O termo empreendedor tem suscitado grande discussão entre
pesquisadores de várias áreas do conhecimento. Isso porque tratá-lo
como alguém especial por apresentar características diferenciadas, ou
como alguém que pode trazer o diferencial competitivo para a
manutenção da organização no mercado, faz com que psicólogos e
economistas apresentem essa questão epistemológica como um mito, o
mito do herói, como muito bem afirmam Rosa e Morales (2010).
Nessa concepção, diferentemente do "mito", o empreendedor
pode ser um ator organizacional como outro qualquer, apresentando
características diferenciadas em suas ações ao lidar com incidentes
críticos.
Carl Jung (1928), discípulo de Freud, ao tratar de perfil humano,
apresenta quatro divisões ou dicotomias potencialmente presentes nos
indivíduos, que são: introvertidos ou extrovertidos, sensitivos ou
intuitivos, humanos ou científicos e julgadores ou perceptivos
(MORALES, 2004; URIARTE, 2000; VÉRAS, 1999). Essas
potencialidades estão presentes nos empreendedores, em uns de forma
mais intensa e em outros, menos.
Independentemente dessas potencialidades, outras características
estão presentes no empreendedor. De acordo com a visão econômica,
Richard Cantillon, economista do século XVII, definiu o empreendedor
como alguém capaz de identificar oportunidades de negócio. Jean-
Baptiste Say, que viveu no período compreendido entre 1767 e 1832,
creditava o crescimento econômico ao empreendedor. Joseph Alois
Schumpeter (1883-1950) estabeleceu o conceito de destruição criativa,
ou seja, associou a inovação à identificação de oportunidades (FILION,
1999). Portanto a visão econômica relaciona o empreendedor à inovação
e ao desenvolvimento econômico.
Já com relação à visão comportamentalista, McClelland (1965),
psicólogo, desenvolveu estudo voltado ao comportamento de
empresários de sucesso, pelo qual identificou um forte elemento
presente, que ele denominou de motivação para a realização.
Moscovici (1996, p. 77) afirma que “a motivação humana é
constante, infinita, flutuante e complexa [...] O indivíduo como um todo
se motiva, e não apenas parte dele, e a satisfação, consequentemente,
atinge o indivíduo todo”. Assim a motivação leva à busca da satisfação.
Maslow (1975), em sua hierarquia das necessidades humanas,
evidencia que à medida que o indivíduo satisfaz uma necessidade mais
básica, outra surge em seu lugar, na hierarquia das necessidades. O
aparecimento de uma necessidade classificada como autorrealização,
relacionada ao crescimento e realização plena de seu potencial “pode ser
expressa como o desejo de a pessoa tornar-se sempre mais do que é e de
vir a ser tudo o que pode ser” (MASLOW, 1975, p. 352).
Hampton (1992), ao tratar da hierarquia das necessidades
humanas de Maslow, afirma que de forma diferente das necessidades
anteriores da pirâmide, a necessidade de autorrealização, quando
saciada, não se extingue, visto que quanto maior for a satisfação
experimentada por uma pessoa, tanto maior e mais importante parecerá
a necessidade.
A ilustração da Figura 2 mostra a hierarquia das necessidades
humanas de Maslow.
Figura 2 – Hierarquia das necessidades humanas
Bergamini (1977) faz uma classificação das necessidades
humanas básicas, que levam a determinadas ações (motivação), citando
alguns pesquisadores, como mostra o Quadro 6.
Quadro 6 – Quadro demonstrativo das necessidades humanas básicas
Teórico Necessidades Humanas Básicas
Ballachey Krech
Motivação de deficiência – é a necessidade de afastamento para evitar ou fugir do perigo
Motivação de excesso – desejo de viver alegrias, obter satisfações, conhecer e aprender
D. Birch e J. Verof
Sensorial – regula a experiência física Curiosidade – reagir a novos estímulos Filiação – depender do contato de outros Agressão – reagir à frustração
Realização – avaliar o próprio desempenho Poder – opor-se à influência dos outros Independência – agir por si mesmo Maslow Necessidades corporais ou fisiológicas Necessidades de incentivos sociais
Necessidades de incentivo do ego caracterizado pelo domínio do conhecimento e autorrealização
Richard Kalish Necessidades fisiológicas Necessidade de sexo Necessidade de confiança Necessidade de amor Necessidade de estima Necessidade de autorrealizaçã Mc Gregor Necessidades fisiológicas Necessidade de segurança Necessidade de amor Necessidade de estima Necessidade de autorrealização
Fonte: Adaptado de Bergamini (1977, p. 89-93)
Morgan (1996) informa que o ser humano é um tipo de
organismo psicológico que luta para satisfazer suas necessidades; assim,
ele busca um crescimento e desenvolvimento completo. Morgan (1996,
p. 15) afirma também que “os seres humanos são motivados por uma
hierarquia de necessidades que progride através de diferentes tipos, a
saber, fisiológicas, sociais e psicológicas [...]” Ou seja, o ser humano,
motivado por suas necessidades, se impulsiona para a ação. Isso define
seu comportamento, que por sua vez gera novas necessidades, que,
novamente, definem seu comportamento. De acordo com essa visão,
conclui-se que o empreendedor apresenta necessidades diferentes ao
longo de sua vida.
