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4. MÉTODO

5.3 Caracterização da amostra quanto aos modelos culturais de self

A terceira parte desta seção se destina a responder ao segundo objetivo específico deste trabalho que visava caracterizar o modelo cultural de self (autônomo, autônomo- relacional ou interdependente) predominantemente empregado pelas mães da nossa amostra, dando especial atenção às variações internas prescritas pelas dimensões de autonomia e interdependência, em função da intensidade da DPP.

Primeiramente, como este estudo buscou investigar variações internas existentes em um único contexto, o mesmo não tinha como fazer uma classificação a priori de nossas mães quanto aos modelos culturais de self, equivalente àquela que costuma ser feita pela maioria da literatura que investiga contextos culturais extretamente díspares (ex. KELLER et al., 2006: Alemanha, Estados Unidos, Grécia: países considerados autônomos; Camarões (Nso) e Índia (Gujarati): países considerados interdependentes; México e Costa Rica: países considerados autônomo-relacionais). Sendo assim, ao invés de classificar nossas mães a priori como autônomo-relacionais baseando-se em algumas evidências da literatura, optou-se por testar esta classificação.

Para isso, a variável “modelos culturais” foi construída indiretamente a partir das quatro escalas utilizadas no presente estudo: (1) “Escala de Metas de Socialização” (EMS); (2) “Escala de Crenças sobre Práticas de Cuidado (ECP)”; (3) “Escala de Importância Atribuída às Atividades Realizadas (IAAR)”; e (4) “Escala de Atividades Realizadas (EAR)”. Estas escalas foram usadas para construir a variável “modelos culturais”, pois todas são subdivididas em função das dimensões de autonomia e interdependência que governam os modelos culturais de self. Corroborando este raciocínio teórico, na prática, foram encontradas correlações significativas entre três destas quatro escalas. A ausência de correlação entre a “Escala de Metas de Socialização” e as demais, provavelmente, se deve ao fato do conteúdo desta não estar direta (“Escala de Atividades Realizadas”) nem indiretamente (“Escala de Crenças sobre Práticas” e “Escala de Importância Atribuída às Atividades Realizadas”) atrelado às práticas de criação dos filhos, assunto que rege as demais escalas (Tabela 14).

Tabela 14 – Tabela de Correlações de Pearson referente às escalas de MS, CP, IAAR e AR.

Escalas Metas de Socialização (MS) Crenças sobre Práticas de Cuidado (CP) Importância Atribuída às Atividades Realizadas (IAAR) Atividades Realizadas (AR) Metas de Socialização (MS) 1 r = 0,102 p = 0,334 r = 0,090 p = 0,400 r = 0,036 p = 0,738 Crenças sobre Práticas

de Cuidado (CP) 1 r = 0,356** p = 0,001 r = 0,287** p = 0,006 Importância Atribuída às Atividades Realizadas (IAAR) 1 r = 0,486** p < 0,001 Atividades Realizadas (AR) 1

Conforme já mencionado, cada uma destas escalas se subdivide em função das dimensões de autonomia e interdependência possuindo, portanto, uma subescala de

autonomia e outra subescala de interdependência. Para se trabalhar com os escores totais de cada uma destas escalas, fez-se uma subtração dos escores médios das Subescalas de Autonomia com os escores médios das Subescalas de Interdependência de todas elas. E, por fim, para se obter um escore médio total (referente às quatro escalas) que dissesse respeito à variável “modelos culturais”, fez-se uma média da somatória das diferenças entre os escores médios das Subescalas de Autonomia e das Subescalas de Interdependência de todas as escalas (Figura 17).

(Subescala MS Autônomas - Subescala MS Interdependentes) + (Subescala CP Autônomas - Subescala CP Interdependentes) + (Subescala IAAR Autônomas - Subescala IAAR Interdependentes) + (Subescala AR Autônomas - Subescala AR Interdependentes)

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Figura 17 – Fórmula utilizada para cálculo da variável “modelos culturais” feita a partir das Escalas de Metas de Socialização (EMS), de Crenças sobre Práticas de Cuidado (ECP), de Importância Atribuída às Atividades Realizadas (EIAAR) e de Atividades Realizadas (EAR).

