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Características fundamentais da arbitragem à luz do common law

1 COMMON LAW, CIVIL LAW E A ATUAL INTERDEPENDÊNCIA ENTRE OS

1.3 A ESTRUTURA DAS CORTES JUDICIAIS CANADENSES E A APARENTE

1.3.4 Características fundamentais da arbitragem à luz do common law

Na arbitragem, principalmente em common law, duas características são fundamentais: a existência de uma controvérsia e o dever ou pretensão, conforme o caso, de as partes submeterem tal controvérsia à arbitragem.145

Em Arenson v. Casson Beckman Rutley & Co. da House of Lords, foram apontados alguns contornos para a definição de arbitragem, quais sejam: (i) existência de uma controvérsia ou diferença entre as partes; (ii) a referida controvérsia ou diferença tem que ser submetida à terceira(s) pessoa(s) para resolver de tal maneira em que seja(m) chamada(s) para o exercício de uma função judicial; (iii) em sendo caso, oportunidade para as partes apresentarem provas e considerações em defesa de suas respectivas reivindicações; (iv) as partes devem estar ajustadas a aceitar a decisão proferida pela(s) terceira(s) pessoa(s).146-147

A decisão influenciou o leading case da Suprema Corte do Canadá, Sport Maska

Inc. v. Zittrer, segundo o qual, entre os critérios indicativos da pretensão das partes em se submeter a uma arbitragem, estariam o uso da linguagem e a similaridade da ação com o processo judicial, como, por exemplo, o direito de as partes serem ouvidas e produzirem provas, a natureza vinculante e final da sentença arbitral em relação às mesmas e a necessidade de o julgador fundamentar a decisão, resultante dos argumentos que lhe foram apresentados, em oposição a um julgamento realizado à luz de seu conhecimento

145 Sport Maska Inc. v. Zittree [1988] 1 S.C.R. 564. Este leading case da Suprema Corte do Canadá, embora

tenha sido decidido em relação ao CCPQ, estabeleceu uma declaração útil do direito em ambas as jurisdições common law e civil law.

146 [1975] 3 All E.R. 901. 901 [H.L.], pp.915-916.

147 No Arenson v. Casson Beckman Rutley & Co., asseverou-se que uma disputa não deveria ser confundida

com avaliação. Assim, por exemplo, um contrato para a venda de laranjas a um preço a ser ajustado pode ensejar uma arbitragem ou disputa judicial se tal acordo não for alcançado. Entretanto, se restar ajustado que o referido preço será fixado por uma terceira parte (avaliador), isso não decorre de uma disputa judicial. No referido caso, restou consignado que, tanto quanto decidir uma disputa, a terceira parte estava principalmente administrando os mecanismos de acordo. Ademais, desde o caso Arenson v. Casson

Beckman Rutley & Co e Sutcliffe v.Thakrah, os tribunais sinalizam certa relutância em ampliar a imunidade common law além daquelas hipóteses decorrentes de uma função estritamente judicial. Como os avaliadores não são árbitros, não detêm fundamento para reivindicar imunidades para alcançar seus deveres de cuidado e diligência.

pessoal.148 Como a imparcialidade também é reivindicada,149 qualquer especial conexão do árbitro com uma das partes ou patrocínio financeiro exclusivamente por uma delas é incompatível com o conceito de arbitragem.150 Resumidamente, quanto maior a similaridade com o processo judicial, maior a probabilidade de ser uma arbitragem.151

Esses critérios, como meios para determinar a verdadeira pretensão das partes, não são exaustivos ou mutuamente exclusivos, isto é, podem ocorrer juntos ou fundirem-se entre eles. Da mesma forma, não necessariamente antecedem a arbitragem, a qual pode existir mesmo se um ou mais critérios não se fizerem presentes ou, até mesmo, se lhe

148 Na contramão desse repúdio da arbitragem à decisão proferida de acordo com as próprias convicções do

julgador, o novo projeto do CPC estabelece a possibilidade de o juiz avaliar a “urgência” da medida a ser adotada para assegurar o cumprimento de sentença arbitral estrangeira. Essa abertura judicial foi bastante infeliz, pois se trata de um critério absolutamente subjetivo, que poderá conduzir a arbitrariedades, a exemplo dos despachos corriqueiros do Judiciário de postergação da análise de eventual liminar ou tutela antecipada postulada após a citação da parte contrária, o que torna um ato irrecorrível sob a ótica da jurisprudência do STJ.

