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5 A ESCOLA MUNICIPAL DE ARACAJU COMO LOCUS DE ESTUDO

5.4 INSTÂNCIAS DE CONSTRUÇÃO DA QUALIDADE NA ESCOLA

5.4.3 Indicadores Educacionais das escolas objeto de estudo

5.4.3.1 Características do ensino

Na gestão das escolas públicas do município de Aracaju, existe a preocupação com o estabelecimento do número de alunos por sala. Embora tenha sido regulamentado pela Lei nº 3691/2009, esse procedimento já vinha sendo adotado na rede municipal há muito tempo.85 Desse modo, foi observado em todas as escolas o respeito ao número máximo de 20 alunos do 1º ao 2º ano, de 25 alunos do 3º ao 4º ano e de 30 alunos para o 5º ano.

As duas maiores escolas dotadas de melhor infraestrutura apresentam altos indicadores de distorção idade-série e assumem uma postura mais intolerante na repressão aos comportamentos inadequados dos alunos. Apenas a escola D apresentou situação mais preocupante devido a constantes depredações do prédio, o que não significa que não ocorram nas demais escolas.

Por fim, cumpre destacar que embora de pequeno porte, a escola A fica localizada em um bairro com boa infraestrutura e a escola B em uma área de vulnerabilidade social, mas, ambas apresentam bons indicadores de desempenho com relação às demais escolas da rede. Quanto às escolas C e D, estas detêm características semelhantes em termos de estrutura física, número de alunos atendidos, condição socioeconômica da população em seu entorno e ações de respostas aos desafios que se apresentam, tais como formas semelhantes como lidam com as situações de violência e com os níveis de desempenho apresentados por seus alunos.

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A referida Lei disciplina a matricula para a Educação Infantil, Ensino Fundamental e Programa de Aprendizagem Escolar na Educação de Jovens e Adultos, contudo, para fins desse estudo, interessa os critérios para a composição do número de alunos por turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental, que ficaram assim definidos: 1º e 2º anos, máximo de vinte; 3º e 4º anos, máximo de vinte e cinco; e 5º e 6º anos, máximo de trinta.

Todos os entrevistados alegaram que as escolas proporcionam momentos de reflexão que lhes permite discutir as questões cotidianas mas, excetuando-se os programas do governo federal, a exemplo do Programa Mais Educação, não foi feita qualquer referência às questões que subsidiam o entendimento das políticas educacionais implantadas no país e/ou no município. Afora isso, anualmente os professores se reúnem para elaborar as metas e o plano de ensino anual. As escolas, só recentemente, por exigência de programas do governo federal, a exemplo do PDDE86, passaram a realizar diagnósticos mais completos da realidade escolar, como forma de conhecer o desenvolvimento dos discentes nas avaliações, para, a partir daí, direcionar as ações pedagógicas da unidade de ensino.

Cabe ainda destacar que todas as unidades de ensino contam com um coordenador pedagógico e, em duas delas, há outro profissional do magistério denominado Suporte Pedagógico87, que tem como função desenvolver a orientação pedagógica na escola.

Todas as escolas recebem recursos do PDE e, desde 2013, do fundo municipal denominado Prefin com os quais suprem as suas necessidades emergenciais. Além desses recursos, a escola C ainda recebe outros fundos de recursos federais. Com esses recursos, os gestores podem definir junto ao Conselho Escolar as prioridades relacionadas ao material escolar, pequenos reparos, projetos e ações da escola e realização de eventos pedagógicos.

Com tais recursos, as escolas puderam adquirir os equipamentos necessários ao conforto térmico e à execução das atividades pedagógicas.

Com esse dinheiro, nós colocamos dois ventiladores em cada sala, as lâmpadas, aqui tem até uma queimada, mas a gente já tem que providenciar uma lâmpada pra aí. Esses pequenos concertos, portas sem fechadura, aí a gente bota fechadura, essas coisas assim menores... porque, como o prédio não é nosso a gente não pode ficar mexendo muito, né? Mas, essas coisas menores a gente tem feito. (PEA 1)

A gestão que assumiu a Prefeitura Municipal de Aracaju, a partir de 2013, ampliou o investimento em equipamentos tecnológicos como lousa digital, tablet para

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O Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE, foi criado em 1995, tem por finalidade prestar assistência financeira, em caráter suplementar, às escolas públicas da Educação Básica das redes estaduais, municipais e do Distrito Federal e às escolas privadas de educação especial mantidas por entidades sem fins lucrativos, registradas no Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS como beneficentes de assistência social, ou outras similares de atendimento direto e gratuito ao público. Os recursos são transferidos independentemente da celebração de convênio ou instrumento congênere, de acordo com o número de alunos extraído do Censo Escolar do ano anterior ao do repasse. A partir de 2013, passou a destinar um valor fixo, para escolas que possuem Unidades Executoras Próprias, e um valor variável, calculado de acordo com número de alunos, localidade da escola e modalidade de ensino.

