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A amostra na condição como produzido teve sua composição química analisada e comparada com os valores obtidos do pó virgem de aço maraging C300. Pelas análises de composição química, presentes na tabela 4.2, fica evidente que não houve variações significativas entre as composições do pó e da amostra, o que é reflexo da utilização de parâmetros otimizados de processo. O processamento via SLM requer um controle rígido de parâmetros, pois, caso o aporte térmico seja excessivamente elevado, a temperatura da liga atingirá valores muito acima daqueles correspondentes a temperatura liquidus e próximos a temperatura de ebulição do material (HEBERT, 2016). Já que diferentes elementos de liga possuem correlações distintas entre pressão de vapor e temperatura, pode haver uma evaporação preferencial desses a partir da poça de fusão, o que pode comprometer a microestrutura obtida

e as propriedades mecânicas do material, caso essa vaporização seja expressiva (HEBERT, 2016).

Tabela 4.2 – Composições químicas (%peso) do pó virgem de aço maraging C300 e da amostra obtida por SLM.

Fe Ni Co Mo Ti Al C Pó virgem (EDS) 66,0 18,2 9,7 4,9 0,8 0,4 – Amostra como produzido (EDS) 65,6 17,8 10,1 5,7 0,7 0,1 – Pó virgem (FRX) 66,7 18,3 8,7 5,6 0,7 – – Amostra como produzido (FRX) 66,2 19,6 8,4 5,0 0,8 – –

As micrografias de luz visível de seções da amostra na condição como produzido nas direções de construção (eixo Z) e de varredura do laser (plano do substrato) são fornecidas nas figuras 4.5 e 4.6, respectivamente. Pela análise da micrografia da figura 4.5, observam-se poças de fusão semielípticas, com aspecto de “escamas de peixe”, possuindo uma altura entre 50 – 80 µm e largura no intervalo 88 – 135 µm. A análise micrográfica da seção paralela ao plano do substrato (figura 4.6) revela o curso do laser durante a fusão seletiva do pó. As poças de fusão apresentam uma largura entre 80 – 104 µm e uma angulação entre passes de 67°, o que é indicativo de uma estratégia de varredura unidimensional com rotação entre camadas que pode ser deste mesmo ângulo ou de seu ângulo suplementar (113°).

Em ambas micrografias, nota-se uma boa união metalúrgica entre as camadas solidificadas da liga, com a presença de pequenos poros distribuídos aleatoriamente (setas vermelhas na figura 4.5). Essa excelente coesão entre camadas pode ser proveniente de dois fatores: a) utilização apropriada de parâmetros de processo e b) boa soldabilidade do material. Como mencionado na metodologia experimental, nesta pesquisa não foram variados os diferentes parâmetros associados com o processo SLM (distância entre linhas de varredura, velocidade de varredura, potência do laser e etc.). Entretanto, pode-se inferir que pela não existência de porosidade regular nas figuras 4.5 e 4.6, utilizou-se uma distância entre linhas de varredura capaz de causar a refusão parcial de passes adjacentes e subjacentes de material solidificado, o que garantiu uma boa sobreposição e união entre camadas.

Figura 4.5 – Micrografia de luz visível da seção da amostra na condição como produzido paralela a direção de construção.

Figura 4.6 – Micrografia de luz visível correspondente a seção da amostra na condição como produzido perpendicular a direção de construção (paralela ao plano do substrato).

) 67° Direção de

Adicionalmente, sabe-se que a soldagem de aços que apresentam um elevado teor de carbono é susceptível a formação de microtrincas no interior da poça de fusão (BHADESHIA et al., 2016). Dado o baixo percentual de carbono (< 0,03 %peso) presente no aço maraging C300, este possui uma notável soldabilidade (KÜRNSTEINER et al., 2017). Isto, portanto, é coerente com o que foi encontrado e está indicado nas figuras 4.5 e 4.6, nas quais não se observam microtrincas dentro dos limites da poça de fusão, nem descontinuidades regulares ao longo das camadas de material solidificado.

A estrutura de solidificação formada no aço maraging C300 pôde ser avaliada através de micrografias eletrônicas de varredura. A figura 4.7 permite visualizar essa estrutura, que é correspondente à seção ao longo da direção de construção da amostra. Fica evidente que a estrutura de solidificação é composta por células, as quais possuem diferentes orientações e morfologias. A solidificação dendrítica comumente observada em ligas ferrosas produzidas por métodos convencionais de manufatura não foi observada neste caso. Isso é consequência das elevadas taxas de resfriamento (103 – 108 K/s) na interface sólido/líquido e do tamanho micrométrico da poça de fusão, associadas com a tecnologia SLM, que impedem o desenvolvimento de braços secundários que caracterizariam uma estrutura dendrítica no material na condição como construído (GU et al., 2012).