149 Nos termos do artigo 32, inciso VIII, da Lei nº 9.307/96, será nula a sentença arbitral que não respeitar o

princípio da imparcialidade do árbitro.

150 Bastante elucidativo é o caso que envolveu o ex-ministro do STF, Francisco Rezek, que renunciou à

função de árbitro Presidente em disputa instaurada perante o Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, após ser acusado de parcial em uma decisão arbitral envolvendo grandes grupos empresariais como a mineradora Vale, o banco Bradesco e o grupo Opportunity. O caso envolvia direito de participação nas ações da Valepar de titularidade da Elétron, da qual o grupo Opportunity é controlador. Segundo a Elétron, sua participação teria sido reduzida devido a uma alteração distorcida resultante do aumento de capital da empresa em 2002. Litel e Bradespar afirmam, contudo, que a Elétron tinha prazo para ajustar a situação e não o fez. O óbice levantado por uma das partes participantes da arbitragem estaria consubstanciado na elaboração de um parecer, contratado em 2006 por advogados de Daniel Dantas, sobre a competência de uma decisão estrangeira na Justiça brasileira e no dossiê encaminhado aos Ministérios Públicos brasileiro e italiano, elaborado com base em reportagens sobre a disputa entre Dantas e a Telecom Itália. Ainda que as partes tivessem escolhido árbitro de sua confiança, a imparcialidade que este deve ostentar é garantia de um procedimento ou sentença arbitral imune à eventual e posterior nulidade, merecendo especial atenção de todos os envolvidos. Adicione-se que a imparcialidade acarreta tanto sanções diretas (recusa do árbitro, repetição ou redução dos honorários), quanto indiretas (por exemplo, nulidade da sentença arbitral). Esse tema, que envolve inclusive os limites da revelação de informações sobre o relacionamento porventura existente entre árbitro e parte(s) ou mesmo respectivo(s) advogado(s), tem suscitado inúmeros debates no campo internacional, sendo inclusive objeto de preocupação dos mais diversos tribunais arbitrais. Como exemplo é possível citar o Código de Ética da AAA/ABA (American Arbitration Association/American Bar Association) para árbitros em disputas empresariais, que serve como guia para a divulgação de informações sobre imparcialidade dos árbitros. Embora motivado por intenções legítimas para auxiliar os árbitros a evitar a contestação de seus atos, decisões e honorários, as recomendações têm gerado preocupações por parte de seus usuários por temerem que as orientações se tornem, em vez disso, uma ferramenta para a parte desapontada contestar o procedimento ou sentença arbitral que lhe foi desfavorável, sob o argumento de não divulgação de um item específico mencionado no Código de Ética (AMERICAN BAR ASSOCIATION. Comments from Members of the Washington, D.C. Arbitration Community on the Draft Disclosure Guidelines Released for Comment by the Disclosure. Disponível em: <www.americanbar.org>. Acesso em: 08.12.2012). Cf. mais sobre o tema em: LEMES, Selma Maria Ferreira Lemes. Árbitros: princípio da independência e da imparcialidade. São Paulo: LTr, 2001.

forem contrários.152 São apenas ferramentas usadas para revelar a intenção das partes153 abstraída de documentos ou outros instrumentos, a fim de estabelecer a função que as partes pretendiam atribuir a terceira pessoa por elas escolhida.

A arbitragem é frequentemente definida como referência e em oposição a outros processos ou formas alternativas de resolução de disputas. Na verdade, ao endereçar questões atinentes à distinção entre arbitragem e avaliação, os tribunais acabam por desenvolver uma jurisprudência relativa aos critérios de arbitragem.154 A razão deve-se às inúmeras implicações práticas, tais como a sujeição à determinada legislação155 ou à revisão judicial156 e eventual responsabilidade contratual e extracontratual.157

152 Oportunizar a uma das partes contratantes a defesa de sua posição, na ausência de outro critério, também

não transforma uma reunião em arbitragem. Em 2004357 Ontario Ltd. v. Kashruth Council of Canada, 2006 CanLII 19492 (Ont. S.C.J.), parágrafos 30-32. Disponível em: <www.canlii.org>. Acesso em: 12.02.2012.

