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CAPÍTULO

4.3 CARACTERIZAÇÃO DA INSUFICIÊNCIA DO FATOR DE SEGURANÇA GLOBAL EM PROJETOS DE FUNDAÇÕES

Para que seja possível caracterizar a questão da insuficiência do fator de segurança global (FS) no projeto de fundações apresenta-se, a seguir, a proposta descrita, inicialmente, por Aoki e Cintra (2002).

Imagine a fundação de um edifício composta por estacas de mesma seção transversal. Dessa forma, para cada elemento isolado de fundação (estaca), encontra-se um valor para a capacidade de carga geotécnica (resistência), o qual será chamado de R, e um valor de carga atuante (solicitação), ao qual será chamado de S.

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Conhecendo a grande variabilidade entre os valores de R e S é possível o desenvolvimento de uma análise estatística e, dessa maneira, traçar as curvas de densidade de probabilidade de resistência fR(R) e de solicitação fS(S), conforme

apresentadas na Figura 4.2.

Figura 4.2 – Curvas de densidade de probabilidade de resistência e solicitação (AOKI e CINTRA, 2010).

Onde:

Sméd = solicitação média das estacas;

Rméd = resistência média ou capacidade de carga geotécnica média das estacas;

A = ponto de inflexão da curva de solicitação; B = ponto de inflexão da curva de resistência; σS = desvio padrão das solicitações;

σR = desvio padrão das resistências.

A dispersão em torno do valor médio das variáveis independentes aleatórias R e S é dada pelos seus respectivos desvios padrão (σR e σS), tal variabilidade também pode ser

expressa pela variação dos dados em relação à média, ou seja, por meio dos coeficientes de variação υR e υS: S S méd S

σ

υ

= (4.7) R R méd R

σ

υ

= (4.8)

120 Onde:

υR = coeficiente de variação das resistências;

υS = coeficiente de variação das solicitações;

Por definição, o conceito de fator de segurança global (FS) considera apenas a relação entre os valores médios de resistência (Rméd) e de solicitação (Sméd), desconsiderando-se

a variabilidade da capacidade de carga geotécnica e da solicitação, ou seja:

méd méd R FS S = (4.9)

Concluem então, Cintra e Aoki (2010, p. 69), que “[...] criamos a ilusão de que o problema é determinista e, em consequência, que não haveria qualquer hipótese de ruína da fundação. Esse é o calcanhar de Aquiles dos cálculos baseados em fator de segurança global”.

Por sua vez, o fator de segurança indica não só o afastamento entre os valores médios de resistência e solicitação, mas, também, o afastamento entre a posição relativa das próprias curvas de resistência e solicitação, conforme evidenciado na Figura 4.3. Portanto, quanto maior o fator de segurança global previsto em projeto, maior a distância entre as curvas R e S.

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Figura 4.4 – Curva de solicitação e de resistência mais próximas entre si (AOKI e CINTRA, 2010).

De maneira análoga ao apresentado na Figura 4.3, na 4.4, as curvas interceptam-se no ponto C. Analisando o entorno de C, observa-se que há pontos em que a solicitação supera a resistência, caracterizando uma situação de ruína. Incluindo a curva de densidade de probabilidade de ruína, representada pela linha pontilhada, na região de superposição das curvas R e S. A probabilidade total de ruína (pr) é dada pela área situada abaixo da linha

pontilhada, matematicamente calculada pela Equação 4.1, apresentada anteriormente. Quando compara-se as Figuras 4.3 e 4.4 observa-se que, nesta, o FS de segurança é reduzido, visto que as curvas R e S estão mais próximas de uma superposição e há um aumento da probabilidade de ruína, pois a área abaixo da linha pontilhada torna-se maior. Portanto, há uma relação intrínseca entre o fator de segurança global (FS) e a probabilidade de ruína (pr), o que nos permite classificá-las como variáveis

interdependentes, estabelecendo uma relação intrínseca entre si. Cintra e Aoki (2010, p. 71) concluem que

[...] em todo estaqueamento, caracterizadas as variabilidades de R e de S, a cada valor especificado de FS automaticamente está implícita uma probabilidade de ruína. Trata-se de um mito a crença de que a utilização de um valor adequado de FS implica a inexistência de risco de ruína. Em razão disso, é indispensável analisarmos sempre se o valor de pr é aceitável ou não. Lacasse e Nadim (1996 apud El-Ramly, 2001) apresentam um estudo de reavaliação de segurança de uma estaca de fundação executada em 1976. Inicialmente, a estaca fora projetada com base em limitadas informações e com um fator de segurança previsto de 1,79. A reavaliação, conduzida por novas informações acerca dos parâmetros geotécnicos e do carregamento, permitiu observar um fator de segurança de 1,40. Porém, a probabilidade de ruína associada a esta reavaliação de projeto foi de 10-4,

significativamente inferior que aquela obtida originalmente, de 5 x 10-3, conforme pode

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Figura 4.5 – Análise probabilística de uma estaca de fundação (LACASSE e NADIM, 1996 apud EL-RAMLY, 2001, adaptada).

As novas informações conduziram a uma redução do fator de segurança, mas, contudo, também reduziram a incerteza dos parâmetros geotécnicos. Ou seja, a estaca possuía nível de confiabilidade mais alto do que se imaginava originalmente, mesmo com um fator de segurança inferior ao previsto. Portanto, conforme destaca El-Ramly (2001), na prática convencional, acredita-se que, quanto maior o fator de segurança de um empreendimento, maior o seu nível de segurança, o que não é uma verdade, conforme já evidenciado.

A prática tradicional de projeto de fundações é determinista. Há a tendência de se trabalhar com um perfil de sondagem do tipo SPT média e a consequente definição de um valor único de capacidade de carga geotécnica para um grupo/conjunto de estacas desconsiderando a variabilidade de tal parâmetro. A este valor de capacidade de carga geotécnica aplica-se um fator de segurança global (FS) para se chegar à carga admissível geotécnica (Padm). Assim, destacam Aoki e Cintra (2010), mesmo que sejam avaliados os

diferentes valores de solicitação, todos inferiores à carga admissível (determinista, conforme explicitado), há a falsa impressão de que seja impossível uma condição de ruína, uma vez que não se despreza a dispersão dos resultados em torno do valor médio, ou seja, desconhece-se a magnitude do desvio padrão.

Aoki e Cintra (2010) acreditam que graças à prática determinista, muitos projetistas ainda não se conscientizaram da necessidade de verificar se, para o fator de segurança global adotado, a probabilidade de ruína associada é aceitável. Mesmo os fatores de segurança

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de norma podem conduzir a valores indesejáveis de probabilidade de ruína.