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Pedagogos que integravam o quadro de profissionais de carreira da rede cujos cargos estão em fase de extinção. Licenciados de outras áreas de conhecimento, afastados do exercício da docência por motivo de saúde passaram a exercer esta função mediante aprovação do projeto de trabalho pelo Conselho Escolar.

professores, sem o correspondente programa de manutenção, o que gera problema para a operacionalização de um prática pedagógica mais efetiva, porque à medida que o equipamento apresenta defeito, as escolas não podem utilizar dos recursos que recebem para os reparos. Desse modo, o que a princípio deveria contribuir para melhoria do processo de aprendizagem acabou por restringi-la, conforme depoimentos a seguir.

Projetor quebrou, não pode fazer isso agora. Existe uma série de inconveniências que emperram. O dinheiro não pode ser aplicado para conserto de material eletrônico como: microfones, som, televisão... Tudo que está funcionando, computador, tudo de eletrônica, vídeo é disponibilizado para o professor. Temos laboratório, DVD, televisão, rádio, microfone, livros. Já os jogos educativos tem um armário ali cheio, só é pedir material didático também, o que precisar. Nunca foi negado nada a mim. (PEB3) Se eu não estou gostando do material e preciso passar mais alguma coisa, elas (a direção) manda pro Cemarh e aí eu tenho o material que eu escolhi. Hoje a gente vê o professor reclamando por muita bobagem, muita besteira, o básico eu tenho aqui. Tem o datashow se o professor quiser usar. Tem laboratório de informática, embora não esteja funcionando. (PEB 2)

Tem o DVD, lousa digital, mas nem todas funcionam pra você usar. Então, o que eu uso mesmo são jogos pedagógicos, o quadro, a atividade de folha e os livros de leituras. A quantidade e a qualidade dos recursos nem sempre é suficiente. Por exemplo, nem tinta tem hoje. Esse recurso simples que é um pincel pra quadro branco, se precisar hoje, não tem tinta. Tem um pincel mais não tem tinta (PED 1)

Como revelado nos depoimentos, as escolas dispõem de potencial em termos de recursos tecnológicos para garantir um ensino de qualidade, porém faltou uma política de gerenciamento na manutenção desses recursos que pudesse assegurar a melhoria do processo educativo.

Com relação ao acompanhamento do desenvolvimento acadêmico e social dos alunos, foi detectado que nas escolas A e B existe maior interação da direção nesse sentido. Na escola C, foi constatado que problemas de ausências ou problemas de saúde dos alunos são comunicados aos pais ou responsáveis, via contato telefônico.

Cabe destacar que muitas das ações desenvolvidas pelas escolas são reflexo das políticas implementadas pelas duas últimas gestões que estiveram a frente da prefeitura municipal de Aracaju. Na gestão anterior da Semed, mais afinada à construção da qualidade pela base, foram instituídos os boletins individuais, com os quais se buscava dar ciência aos pais do desenvolvimento escolar dos filhos. A nova gestão extinguiu a medida e, em seu lugar, disponibilizou telefones funcionais aos diretores para se comunicarem com os responsáveis pelos alunos, quando necessário. Em uma das visitas às escolas foi possível

acompanhar contatos com as famílias para comunicar casos de doença ou de ausência prolongada. O problema enfrentado pela diretora foi a não concretização de muitos contatos, devido a mudanças de números telefônicos dos pais, nem sempre comunicadas à escola.

Em relação ao acompanhamento do desenvolvimento escolar dos alunos, desde 2009, a rede instituiu, como parte da Campanha Pelo Direito de Aprender, o reforço escolar com o objetivo de atender aos alunos com baixo desempenho. Essas atividades eram realizadas por estagiários, em período de férias, e, nos casos mais graves, por iniciativas de professores, em momentos de recreio. Posteriormente, as atividades de reforço escolar passaram a ocorrer, de forma mais sistemática, nas escolas com alunos que apresentavam maiores dificuldades de aprendizagem. Nesses casos, a ação era desenvolvida por estagiários no horário regular de aula, posto que, em função da falta de espaço físico para agrupar esses alunos, não era possível a realização de tal atividade no contra turno.