153 Desde o Código Civil de 1916, já era preocupação do legislador brasileiro a verdadeira intenção das

partes, privilegiando-a em detrimento do sentido literal da linguagem, cuja redação do artigo 85 foi repetida no Código Civil de 2002, em seu artigo 112, a saber: “Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”. Não foi diferente na Lei nº 9.307/96, que no seu artigo 8º privilegiou a intenção das partes ao estabelecer a autonomia da cláusula compromissória “em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória”.

154 MCEWAN, J. Kenneth e HERBEST, Ludmila B. Commercial arbitration in…, seção 1:60.10, p.1-17. 155 Geralmente, a legislação arbitral não se aplica a um avaliador, a exemplo da necessária observância da

justiça natural por parte do árbitro.

156 No aspecto procedimental, sentenças arbitrais são de natureza “quase judiciais” e, portanto, sujeitas à

revisão judicial, ao passo que a avaliação está subordinada à administração de termos contratuais e princípios não judiciais. Em Solutia SDO Ltd. v. Cummings, 2008 CanLII 42599 (Ont. S.C.J.), nos parágrafos 11-12. Disponível em: <www.canlii.org>. Acesso em: 12.02.2012.

157 Como os documentos internacionais geralmente não são coerentes ou silenciam sobre a questão da

responsabilidade dos árbitros, as regras legais que a disciplinam dependem principalmente dos diferentes sistemas jurídicos e ainda há muito que se delimitar no âmbito de conflito de leis e direito internacional privado. As mesmas teorias referentes à natureza da arbitragem são invocadas para delimitar a (ir)responsabilidade do árbitro. Jurisdições common law costumam sustentar a exclusão da responsabilidade dos árbitros com base, tradicionalmente, no fato de que árbitros devem receber tratamento semelhante àquele conferido aos juízes (TSAKATOURA, Anastasia. The immunity of arbitrators. Inter-lawyer: law firms directories, 20.06.2000. Disponível em <www.inter-lawyer.com>. Acesso em 18.12.2011). No Canadá, árbitros, em oposição aos avaliadores, têm sido considerados imunes a processos decorrentes de quebra de contrato ou negligência no exercício de suas funções [Sport

Maska Inc. v. Zittrer, (1988) 1 S.C.R. 564. Disponível em <www.canlii.org>. Acesso em: 04.01.2012]. Na imunidade inclui-se o atraso na entrega do laudo arbitral, ausente fraude ou má-fé [Flock v. Beattie, 2010 ABQB 193 (CanLII), parágrafo 57]. Em sentido mais amplo, nos Estados Unidos a imunidade é absoluta, mesmo nos casos de atuação fraudulenta. No direito brasileiro, embora a Lei nº 9.307/96 tenha sido omissa, a doutrina tem sinalizado a adoção de responsabilidade do árbitro, com certos limites em decorrência ora da natureza contratual do serviço prestado (CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/96. 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2009, p.264) ora das semelhanças da atividade do árbitro com aquela exercida pela autoridade judicial [LIMA, Bernardo Silva de. A responsabilidade civil do árbitro por erro na atividade decisória. In: GAIO JUNIOR, Antonio Pereira e MAGALHÃES, Rodrigo Almeida (Coord.). Arbitragem: 15 anos da Lei n. 9.307/96. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p.62]. A equiparação da figura do árbitro à do juiz, aliás, é antiga e remonta a Constituição de 1824 que no seu artigo 160 já previa a possibilidade de as partes nomearem juízes

