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2 A SURDEZ EM UMA PERSPECTIVA HISTÓRICO-SOCIAL E

3.2 CARACTERÍSTICAS DO BILINGUISMO INTERMODAL/BIMODAL

Os termos bilinguismo intermodal ou bimodal e unimodal ou monomodal surgiram da necessidade de maior precisão terminológica a fim de que se pudesse distinguir entre um tipo de bilinguismo e outro. Entre os pesquisadores não existe consenso a respeito do emprego da terminologia “intermodal” ou “bimodal” uma vez que elegem um desses termos para uso por diferentes razões.

Quadros (1995) utiliza o vocábulo “intermodal” para o uso de uma língua espaço-visual e de uma língua oral-auditiva (sinal-fala) porque ele capta a possibilidade de usar-se mais de uma modalidade linguística para se chegar a uma determinada função comunicativa. Segundo Quadros (1995), o termo “intermodal” é mais indicado do que “bimodal” porque ele evita a confusão que poderia surgir, uma vez que a terminologia “bimodal” também é utilizada na área da educação de surdos, denominado de Bimodalismo. Essa prática refere-se ao uso de um sistema artificial com a produção simultânea da LS na sintaxe da LP, chamado de “português sinalizado”.

A maioria das pesquisas com bilíngues intermodais têm sido conduzidas com indivíduos CODAS15 que adquiriram simultaneamente a LS de seus pais e a língua oral de familiares ou pessoas da comunidade ouvinte. Esses bilíngues podem empregar simultaneamente tanto a modalidade oral, quanto a sinalizada.

15 A sigla CODA tem origem nas letras iniciais das palavras Children of Deaf Adults. O indivíduo

CODA é um filho ouvinte dos dois pais ou um dos pais surdos. A maioria dos CODAS se identifica tanto com a cultura surda como com a ouvinte. Esses sujeitos são bilíngues intermodais, pois aprenderam a LS de forma natural e espontânea de seus pais e, da mesma forma, são falantes de uma língua oral.

O bilinguismo intermodal inclui línguas que são percebidas e expressas por canais distintos, ou seja, uma língua oral e uma língua sinalizada (fala-sinal). Por outro lado, o bilinguismo que envolve duas línguas transmitidas por intermédio do mesmo canal, sejam duas línguas orais ou de sinais, é definido como bilinguismo unimodal ou monomodal.

Existem diferenças básicas entre os dois tipos de bilinguismo ora mencionados. Como aponta Plaza Pust (2005), existem diferentes situações de contato intermodal envolvendo as línguas sinalizadas. O contato entre a LS e a forma falada de uma língua pode ocorrer por meio da alternância sequencial da LS e da língua oral, como também pela produção simultânea das referidas línguas, assunto que será desenvolvido a seguir. Outra forma de contato entre línguas de modalidades distintas, segundo a autora, envolve uma LS e uma língua oral na modalidade escrita. Esse tipo de bilinguismo intermodal inclui a alternância da LS e elementos do alfabeto manual baseado na língua escrita.

Do ponto de vista neurológico, em relação às diferenças entre o bilinguismo intermodal e o monolinguismo, as pesquisas de Zou et al. (2012), indicam que, em bilíngues intermodais, o volume de massa cinzenta é maior no núcleo do LCN16 (Left

Caudate Nucleus) na comparação com monolíngues. Esse estudo também

descobriu uma ativação funcional maior no núcleo do LCN em bilíngues intermodais quando eles alternam entre a LS e a língua oral, comparado com a situação na qual eles não alternam línguas de modalidades distintas. Assim, este estudo aponta que o maior volume de massa cinzenta é positivamente correlacionado com a magnitude da alternância de línguas (LS-língua oral) no núcleo do LCN. Conforme Zou et al. (2011), os achados desta pesquisa indicam que, para bilíngues intermodais, o LCN é modelado pelo bilinguismo tanto anatomicamente como funcionalmente.

