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Caracterização da Cultura Mediática

A cultura mediática, conforme definição feita anteriormente (Cf. Costa: 1998, 182) pode ser compreendida como aquela que é produzida pela presentificação dos mass media na vida cotidiana, no seguinte sentido: cada vez mais ocorre a mediação da técnica na produção de mensagens, imagens, modificando o campo da percepção e da inteligibilidade humanas. Esta nova ordem cultural influi na construção do imaginário, compõe sugestivamente um conjunto de necessidades e permite a expressão de opinião sobre realidades distantes.

Uma das características da cultura mediática é a transformação na forma do indivíduo perceber a realidade circundante, tendo como suporte as novas tecnologias e sua capacidade de justapor imagens, sons, movimentos, em alto grau de excitação sensível. A cultura mediática, no processo (de)formativo, requer mais o momento de adaptação ao ecossistema tecnológico, do que propriamente uma ação autônoma, necessária ao processo educativo. Sua natureza se afirma com a hegemonia da razão

instrumental, unindo debilidade da experiência e o caráter pragmático do conhecimento.

No contexto da consolidação da cultura mediática, as novas tecnologias de comunicação e de informação modificaram radicalmente as noções de tempo e de espaço, na medida em que permitiram a interlocução de agentes emissores e receptores que não estão, necessariamente, na mesma relação de momento e lugar. Beltrão e Quirino (1986) denominam este fenômeno como comunicação impessoal, que é a base dos processos de comunicação à distância com mediação das tecnologias impressas, audiovisuais e eletrônicas.

A comunicação impessoal difere da comunicação estabelecida entre pessoas e no interior dos agenciamentos sociais, em função, principalmente, da ocorrência da mediação de um suporte técnico que torna possível reproduzir imagem, fala, voz, som, ambiente, do emissor para o receptor, cuja relação se estabelece a partir do domínio do código, do meio e da mensagem. É uma forma de comunicação não presencial, que tem como fundamento a existência de poucos emissores e vasta audiência.

Adversamente à comunicação impessoal, a comunicação denominada como interpessoal ocorre quando os interlocutores do processo comunicativo (emissor e receptor) estão unidos pelas mesmas referências de espaço e de tempo. Desta maneira, o processo comunicativo permite maior interação entre os agentes comunicativos, ou seja, faculta maior retroalimentação sem que haja necessidade de canais amplificadores para a veiculação da mensagem. Contudo, a comunicação torna-se mais restrita quanto ao espectro de receptores e tende a ser mais dirigida, dada a familiaridade possível entre os agentes comunicativos.

Retomando a questão da mediação da técnica na sensibilidade, que configura a comunicação impessoal, McLuhan (1969) expressa a clássica idéia de que os meios de comunicação de massa funcionam como extensões

da sensorialidade humana. Em outras palavras, significa a lente da câmara estendendo o olhar do receptor distante, que vê através de mecanismos artificiais. Com fundamento no materialismo dialético, que supõe a construção da consciência como instância reagente às condições histórico- sociais e materiais concretas, que não se estrutura como ato-reflexo do meio, pode-se concluir que não é só a percepção humana que se pré-sensibiliza pela extensão oferecida pelos mass media. Mas, o homem em sua totalidade e as necessidades criadas pelas mediações da tecnologia.

É muito curioso observar em produções cinematográficas, de diferentes períodos, a tensão entre ambiente técnico, resistência e rejeição à máquina, como descrições simbólicas das inquietudes do homem em ser confundido com elas, no sentido de que provoca uma perda de sua sensibilidade. As representações tendem a confundir a máquina com o corpo humano7, que se torna embrutecido, subjugado à impessoalidade da dominação tecnológica, com extensão de sua própria condição de não sujeito.

Algumas explicações sociológicas também encontram no processo de tecnificação da sociedade motivações para discorrer sobre as mudanças do espaço público, nas formas de regulação do Estado e na gestão da produção industrial e mercantil. No livro A Sociedade Informática, Adam Schaff (1991), por exemplo, caracteriza a primeira revolução industrial, iniciada na Inglaterra no século XVIII, como substituidora da força física humana pela máquina. A revolução da informática e da eletrônica, como uma etapa correlata à

7 Dois clássicos da produção cinematográfica expressam, em momentos diferentes, estas inquietudes da

relação do homem com a máquina: “Metrópolis”, um filme de 1926, de Fritz Lang -, que faz analogias entre o corpo humano, o resgate das dimensões de afetividade, tendo como metáfora a imagem feminina, como expressão de revolta contra a tecnificação do mundo do trabalho; e “Blade Runner – O Caçador de Andróides”, de Ridley Scott, de 1985 -, que tem como mote a verossimilhança da figura maquínica com o ser humano, numa sociedade onde curiosamente não há crianças. O filme explora as questões da degradação do espaço e dos novos níveis de estratificação social, a partir da ambivalência: apropriação tecnológica e a exclusão social.

automação, corresponde ao segundo momento substitutivo da máquina em relação ao corpo – desta feita, das capacidades cognitivas.

Daí ser válida a advertência feita por Schaff (1991: 109), a respeito do “impacto comum que as informações exercem sobre a inteligência humana”:

A experiência demonstra que o fornecimento contínuo e regular de um tipo de informação pode forjar as tendências de opinião pública que se quer. Em todos os países, sabe-se que quem controle estes canais de informação não só controla a opinião pública mas, na continuidade, pode forjar também modelos de personalidade e o caráter social dos seres humanos.

Outra característica da cultura mediática, resumidamente, é a suposição de que as tecnologias prolongam os sentidos humanos, respondendo diretamente pela definição do padrão estético e do conteúdo social das informações emitidas pelos veículos de informação, entretenimento e de lazer.

A cultura mediática também pode ser identificada pela subsunção que provoca da cultura popular e erudita ao mercado e aos processos industriais de comunicação. A capacidade de modificar a estrutura original das produções culturais, tendo em vista a transformação do objeto artístico em meio de consumo imediato, tornando a apropriação uma experiência debilitada, é uma das características da cultura mediática, pois a adulteração da tensão própria da arte é substituída pelo fácil re-conhecimento, que tende a um certo igualitarismo cultural.

A par das questões ético-culturais, do controle dos mass media pelos grupos dirigentes e da barbárie do conteúdo presente na programação dos veículos eletrônicos e impressos, este capítulo se prende a duas questões centrais: a mudança na percepção advinda com a reprodução técnica das mercadorias simbólicas e o comprometimento da experiência, quando a

sensação é mediada pela tecnologia, o que se supõe perda de referências existenciais concretas, para a formulação de juízos sobre a realidade.