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Metalurgia física dos aços maraging – transformação martensítica e reações de

Haja visto o desempenho contra-intuitivo dos aços maraging – elevada resistência mecânica e boa tenacidade – das classes 18Ni, faz-se necessário o estudo do papel que as transformações de fase têm na manutenção desse comportamento. Tais transformações metalúrgicas se sucedem no estado sólido e, basicamente, podem ser divididas em duas etapas: formação da martensita e precipitação de intermetálicos.

Para uma melhor compreensão da transformação martensítica é fundamental a análise dos diagramas de equilíbrio (figura 2.12a) e metaestável (figura 2.12b), ambos referentes à região rica em Fe do sistema Fe-Ni. Pelo exame do diagrama de equilíbrio Fe-Ni, observa-se que a temperatura ambiente e no intervalo de 3 – 30 %peso Ni, as fases de equilíbrio são austenita (γ) ou austenita (γ) + ferrita (α). Contudo, na prática, não é o que ocorre. Ao realizar um resfriamento de uma liga contendo, por exemplo, 18%peso Ni, partindo-se do campo monofásico γ, não há decomposição da austenita nas fases de equilíbrio previstas pelo diagrama da figura 2.12a; em outras palavras, o que ocorre é a conversão da austenita em martensita

através de uma transformação de fase displaciva (FLOREEN, 1968; SCHMIDT et al., 1991). Transformações de fase displacivas ocorrem no estado sólido e são tipificadas por uma deformação ou cisalhamento da estrutura cristalina da fase inicial, que origina uma nova estrutura cristalina ou fase; logo, este processo não envolve difusão atômica de longo alcance entre a fase mãe e a fase produto (BHADESHIA et al., 2017).

A gênese da martensita (α’) a partir da fase γ ocorre quando a temperatura de início da transformação martensítica (Mi) é atingida. Para que seja assegurado uma matriz

completamente martensítica a temperatura ambiente, Mi deve ser relativamente alta,

normalmente entre 200 e 300 ºC (SCHMIDT et al., 1991). Por meio do exame do diagrama de fases metaestável Fe-Ni, nota-se uma histerese térmica de transformação de fase. A reação de reversão (α’ → γ), que ocorre no reaquecimento da liga, acontece numa faixa de temperaturas superior ao intervalo em que se processa a transformação martensítica no resfriamento (FLOREEN, 1968). Isso tem um impacto direto no comportamento desse material durante o tratamento térmico de envelhecimento, já que o percentual volumétrico de austenita revertida formada durante o reaquecimento é mitigado, dada essa diferença entre as temperaturas de início e fim de formação de cada fase (PERELOMA et al., 2004).

Figura 2.12 – (a) Diagrama de equilíbrio Fe-Ni e (b) diagrama de equilíbrio metaestável Fe-Ni (FLOREEN, 1968; SCHMIDT et al., 1991).

Sob condições de resfriamento rápido partindo-se do campo austenítico, pode-se obter martensita em sistemas Fe-Ni com 5 a 10% em peso de níquel (SCHMIDT et al., 1991). Aumentos significativos na concentração de Ni, no entanto, reduzem a necessidade de taxas de

resfriamento rápidas para obtenção de uma estrutura completamente martensítica (SCHMIDT et al., 1991), como é o caso do aço maraging C300 que tem seu diagrama CCT (continuous

cooling transformation) retratado na figura 2.13. Nota-se que não há intersecção entre as linhas

que correspondem a diferentes taxas de resfriamento com as curvas referentes a transformações de fase reconstrutivas, controladas por difusão de átomos de soluto e que podem dar origem, por exemplo, a ferrita e a perlita (SCHMIDT et al., 1990; BHADESHIA et al., 2017; PRASAD et al., 2017). Portanto, isto confirma o fato que na temperatura ambiente haverá apenas martensita no material, quando este for resfriado a partir da condição solubilizada.

Figura 2.13 – Curva CCT de um aço C300. O material foi mantido a 845 ºC por 20 minutos e resfriado com diferentes taxas até a temperatura ambiente. As linhas horizontais representam o percentual volumétrico, que varia de 1 a 99% de martensita formada numa dada condição de temperatura e tempo. Os números dentro de cada círculo ao final de cada curva de resfriamento representam a dureza Vickers do material (SCHMIDT et al., 1991).