A pesquisa possibilitou a identificação de duas ações implementadas pelos gestores das escolas estudadas, no sentido de promover melhor acompanhamento do desempenho escolar dos alunos, conforme descrito a seguir.

No sábado eu recebi um menino, do terceiro ano, não sabia as letras. Ele passou o ano todo e também não aprendeu as letras. Chamei a atenção das professoras: se um aluno não aprendeu as letras, tem que dizer logo, não é possível esperar até junho. Como se justifica ele está com você e durante esse ano ele não aprendeu a ler? [...] O professor tem uma dificuldade terrível de avaliar o seu trabalho, o gestor também tem dificuldade de avaliar onde falhou, mas esse menino não tem culpa de sair daqui sem saber as letras. [...] Porque ele não está no reforço? O que houve? Essa é uma falha terrível, tem que correr atrás. Pego o menino, vejo o que o menino gosta. É Fank? Mc p3? Mc sapão? Dou risada, que eu nem sabia que existia. Então pego essas letras de música pra que ele associe as palavras pra ver se o menino aprender a escrever. (D 1)

Chamei os pais e perguntei: O que essa escola é para você? Um dos pais disse: “é praticamente a segunda casa do meu filho, pois ele passa metade do dia aqui na escola.” Um outro respondeu: “é importante para o desenvolvimento do meu filho.”

[...] Então diante dos problemas que alguns foram apresentando, a gente foi chamando eles também pra nos ajudar a resolver esses problemas, a estarem conosco junto com a escola, porque a escola não trabalha sozinha. O desenvolvimento da aprendizagem da criança não depende só da escola, depende da participação deles, do acompanhamento deles na educação dos filhos e aí a gente tem tido aquela participação mais ativa dos pais; a gente já viu pais preocupados em participar de uma reunião. [...] aí a gente diz: olhe ele tá tendo dificuldade na leitura, o que a senhora pode fazer? Ele tem um irmãozinho que pode ajudar? A senhora pode ver um reforço pra ele? Tem esse acompanhamento [...] (D2)

As maiores queixas dos entrevistados foram sobre a falta de acompanhamento das atividades escolares pelos pais, o que contribuiria para a melhoria da aprendizagem. Embora os gestores reconheçam essa ausência, buscam formas para estreitar essa aproximação. Exemplo disso foi observado nos depoimentos e nas atitudes das diretoras das escolas B e C. A primeira, por compartilhar decisões importantes sobre a vida escolar dos alunos com os pais, conforme depoimento anterior, e, a segunda, pelos contatos frequentes com os pais para resolver questões relativas à frequência, às doenças e aos casos de indisciplina. Bourdieu (1990) fornece através do conceito de habitus o suporte para entender as ações de gestão, que buscam criar rotinas escolares e familiares as quais se expressam nas diversas ações praticadas e exteriorizadas nas formas do fazer pedagógico reveladas nas falas.

Perseguindo esse propósito, diferentes táticas têm sido adotadas pelas escolas, as quais vão da ameaça ao uso de recursos que possam despertar o interesse, o estabelecimento de parcerias:

“Olha, amanhã, seu filho só vai entrar com a senhora! Aí essa mãe vem, mesmo que forçada, para a escola” (PEA 1);

“Nas reuniões de pais, Rose conversa muito antes de mandar os pais para a gente. É um momento único com todo mundo junto, lá na frente” (PEB 2); “A gente sempre bota o bolsa família no bolo. Aí eles vêm, e a gente fala tudo que a gente tem pra falar antes, e deixa pra falar do bolsa família no final” (D 2);

“Quando fazemos alguma reunião com os pais, já chamo o conselho tutelar pra dar uma palavra, explicar quais são os deveres dos pais também. Tem que ter responsabilidade, não é delegar só à escola” (D 3).

Neste sentido, ainda que inconscientemente, a escola ao buscar esta aproximação com os pais procura gerar práticas aos sujeitos, por meio de uma incorporação da estrutura já existente, produzindo costumes e gerando ações correspondentes. Assim, o habitus incorporaria o que lhe foi transmitido e adquiriria, de formas variadas, as informações que lhe foram transmitidas.