Verificam-se, também, diversas células atravessando os limites da poça de fusão, o que sugere um crescimento epitaxial da fase γ, inicialmente formada a partir do metal líquido durante a solidificação. Nesse tipo de crescimento, os grãos seguem uma mesma orientação ao longo de múltiplas camadas sequencialmente fundidas e solidificadas de metal (BASAK et al., 2016). Esse mecanismo de solidificação se processa rapidamente, pois a barreira energética associada com sua ocorrência é infinitesimalmente menor do que àquela correlata com os processos convencionais de fundição (BASAK et al., 2016).

De modo a observar mais pormenorizadamente a microestrutura do material, duas regiões com maior magnificação da figura 4.7 foram selecionadas e estão ilustradas na figura 4.8. Apesar de o Nital atacar preferencialmente regiões onde há segregação de elementos de liga, daí o destaque da estrutura de solidificação, também é possível observar uma estrutura superposta a esta rede de segregação (assinalada pelas setas em vermelho na figura 4.8), atravessando muitas das células que compõem esta estrutura.

Figura 4.7 – Micrografia eletrônica de varredura da seção paralela a direção de construção da amostra de aço maraging C300.

Figura 4.8 – Micrografias com maior magnificação das regiões (a) retangular e (b) circular selecionadas da figura 4.7. Limites da poça de fusão Direção de crescimento (b) (a)

Resultados análogos foram obtidos por Kürnsteiner e colaboradores (2017), os quais trabalharam com uma liga ternária Fe-19Ni-xAl processada por deposição com energia direcionada (DED). Segundo os autores, essa estrutura superposta, que cruza várias das células, corresponde a ripas de martensita, as quais desenvolver-se-iam independentemente das estruturas individuais de solidificação. Esse pressuposto é congruente com o fato de que a martensita é um produto de uma transformação de fase no estado sólido (γ → α’) e a solidificação, todavia, é uma transformação de fase que envolve mudança de estado físico da matéria (L → γ).

A aparente não mutualidade entre as reações citadas anteriormente permitiria a martensita perpassar diversas células de mesma orientação (KÜRNSTEINER et al., 2017). Entretanto, observa-se que o crescimento de uma dessas supostas ripas de martensita (indicada pela seta em vermelho na figura 4.8b) é interrompido. Essa fronteira, assinalada pela linha pontilhada em amarelo na figura 4.8b, também divide células com diferentes orientações. Logo, pode-se inferir que esse limite é característico de um grão austenítico prévio, pois além de separar células com diferentes orientações, também interrompe o crescimento do que seria uma ripa de martensita de acordo com a literatura (KÜRNSTEINER et al., 2017). Adicionalmente, cabe ressaltar que a consideração de cada célula corresponde a um grão não é adequada e não guarda significado físico-metalúrgico algum. Pois, se assim fosse, as supostas ripas de martensita deveriam estar confinadas dentro dos limites de cada célula, ao contrário do que é visualizado nas figuras 4.8a e 4.8b.

A estrutura de solidificação também foi estudada na direção perpendicular à direção de construção e pode ser visualizada nas figuras 4.9a e 4.9b abaixo. Como pode ser observado, essa estrutura é composta majoritariamente por células que se assemelham à hexágonos (figura 4.9b), o que é esperado já que este plano de análise é perpendicular ao plano de construção, em que foi observada uma morfologia de células alongadas (figura 4.7). O espaçamento intercelular encontrado foi da ordem de 0,50 µm, o que é consequência das elevadas taxas de resfriamento associadas com o processo SLM. Segundo Kempen et al. (2011) e Mutua et al. (2018), esse refinamento da estrutura, traduzido pelo pequeno espaçamento intercelular, contribui para a elevada resistência mecânica e dureza do material, se comparado com o mesmo produzido pelas rotas convencionais de manufatura.

Figura 4.9 – (a) Micrografia eletrônica de varredura da seção perpendicular a direção de construção da amostra de aço maraging C300, (b) ampliação da região retangular selecionada.

Objetivando-se avaliar a distribuição dos elementos químicos no aço maraging C300 produzido por SLM, realizou-se mapas de EDS da amostra no estado como produzido (figura 4.10). Nota-se um comportamento similar de microssegregação dos elementos gamagênicos (Ni e Co), os quais mantém uma maior concentração no centro das células. O Fe também assume essa mesma distribuição, concentrando-se mais dentro dos limites da célula. O molibdênio, titânio e alumínio, elementos químicos que reduzem a estabilidade da fase γ nos aços, apresentam um padrão de segregação oposto ao encontrado para o Ni, Co e Fe.