Tipicamente, a martensita formada nos aços maraging é rica em Ni e possui estrutura cristalina cúbica de corpo centrado (CCC) (FLOREEN, 1969; SCHMIDT et al., 1991; MOSHKA et al., 2015; SUN et al., 2018; TAN et al., 2018). Sua morfologia pode ser alterada à medida que o percentual em peso de níquel presente em sua composição química é aumentado (FLOREEN, 1969; SCHMIDT et al., 1991). Para porcentagens de até 25% Ni, ela se apresenta sob a forma de ripas e, para valores acima deste, obtém-se uma martensita maclada (FLOREEN, 1969; SCHMIDT et al., 1991; TAN et al., 2018).

A microestrutura martensítica com morfologia de ripas (figura 2.14), presente nos aços maraging C300, surge dentro dos limites do grão austenítico prévio, é constituída de inúmeros pacotes, que contém vários blocos dentro de si, e tem uma elevada densidade de discordâncias (1011-12 /cm2) (SCHMIDT et al., 1991; PERELOMA et al., 2004; TAN et al., 2018). Existe uma relação de orientação entre a austenita e a martensita, a qual foi identificada pelas relações de Nishiyama-Wassermann, (N-W, (111)γ // (110)α’ e [110]γ // [100]α’), e Kudjumov-Sachs, (K-S,

(111)γ // (110)α’ e [110] γ // [111]α’) (VISWANATHAN et al., 1993; SHA et al., 2009).

Figura 2.14 – Diagrama esquemático da fase martensita com morfologia de ripas obtida a partir da austenita não-deformada num aço da classe 18 Ni (TAMURA et al., 1982).

As discordâncias promovem um papel importante nas reações de precipitação dos aços maraging (SCHMIDT et al., 1991). Já que essas transformações metalúrgicas envolvem nucleação e crescimento de uma nova fase, a presença de uma elevada densidade de discordâncias fornece trajetórias preferenciais de difusão, o que aumenta a cinética de precipitação de compostos intermetálicos (FLOREEN, 1969; SCHMIDT et al., 1991). Além disso, as discordâncias são defeitos lineares que estão associadas com uma alta energia; assim, elas funcionam como sítios preferenciais para nucleação dessas novas fases (precipitados intermetálicos) em meio a matriz martensítica (SCHMIDT et al., 1991).

As reações de precipitação nos aços maraging são bastante complexas e os elementos de liga substitucionais presentes em sua composição desempenham um papel fundamental nesse processo (SHA et al., 1993b). Esses podem ser alocados em três grupos distintos (SCHMIDT et al., 1991):

i) Endurecedores fortes: berílio e titânio;

ii) Endurecedores moderados: alumínio, nióbio, magnésio, molibdênio, silício, tântalo, tungstênio e vanádio;

iii) Endurecedores fracos: cobalto, cobre e zircônio.

Embora treze elementos químicos tenham sido citados, apenas quatro são utilizados em escala industrial para fabricação dos aços maraging, o quais são: cobalto, titânio, molibdênio e alumínio. O Ti, Mo e Al são elementos importantes no aumento da resistência mecânica da matriz martensítica dessas ligas, já que eles são solutos formadores de precipitados (SCHMIDT et al., 1991; TAN et al., 2017). Embora não faça parte da composição química dos precipitados formados, o Co desempenha um papel fundamental nos aços maraging: reduz a solubilidade de Mo na matriz martensítica, o que induz a precipitação de intermetálicos ricos em molibdênio (SCHMIDT et al., 1991; SHA et al., 1993b). Consequentemente, isso tem um efeito benéfico no tocante ao aumento da resistência mecânica da liga (SCHMIDT et al., 1991; SHA et al., 1993b).

Durante os estágios iniciais de envelhecimento, há precipitação dos compostos intermetálicos nanométricos Ni3(Ti, Mo), que são semi-coerentes com a matriz (SHA et al.,

1993a; TAN et al., 2017). À medida que se prossegue com o tratamento térmico da liga, ocorre a dissolução do precipitado Ni3Mo, que é metaestável, e substituição por fases ricas em Fe-Mo

(SCHMIDT et al., 1991; SHA et al., 1993a; JÄGLE et al., 2014; MOSHKA et al., 2015). Em geral, esse fenômeno é acompanhado por uma queda de dureza no material (SCHMIDT et al., 1991; SHA et al., 1993a; MOSHKA et al., 2015).

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