Bergamini (1989, p.106), afirma ainda que “a motivação vem das
necessidades humanas e não daquelas coisas que satisfazem essas
necessidades”.
Birley e Westhead (1992) estudaram as necessidades mais
comuns dos empreendedores e detectaram basicamente cinco tipos de
necessidades: necessidade de aprovação, necessidade de independência,
necessidade de desenvolvimento pessoal, necessidade de segurança e
necessidade de autorrealização.
McClelland (1973) identificou em seu estudo sobre empresários
de sucesso outras duas necessidades dos empreendedores, como
necessidades de poder e afiliação. Filion (1997, p. 7) aponta “David
McClelland como o autor que efetivamente lançou as bases para a
vertente comportamentalista das pesquisas em empreendedorismo”. A
visão comportamentalista atribui ao empreendedor uma série de
características especiais que podem ser aprendidas.
Na década de 1960, McClelland (1965), identificou dez principais
comportamentos para as pessoas empreendedoras. Ele agrupou esses
comportamentos em três conjuntos principais: realização, planejamento
e poder.
O conhecimento das características e habilidades que compõem
as competências empreendedoras e que podem ser desenvolvidas pelos
empreendedores auxiliam a compreensão do comportamento
empreendedor, buscando afastar a condição mito do empreendedor,
como bem colocam Hytti (2005) e Rosa e Morales (2010).
Com esse entendimento, o comportamento empreendedor pode
ser descrito por suas ações executadas em determinadas situações, que
envolvem suas atitudes e habilidades. Nesse sentido, Baron (2002), ao
estudar o processo empreendedor, apresenta os empreendedores como
indivíduos específicos, diferenciados dos demais, que compõem as
organizações e que têm a possibilidade de reconhecer a oportunidade de
agir segundo as suas características, habilidades, conhecimentos e
aptidões diferenciadas.
Dessa forma, elaborou-se o Quadro 7 sobre dimensões das
competências do empreendedor, apresentando os comportamentos,
atitudes e habilidades, com base nos estudos de Cooley (1991),
McClelland (1973) e Spencer e Spencer (1993), mas introduzindo
características evidenciadas por outros pesquisadores como Araújo et al.
(2006), Almeida (2003), Baron (2002), Dolabela (1999), Filion (1999),
Gibb (1999), Leite (2002) e Morales (2004), que compreendem cada
dimensão da competência empreendedora.
Quadro 7 – Comportamento, atitudes e habilidades que compreendem as dimensões das competências do empreendedor
Comportamentos Habilidades Atitudes
Realização Condução de situações Buscar oportunidades Ter iniciativa Ter comprometimento Ter persistência Correr riscos calculados Ser rápido
Ser tolerante à ambiguidade Identificação de oportunidades Ter visão Ter sonhos Inovar Enxergar tendências Ser criativo
Orientar-se para o futuro Estar na zona de desconforto
Disposição para o trabalho
Orientar-se para resultados Ter organização
Ser otimista Ser tolerante Ter motivação Buscar desafio
Ter lócus de controle interno Ser pro-ativo Planejamento Gerenciamento Estabelecer metas Buscar informações Planejar e monitorar Utilizar recursos
Pensar, planejar, executar, controlar estrategicamente Liderança Tomar decisões Identificar oportunidade Assumir responsabilidades Ter dedicação
Ter capacidade de adaptação à mudança Sentido de obrigação com os outros Trabalhar em equipe Partilhar Ter integridade
Afiliação Rede de relacionamento Ter convencimento Criar valor Conduzir situação Buscar parcerias
Possuir valores éticos e morais Ter comunicabilidade Gerir conflitos Saber negociar Poder Persuasão Conseguir convencer Controlar gestão Rede de contato Comunicar
Motivar colaboradores Autoconfiança Ser independente Negociar Prover recursos Cognitivo Conhecimento Aquirir conhecimentos Aquirir capacitações Ter autoconhecimento Dominar o processo Ter capacidade de pesquisa Apresentar ideias Ter expertise Ter feedback Filantrópico Voluntariado Doar-se Ouvir Ter empatia Gostar de gente
Compreender estado de espírito Ter olhar holístico
Ser imparcial
Fonte: Criado pela autora, com base nos estudos de: Almeida (2003), Araújo et al (2006), Baron (2002), Cooley (1991), Dolabela (1999), Filion (1999), Gibb (1999), Leite (2002), Leme (2005), McClelland (1973), Morales (2004), Spencer e Spencer (1993).