Como estávamos lidando com escores médios referentes a escalas likert de cinco pontos, as mesmas poderiam variar entre -4 (menor valor = 1-5) e +4 (maior valor = 5-1). Considerando que estes dois pontos extremos (-4 e +4) formavam uma linha, imaginou-se que esta poderia ligar o suposto extremo da interdependência (-4) ao suposto extremo da autonomia (+4) que pretendíamos investigar. Como existem três modelos culturais prototípicos possíveis, dividimos esta linha imaginária em três trechos equivalentes, de modo que o primeiro trecho (escores entre -4 e -1,33) representasse o modelo cultural interdependente, o segundo (escores entre -1,32 e +1,33), o modelo cultural autônomo- relacional, e o terceiro (escores entre +1,34 e +4), o modelo cultural autônomo (Figura 18: próxima página). A ideia de se utilizar esta linha contínua composta pelos escores obtidos a partir da fórmula exposta na Figura 17 advém da própria teoria que julga os extremos de autonomia e interdependência como polos de um mesmo contínuo.

Extremo da Interdependência

Extremo da Autonomia Figura 18 – Linha ilustrativa produzida a partir do cálculo de três trechos equivalentes referentes aos modelos culturais prototípicos de interdependência, autonomia-relação e autonomia.

A partir da construção da variável “modelos culturais” (aplicação da fórmula exposta na figura 17 à linha da figura 18), pôde-se obter qual a tendência central das nossas mães quanto ao emprego dos modelos culturais propriamente ditos. A tabela 15 e o histograma da figura 19 (próxima página) apontam que as mães da nossa amostra foram consideradas autônomo-relacionais, com exceção de uma única mãe que foi classificada como autônoma (M = 0,30; DP = 0,45; Mín = -0,65; Máx = +1,5).

Tabela 15 – Frequência relativa referente aos tipos de modelos culturais empregados.

Tipo de Modelo Cultural N Porcentagem

Modelo Autônomo 1 1,1%

Modelo Autônomo-Relacional 90 98,9%

Modelo Interdependente 0 0%

Interdependente Autônomo-relacional Autônomo

-4 -1,33 -1,32 +1,33 +1,34 +4

Figura 19 – Histograma da distribuição da amostra quanto ao emprego dos modelos culturais (Z (90) = 0,073, p = 0,200).

Como a variável “modelos culturais” foi construída a partir das escalas de MS63, CP64, IAAR65 e AR66 realizou-se uma Regressão Linear Múltipla apenas para se investigar a importância relativa dessas escalas (VIs) na diferenciação da variável “modelos culturais” (VD). Tal análise apontou que a escala de CP (β = 0,550) foi considerada o preditor mais relevante, seguida em ordem de importância pelas escalas de MS (β = 0,389), de AR (β = 0,314), e de IAAR (β = 0,278). Tal resultado nos mostra que as escalas que foram originalmente criadas para mensurar as dimensões de autonomia e interdependência (EMS e ECP: KELLER et al., 2006) tiveram maior importância na explicação da variância de nossa variável critério (VD) que as demais (EIAAR e EAR) que não foram construídas a priori para detectar tais dimensões mas que, na prática, também as mensuravam através dos fatores cuidados primários e estimulação67 (ver MARTINS et al., 2010).

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Escala de Metas de Socialização. 64

Escala de Crenças sobre Práticas de Cuidado. 65

Escala de Importância Atribuída às Atividades Realizadas. 66

Escala de Atividades Realizadas. 67

Os fatores cuidados primários e estimulação foram formados a partir dos cinco fatores originais das escalas de IAAR e AR relacionados aos cinco sistemas de cuidados parentais universais (cuidados primários, contato corporal, estimulação corporal, estimulação via objeto e interação face-a-face) (ver MARTINS et al., 2010).

Por fim, para verificar se alguma diferença seria encontrada entre os modelos culturais de self em função dos grupos (1 – Menor intensidade de DPP; 2 – Maior intensidade de DPP), fez-se uma Análise de Variância Univariada (ANOVA) utilizando como fator a variável “intensidade da DPP” e como variável dependente o “escore de modelos culturais”. Nenhuma diferença estatisticamente significativa foi encontrada entre os grupos quanto aos modelos culturais de self (F (1,90) = 0,062, p = 0,804). Ou seja, mães de ambos os grupos não diferiram quanto ao emprego dos modelos culturais analisados (Tabela 16).

Tabela 16 – Estatísticas descritivas da variável numérica relacionada ao “escore de modelos culturais” (tamanho da amostra, média, desvio padrão, valor mínimo e valor máximo).

Variável Grupo N Média DP Mín Máx Modelos Culturais

Escore de modelos culturais

1 – Menor intensidade de DPP 46 0,31 0,436 -0,65 +1,15

2 – Maior intensidade de DPP 45 0,29 0,468 -0,50 +1,50