras sugestões das são as alterações para aulas de dança que devem acontecer em tablado de madeira com as caixas de som voltadas para baixo, permitindo que o aluno sinta a música (CRAFT & LIEBERMAN, 2004). Os autores ainda referem que colegas tutores podem contribuir no repasse de informações, conceitos de regras e estratégia de jogo, uma vez que são áreas de maior dificuldade para o surdo em razão de não ter acesso a linguagem usada (fala). Cuidados como uso de tampões para ouvido e protetor nas aulas de natação também devem ser tomados para os alunos que sofrem de inflamações freqüentes.

Quando possível, o uso de intérpretes é muito relevante. Muitas vezes o aluno surdo tem dificuldades na compreensão do que está sendo explicado na aula. O intérprete facilitaria, principalmente se tivesse acesso aos planos de aula anteriormente pra que verificasse os vocabulários específicos. Neste sentido, Lima e Filus (2003) sugerem inclusive o desenvolvimento de um vocabulário básico de sinais para a modalidade esportiva, além de oportunizar o aprendizado espontâneo que é permitido às outras crianças.

Outra implicação para as aulas de Educação Física é que em razão da visão ser a fonte de informação do surdo, sua atenção é seletiva. Assim, provavelmente será necessário retomar a atenção do aluno várias vezes. Diehl (2006) menciona que o uso de materiais visualmente interessantes pode contribuir para manter a atenção.

O principal é lembrar que assim como para os ouvintes, para o suro as aulas também devem seguir do simples para o complexo, onde as atividades já vivenciadas e abstraídas vêm antes das mais novas. A exigência deve ser compatível com a idade tendo expectativas para desempenho motor, preparo físico e comportamento semelhantes aos dos ouvintes.

Embora seja necessário um cuidado especial com as próteses ou implantes, já mencionados anteriormente, as atividades físicas ou aulas de educação física não requerem tantos cuidados ou adaptações. O principal é a disponibilidade em auxiliar para que este aluno compreenda o que se passa a sua volta e para que compreenda o conteúdo que será abordado.

A surdez pode levar a implicações em diferentes áreas, como já exemplificado com a Educação Física. Embora não seja a responsável direta pelas dificuldades ligadas a formação do pensamento, a dificuldade de comunicação gerada pela surdez dificulta diversas outras aquisições, como por exemplo, a de conceitos. Os conceitos são indispensáveis numa sociedade que é regida pela comunicação e símbolos, tendo papel relevante na vida de qualquer pessoa. As idéias sobre o que vem a ser conceito e suas divisões estão descritas no capítulo seguinte.

CAPÍTULO 2 - CONCEITOS