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6. DISCUSSÃO

6.2.2 Caracterização específica da amostra quanto aos modelos culturais de self

Com relação ao fato das mães não terem se diferenciado em função da intensidade da DPP quanto aos modelos culturais de self, antes de qualquer coisa vale relembrar que embora Keller (2007; 2010) admita que os modelos culturais possam ser influenciados pela experiência emocional individual e vice-versa, ela não aborda o papel de certas condições individuais (ex. saúde mental dos pais) na produção de estratégias de criação/socialização particulares. Dada esta lacuna e visto que somos seres biologicamente culturais que construímos nosso ambiente e somos por ele construídos, partimos da premissa de que as estratégias de criação/socialização maternas (etnoteorias e práticas de cuidado) juntamente com outras condições individuais e situacionais maternas (intensidade de DPP) podem tanto modular como ser moduladas pelo ambiente sociocultural (modelos culturais de self e fatores

ecossociais) (rever seção 1.2.5). Assim, assumimos que diferentes expectativas sobre parentalidade e desenvolvimento infantil (etnoteorias), diferentes práticas de criação dos filhos e diferentes taxas de ocorrência e de severidade da DPP podem ser encontradas nas mais diferentes culturas. No entanto, como a literatura que investiga esta modulação sociocultural da DPP ainda não analisou diretamente a relação entre os modelos culturais de self e a DPP, buscou-se evidências em dois blocos de estudos isolados que: (1) Relacionam a DPP a seus contextos de emergência (ex. sociedades ocidentais versus orientais) sem mensurar a dimensão dos modelos culturais de self (BINA, 2008; FELDMAN & MASALHA, 2007; SHARMA & FISCHER, 1998); e (2) Relacionam a DPP a dois tipos de personalidade (autônoma e sociotrópica) análogas às dimensões psicológicas representadas pelos modelos culturais de self (autonomia e interdependência) (BEDEL, 2006; MASIH, SPENCE, & OEI, 2007). Juntando os resultados destes dois blocos de estudos poderíamos pensar que: (1) Sociedades mais interdependentes são compostas por maior suporte social, menores taxas de DPP e por indivíduos com personalidade mais sociotrópica que desenvolvem depressão em resposta a “perda” de seus relacionamentos interpessoais; enquanto que (2) Sociedades mais autônomas são compostas por menor suporte social, maiores taxas de DPP e por indivíduos com personalidade mais autônoma que desenvolvem depressão em resposta a “perda” de sua independência, autocontrole e autorrealização. Porém, vale lembrar aqui uma citação que pode problematizar esta suposição “apressada” que sociedades mais interdependentes e autônomas apresentam menores e maiores incidências de DPP, respectivamente. Nesta, Kagitçibasi (1996) diz que “nem sempre pessoas mais interdependentes e autônomas são mais dependentes e independentes dos outros, respectivamente”. Tal citação se fundamenta no fato de Kagitçibasi assumir que dentro dos modelos culturais existam ainda as dimensões de agência (autonomia versus heteronomia) e de distância interpessoal (separação versus relação) que devem ser consideradas, pois tendem a se combinar de maneira diferente dependendo do modelo cultural em questão. Com relação ao modelo autônomo-relacional que nos interessa, mães tendem a criar seus filhos com autonomia (1º. aspecto da dimensão “agência”) sem deixar de valorizar a interdependência emocional e a obediência em sua criação (2º. aspecto da dimensão “distância interpessoal”). Assim, a partir desta citação, poderíamos fazer um link com a questão do desenvolvimento da DPP e poderíamos pensar que mães mais interdependentes e autônomas não necessariamente estariam menos e mais sujeitas à DPP, respectivamente. Tal problematização nos ajuda a compreender melhor o fato de não termos encontrado associação entre DPP e os modelos culturais de self em nossa amostra. Resultado

que também poderia ser explicado pelo fato da nossa amostra ser praticamente homogênea quanto a sua orientação sociocultural (98,9% de mães autônomo-relacionais). Dada a ausência de variabilidade interna voltada às dimensões de autonomia e interdependência, é importante se perguntar: Se caso nossa amostra fosse mais heterogênea, será que observaríamos alguma associação entre a DPP vivenciada pelas participantes e sua orientação cultural de self? Uma última possível explicação do porque encontramos tal resultado poderia recair sobre a natureza dos modelos culturais per se. Estes, ao transmitirem via aprendizagem social estratégias de criação/socialização parentais comprovadamente adequadas, são tidos como constructos mais conservativos que reduzem os custos da parentalidade ao evitarem que tais estratégias precisem ser (re)inventadas individualmente (KELLER, 1997). Sendo assim, supõe-se que sua natureza mais conservativa não permita que os modelos culturais sejam facilmente influenciados por certas variáveis situacionais maternas (DPP). Em resumo, conclui-se que: (1) os modelos culturais de self são suficientemente conservativos e não se associam à DPP (ao contrário do esperado, porém condizente com a colocação indireta de Kagitçibasi); e (2) nossa hipótese ficaria mais bem testada se tivéssemos trabalhado com uma amostra mais heterogênea quanto ao emprego dos modelos culturais de self.

6.3 Caracterização da amostra quanto às etnoteorias maternas.

O terceiro objetivo específico desta tese foi caracterizar as etnoteorias maternas (metas de socialização e crenças sobre práticas de cuidado) empregadas nesta amostra, dando especial atenção às variações internas prescritas pelas dimensões de autonomia e interdependência, em função da intensidade da DPP. Acreditava-se que nossas mães seriam consideradas autônomo-relacionais quanto às suas etnoteorias. Além disso, acreditava-se que mães mais deprimidas, de modo geral, se importariam menos com as metas de socialização e as crenças sobre práticas de cuidado. Tais hipóteses foram parcialmente corroboradas ao termos encontrado que nossas mães: (1) foram predominantemente autônomo-relacionais quanto às suas etnoteorias (metas de socialização: 92,2%; e crenças sobre práticas: ECP: 77,8%; EIAAR: 92,2%) tendo se mostrado mais interdependentes em suas metas de socialização e mais autônomas em suas crenças sobre práticas; e (2) não se diferenciaram em função da intensidade da DPP quanto às metas de socialização e crenças sobre práticas

mensuradas pela ECP, tendo se diferenciado apenas quanto às crenças sobre práticas mensuradas pela EIAAR. Como nesta seção (assim como na seção 6.2) os resultados serão discutidos em função das dimensões de autonomia/interdependência (caracterização geral da amostra) e da intensidade de DPP (caracterização específica da amostra), criaram-se os dois subitens a seguir.