Observa-se uma tendência de microssegregação do Mo, Ti e Al para os contornos da célula, o que é congruente com o fato que durante a solidificação da liga espera-se que os elementos estabilizadores da fase em formação estejam concentrados em seu interior e que elementos não estabilizadores desta sejam segregados para suas fronteiras. Adicionalmente, é de se esperar que a disposição desses elementos químicos não seja alterada após a

(b) (a)

transformação martensítica (γ → α’), já que esta não envolve difusão atômica de longo alcance; assim, eles mantêm a disposição que foi determinada durante a solidificação (L → γ).

Figura 4.10 – Imagem de MEV-SE com mapeamento EDS dos elementos químicos no aço maraging C300 no estágio como produzido processado por SLM.

Adicionalmente, algumas partículas de Ti da ordem de 95-132 nm foram encontradas dispersas aleatoriamente na região de análise, o que pode ser indicativo da presença de óxido de titânio (TiO2 ou Ti3O5) ou de nitreto de titânio (TiN). Segundo Thijs et al. (2011), o Ti é

oxidado segundo uma reação com o oxigênio, dissolvido na poça de fusão, de modo que há

Fe

Ni

Co

formação de seus respectivos óxidos. No entanto, embora óxidos sejam, em geral, fases mais estáveis que nitretos na poça de fusão de um aço, parte do Ti presente na composição do material pode reagir com o nitrogênio para formar TiN (THIJS et al., 2011). Acredita-se que a formação do nitreto de titânio seja incentivada pelo uso de uma atmosfera rica em N2 (THIJS

et al., 2011), como foi o caso desta pesquisa.

A formação de inclusões ricas em Ti pode ser encarada como algo deletério às propriedades mecânicas do aço maraging C300. O precipitado Ni3Ti, formado nos estágios

iniciais de envelhecimento, é um dos responsáveis por aumentar a resistência mecânica dessa liga. Caso haja formação de um grande volume de inclusões ricas em Ti, haverá diminuição de sua concentração na matriz e isso, consequentemente, poderá afetar o percentual volumétrico de Ni3Ti formado. Uma saída para mitigar a formação dessas inclusões no aço maraging C300

pode ser através do seu processamento sob uma atmosfera de gás inerte, como o argônio. Apesar de apresentar-se mais concentrado nas periferias da célula, também foram encontradas algumas partículas de Al, da ordem de 52 nm, localizadas em regiões específicas do material. Em razão de sua alta reatividade com o O2, há uma tendência para formação do

óxido de alumínio (Al2O3) (THIJS et al., 2011). Gorsse et al. (2017) obteve resultados similares

caracterizando o aço inoxidável 316L processado por SLM. Em sua pesquisa, foram encontrados óxidos ricos em Mn e Si, com dispersão aleatória no material e tamanhos no intervalo de 10-30 nm. A formação dessas inclusões não-metálicas está ligada com a captação de quantidades residuais de O2, presentes na câmara de construção, pela poça de fusão e

posterior combinação com esses elementos químicos que demonstram uma alta afinidade com o oxigênio (GORSSE et al., 2017).

Portanto, isso elucida o potencial que variações na atmosfera de construção podem ter no processamento de ligas metálicas por manufatura aditiva. A captação controlada de elementos químicos, residuais e/ou adicionados intencionalmente à atmosfera protetora, pela poça de fusão pode ser benéfica no tocante a obtenção de óxidos e/ou nitretos finamente dispersos no material, exibindo uma capacidade de aumentar ainda mais a resistência mecânica da matriz (SPRINGER et al., 2016; GORSSE et al., 2017). Isso posto, aços com variação gradual de composição ou composição “arquitetada” poderiam ser obtidos por meio de mudanças na atmosfera protetora ao longo do tempo de construção da peça (GORSSE et al., 2017).

Sob o aspecto cristalográfico, as ligas processadas por fusão seletiva a laser estão propensas a textura, pois esta técnica de manufatura é baseada na adição de material camada a

camada, o que pode acarretar um crescimento de grãos numa orientação preferencial (COLLINS et al., 2016). Para avaliar este fenômeno e o aspecto morfológico da martensita presente no aço maraging C300, realizou-se o EBSD da seção da amostra na direção de construção (figura 4.11).

Figura 4.11 – (a) Mapa de orientação cristalográfica, (b) figura de polo e (c) figura de polo inversa (IPF) do aço maraging C300 processado por SLM.