Os estudos sobre o bilinguismo intermodal com sinalizadores nativos ouvintes, os CODAS, têm recebido bastante atenção por parte de pesquisadores como Plaza Pust (2005), Emmorey, Borinstein e Thompson (2005), Emmorey et al. (2008b), Chen Pichler e Quinn (2008) e Pyers e Emmorey (2008). Por utilizarem

16 Estudos prévios demonstram que o LCN é uma estrutura crucial para a alternância e controle de

línguas em bilíngues unimodais. Por exemplo, o núcleo do LCN é ativado quando bilíngues alternam entre línguas diferentes ou quando os mesmos enfrentam respostas que competem entre si. (ABUTALEBI et al., 2008). Evidências atuais confirmam que o núcleo do LCN também é crítico para a alternância de línguas em bilíngues intermodais. (ZOU et al., 2011).

diferentes articuladores (trato vocal e gestos), os CODAS percebem e produzem duas línguas ao mesmo tempo, por exemplo, articulando oralmente a palavra cão em LP e sinalizando CÃO17 em LIBRAS. Em relação ao meio de percepção para esse tipo de bilinguismo, uma das línguas é percebida auditivamente e a outra visualmente; quanto ao canal de expressão utilizam-se a fala e as mãos.

Bilíngues ouvintes intermodais (CODAS) têm a opção de utilizar o recurso do

code-switching e do code-blending. Pelo emprego do primeiro, o indivíduo bilíngue

intermodal alterna o uso de sinais e fala; pelo uso do segundo, ele produz consistentemente code-blends, ou seja, os sinais são produzidos simultaneamente com a língua oral.

Como referem Emmorey, Borinstein e Thompson (2005), Chen Pichler e Quinn (2008) e Emmorey et al. (2008b), nos indivíduos CODAS existe uma clara preferência pelo uso do code-blending sobre o code-switching, sendo que esse último é raramente utilizado por esses sujeitos. Logo, os indivíduos ouvintes que utilizam tanto a língua oral como a LS, em geral, não interrompem seu ato de fala para sinalizar, tampouco deixam de sinalizar para falar. O estudo subsequente, conduzido por Emmorey, Petrich e Gollan (2012) com bilíngues intermodais, demonstra que há menos custo cognitivo na seleção lexical de duas línguas de modalidades diferentes do que na inibição de uma das línguas que o bilíngue conhece. Bilíngues intermodais preferem utilizar o code-blending, o que sugere que a seleção lexical de duas línguas é menos difícil do que a seleção lexical de uma só língua e a inibição da outra.

O bilinguismo unimodal que utiliza línguas orais (fala-fala) não oferece a possibilidade de que seus usuários produzam simultaneamente duas palavras ou frases faladas porque esses sujeitos possuem apenas um canal de saída disponível (o trato vocal). Ademais, o bilinguismo unimodal caracteriza-se por envolver línguas que são percebidas pelo mesmo sistema sensorial, ou seja, a audição. Esses bilíngues, na impossibilidade de produzirem fisicamente duas palavras ou frases ao mesmo tempo, utilizam com mais frequência o code-switching ao produzir sentenças nas línguas que sabem.

17 No que diz respeito à notação do nome de sinais, o emprego de letras maiúsculas é uma

convenção normalmente utilizada para representar os sinais de uma LS, e não as palavras das línguas orais.

O recurso do code-switching, tanto em bilíngues intermodais como em unimodais, geralmente ocorre quando uma das línguas não possui tradução equivalente para uma palavra ou conceito que se quer exprimir. O code-switching intermodal, diferentemente do unimodal, pode ser motivado por restrições físicas das línguas envolvidas. Emmorey et al. (2008a) exemplificam que bilíngues intermodais alternam o uso da fala aos sinais durante conversa em jantares quando o ato de comer impede a articulação das palavras ou quando o nível de barulho em um ambiente é alto, impossibilitando o ato de falar e ouvir.