Entre as principais diferenças existentes entre os dois mecanismos, destacam-se quatro, que reclamam uma análise de caso a caso, à luz das circunstâncias particulares e da própria interpretação do acordo ajustado entre as partes,158 não importando a terminologia que lhe foi atribuída.159 São elas: (i) enquanto a arbitragem pressupõe a existência de uma controvérsia, a avaliação geralmente é mero auxiliar ou fator incidental de um contrato; (ii) a matéria submetida à arbitragem compreende a disputa inteira, ao passo que, na avaliação, limita-se a um aspecto mais específico, a exemplo de um dano ou parcela de uma determinada propriedade; (iii) o avaliador utiliza apenas a sua expertise para emitir opinião e evitar uma disputa, enquanto o árbitro tem que considerar, além dos fatos constantes das evidências apresentadas, a prova pericial; e (iv) a arbitragem constitui um procedimento “quase judicial” com instrução probatória e aferição dos argumentos aduzidos, mais ampla que a avaliação, está restrita à expressão de uma opinião.

No tocante às categorias da arbitragem, não mutuamente exclusivas, citam-se: (i) arbitragem de oferta final (offer-final arbitration), na qual o árbitro não pode transigir, mas acolher a oferta final realizada por uma das partes;160 (ii) arbitragem de interesses (interest

arbitration), na qual os termos de um contrato entre as partes são estabelecidos;161 e (iii) arbitragem de queixas (grievance arbitration), que está relacionada à interpretação ou infração de um contrato existente entre as partes.162 Há também a arbitragem consensual e

árbitros nas causas cíveis e penais intentadas, cujas sentenças seriam executáveis sem recurso ao Judiciário se assim fosse convencionado. A equiparação da função estatal do juiz com a particular do árbitro, prevista no artigo 14 da Lei nº 9.307/96, sinalizaria a tendência de se considerar a atividade do árbitro como de caráter público, tal como a do juiz (MAGALHÃES, José Carlos de. O árbitro e a arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, ano 8, vol.29, abr-jun 2011, São Paulo: Revista dos Tribunais, pp.35-36).

158 Cf. Montgomery Agencies Ltd. v. Krischke (1989), 76 Sask.R. 143 (Q.B.), parágrafo 9.

159 Cf. Sport Maska Inc. v. Zittrer, (1988) 1 S.C.R 564, parágrafo 603. O uso da palavra “avaliador” pelas

partes contratantes pode indicar a pretensão em se submeterem à avaliação e não à arbitragem. Contudo, somente o exame de todos os documentos e respectivos fatos que circundam o caso concreto pode revelar a verdadeira intenção das partes.

160 No Brasil, a categoria encontra-se prevista no artigo 4º, §1º, da Lei nº 10.101, de 19.12.2000, a qual

dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa e dá outras providências. Nos termos do referido dispositivo, existindo eventual impasse na negociação visando à participação nos lucros ou resultados da empresa, as partes poderão utilizar-se de mediação e/ou arbitragem de ofertas finais. A Lei nº 8.630, de 25.02.1993 (Lei dos Portos), ao dispor sobre o regime jurídico da exploração dos portos organizados e das instalações portuárias, também prevê a possibilidade de arbitragem de ofertas finais a ser utilizada pela Comissão Paritária no caso de eventual impasse no âmbito do órgão de gestão de mão-de-obra.

161 Essa categoria destina-se especialmente aos contratos coletivos trabalhistas para fixação de novas

condições de trabalho, como salários, horários, pensões e vantagens sociais.

162 Assim como a categoria anterior, a arbitragem de queixa tem por escopo dirimir controvérsias oriundas

legal. A primeira hipótese deriva ou de um acordo a ser arbitrado (cláusula compromissória) ou da submissão de uma controvérsia já instaurada (compromisso arbitral). Tradicionalmente, certos sistemas legais – em especial da civil law – não apoiam cláusula compromissória, exigindo, em vez disso, um compromisso para rejeitar a jurisdição dos tribunais.163 A segunda hipótese, por sua vez, decorre de previsão legal, que estabelece a arbitragem como meio de solucionar determinadas espécies de disputas.164

Traçadas essas características gerais, o presente estudo comparativo focará na arbitragem comercial, tendo-se em vista a cláusula compromissória, foco do presente trabalho.