Dir ão d e con str u ção (a) (b) (c)

Conforme observado no mapa de orientação cristalográfica (figura 4.11a), nota-se uma microestrutura martensítica, possuindo variantes com diferentes orientações, correspondentes a diferentes cores representativas do mapa. Adicionalmente, apesar do modo de consolidação de material durante o processo SLM, observou-se uma textura fraca na condição como produzido, a qual é corroborada pelas intensidades máximas correspondentes às figuras 4.11b e 4.11c. As intensidades máximas encontradas nas figuras de polo (figura 4.11b) e de polo inversa (figura 4.11c) são, respectivamente, 2,43 e 1,49, valores muito baixos para caracterizar uma textura forte no material no estágio como produzido. Suryawanshi e colaboradores (2017), trabalhando com o aço maraging C300 processado por SLM e com uma estratégia de escaneamento unidirecional com rotação de 90° entre camadas, obtiveram um resultado similar. Eles supõem que a textura fraca no material é devido a estratégia de escaneamento (rotação de 90° entre camadas subjacentes), que causa rotação na direção do fluxo de calor, impedindo que grãos colunares se desenvolvam.

Através de certas combinações de gradientes térmicos, condições de processamento e de modificações na composição química, pode-se controlar ou até eliminar a textura em um material metálico processado por SLM (COLLINS et al., 2016). A transição entre estruturas texturizadas (colunares) e não texturizadas (equiaxiais) tem sido ligada a variação espacial e temporal do gradiente térmico (G) e da taxa de solidificação (R) que ocorre na poça de fusão (COLLINS et al., 2016). Isto, por sua vez, é consequência do uso de uma fonte de calor (por exemplo, laser) em movimento, capaz de alterar estes parâmetros de solidificação e, por conseguinte, a morfologia da interface sólido/líquido e as dimensões microestruturais (quão refinados são os grãos) do material (VILAR, 1999; COLLINS et al., 2016).

Visando identificar a(s) fase(s) presente(s) no material processado por SLM, realizou-se a análise de difração de raios-X da amostra no estágio como produzido (figura 4.12). A priori, as elevadas taxas de resfriamento associadas com a tecnologia SLM deveriam ser benéficas no que se refere a obtenção de microestruturas completamente martensíticas. Pela avaliação do difratograma abaixo, além de picos de martensita, observaram-se picos referentes a austenita retida no material, o que é contrário à premissa anteriormente dita. Kempen et al. (2011) também reportou a presença de austenita retida na condição como produzido, com um percentual volumétrico em torno de 6%. Jägle e colaboradores (2014) propõem que a presença de austenita retida no estágio como produzido está relacionada à microssegregação localizada de elementos de liga gamâgenicos. Gorsse et al. (2017) sugere que a atmosfera de construção

rica em N2 também pode desempenhar um papel importante na retenção da fase austenítica,

através da captação deste elemento químico gamagênico pela poça de fusão.

Figura 4.12 – Difratograma de raios-X da amostra na condição como produzido de aço maraging C300 processado por SLM.

Segundo Jägle et al. (2016), camadas previamente depositadas experenciam picos de temperatura além daqueles ligados à sua fusão e solidificação (figura 4.13). Esses picos adicionais são causados em consequência da deposição de novas camadas de material (JÄGLE et al., 2016; KÜRNSTEINER et al., 2017). Esta série de aquecimentos e resfriamentos que uma liga metálica processada por manufatura aditiva a laser sofre é chamada de tratamento térmico intrínseco (JÄGLE et al., 2016; KÜRNSTEINER et al., 2017). Esse tratamento térmico in-situ causa um reaquecimento cíclico, que diminui gradativamente à medida que mais camadas acima e/ou ao lado são depositadas, e que pode desencadear reações de precipitação no material ainda durante sua fabricação (JÄGLE et al., 2016). Ao que parece, o tratamento térmico intrínseco, inerente ao processo SLM, não proveu cinética suficiente (combinação de tempo e temperatura) para motivar reações de precipitação no aço maraging C300, uma vez que não

foram identificados picos correlatos a precipitados no difratograma apresentado da figura 4.12 acima. Isso é concordante com as análises de Jägle e colaboradores (2014), que realizaram a caracterização por tomografia de sonda atômica (Atom Probe Tomography - APT) do aço maraging C300 processado por SLM. Em seus resultados, não foram identificadas quaisquer aglomeração e/ou nucleação incipiente de precipitados intermetálicos no estado como produzido.

Figura 4.13 – Imagem esquemática do histórico térmico complexo (perfil de temperatura ao longo do tempo) assumido por uma camada de material processada por MA a laser (KÜRNSTEINER et al., 2017).

Apesar da ausência de precipitação de intermetálicos no estado como produzido, encontrou-se uma dureza nesse estágio de 378,6 HV ± 7,6 HV. Jägle et al. (2014) indica que essa elevada dureza tem uma origem diferente dos mecanismos convencionais de endurecimento por precipitação. A motivação para este valor alto de dureza pode estar tanto no refinamento da estrutura de solidificação obtida ou nas tensões residuais introduzidas no material pelo elevado gradiente térmico durante seu processamento (JÄGLE et al., 2014).

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