Na pesquisa de Emmorey et al. (2008b), entre elas Bialystok, sobre os estudos do bilinguismo unimodal e intermodal, as autoras investigaram o desenvolvimento da função executiva como planejamento, atenção, monitoramento, inibição da informação inadequada, alternância de tarefas, entre outros componentes cognitivos, em bilíngues unimodais e intermodais. Nessa pesquisa, as autoras se propuseram a descobrir se a função executiva era fruto da representação de duas línguas (bilinguismo) ou da restrição articulatória (de mesma modalidade) de bilíngues unimodais que necessitam selecionar a língua-alvo e suprimir a língua não relevante. No estudo mencionado, as pesquisadoras compararam o desempenho de 15 monolíngues, 15 bilíngues unimodais e 15 bilíngues intermodais em tarefas do Flanker Test. Esse é um teste visual em que o participante deve responder a questões relacionadas a um item que está cercado por setas, letras ou símbolos distratores e é utilizado para investigar os processos de controle da atenção. Os dados da pesquisa indicam que bilíngues unimodais são mais rápidos do que os outros dois grupos: monolíngues e bilíngues intermodais; na verdade, bilíngues intermodais não apresentaram resultados diferentes dos monolíngues. As autoras concluem que as vantagens cognitivas de bilíngues unimodais na função executiva se devem à necessidade de controlar duas línguas de mesma modalidade e não ao fato de os sujeitos serem bilíngues. A experiência do bilíngue unimodal, em constantemente controlar a produção de duas línguas de mesma modalidade, conduz ao aumento das funções executivas, entretanto o grau de controle exigido de bilíngues intermodais não é tão elevado. Na mesma linha de raciocínio, Emmorey et al. (2008b) supõem que bilíngues fluentes em duas línguas sinalizadas também devem evidenciar vantagem nas funções executivas se comparados com monolíngues.

Se bilíngues intermodais não têm a mesma performance em tarefas de controle executivo que bilíngues unimodais, esses sujeitos demonstram, em contrapartida, um desempenho superior em outras tarefas cognitivas não linguísticas. As pesquisas indicam que surdos e CODAS possuem mais habilidade em gerar imagens complexas e essa habilidade parece estar relacionada ao uso da LS. As demandas específicas das LS podem promover a criação de imagens e essas habilidades tendem a estar associadas às características particulares das LSs, como a visualização do referente, a troca de perspectiva visual, os classificadores18 topológicos e a inversão durante percepção dos sinais, isto é, os sinalizadores percebem o inverso do que eles produziriam (assumindo-se que ambos os sinalizadores sejam destros).

Com essas discussões, encerra-se a presente seção, que abordou questões que envolvem o bilinguismo de indivíduos surdos e, principalmente, o que as pesquisas têm revelado sobre os indivíduos CODAS. Pelas discussões aqui mencionadas, nota-se que esses estudos oferecem um insight único a respeito da mente bilíngue e da comunicação bilíngue em si que, em geral, não é disponível nas pesquisas com bilíngues unimodais de línguas faladas. Pelo exposto, as pesquisas indicam que existem vantagens cognitivas inerentes a cada tipo de bilinguismo decorrentes da ocorrência de restrição articulatória, no caso de bilíngues unimodais, ou no caso de sua ausência, em bilíngues intermodais. Para os primeiros, existe a vantagem nas funções executivas, enquanto que para os últimos há os ganhos em aspectos cognitivos viso-espaciais típicos das LSs. Percebe-se, então, que os estudos sobre o processamento linguístico das LSs e línguas orais e sua relação com componentes cognitivos em bilíngues intermodais representam um tema relevante, pois podem aprofundar nosso conhecimento sobre como as línguas se organizam e se processam no cérebro. O capítulo seguinte será destinado a analisar a LIBRAS com foco na sua formação léxico-semântica e, em seguida, será discutido o fenômeno do multilinguismo. A seguir, será abordada a proposta educacional do Bilinguismo que visa a capacitar o surdo para a utilização de duas línguas.

18 Os classificadores, construções típicas das línguas de sinais, são geralmente usados para

descrever relações espaciais como movimento, forma, posição ou tamanho de objetos. Essas construções são formas complexas e a Configuração de Mão assume a função de um morfema. Os classificadores expressam movimento, e.g., um carro subindo uma montanha; posição, e.g., a bicicleta está ao lado da árvore, e informação quanto ao tamanho/forma de objetos, e.g., é largo e comprido. (EMMOREY et al., 2002).

3.3 A ABORDAGEM EDUCACIONAL DO BILINGUISMO PARA O APRENDIZ