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Destacam Velloso e Lopes (2010) que, nos problemas de fundações, há sempre incertezas envolvidas, seja nas metodologias de cálculo, seja nos parâmetros de resistência e/ou deformabilidade do solo que são introduzidos nesses cálculos, ou seja até nas cargas a suportar. Faz-se, então, necessária a introdução de fatores de segurança que levem em conta essas incertezas.

Quanto ao comportamento do solo, Phoon (2004) destaca dois tipos de incertezas: uma relativa aos parâmetros geotécnicos envolvidos, a qual o autor chama de incerteza paramétrica; e outra referente ao modelo de cálculo. O autor ainda destaca que a incerteza dos parâmetros de rochas e solos é o fator chave que a distingue a engenharia geotécnica da engenharia de estruturas.

Neste contexto, Phoon (2004) cita três fontes primárias de incertezas geotécnicas: (a) variabilidades inerentes, (b) incertezas de medição e (c) incertezas de transformação; além de efeitos aleatórios durante a realização de ensaios. O primeiro (a) resulta, principalmente, dos processos geológicos naturais que produzem e modificam continuamente a massa de solo in situ. O segundo (b) é causado por equipamentos, procedimentos e/ou operador do equipamento. O terceiro componente (c) da incerteza é

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introduzido quando medições de campo ou laboratório são transformadas em propriedades do solo a nível de projeto usando métodos empíricos ou outros modelos matemáticos de correlação como, por exemplo, correlacionando os resultados do SPT, com parâmetros de resistência, coesão e ângulo de atrito.

No quesito incerteza do modelo de cálculo, Phoon (2004) destaca a grande quantidade de metodologias de cálculos geotécnicos considerados “simples” com base em correlações empíricas e que conduzem à previsões razoáveis de comportamento do solo; porém, reforça que a herança geotécnica está mergulhada em tais empirismos e que as incertezas do modelo podem ser significativas. Dessa forma, Phoon (2004) conclui que qualquer estudo de variabilidade geotécnica só se aplica ao local especifico analisado. Para esclarecer a incerteza referente ao modelo de cálculo, preconiza: a) realização de testes de protótipos em escala real, b) obtenção de quantidade de dados suficientemente grande e representativa e c) testes de qualidade razoavelmente alta onde as incertezas devido a interferências executivas estejam controladas.

Silva (2003) afirma que a atual filosofia de projeto de fundações fundamenta-se na crença do determinismo científico que esteve vigente até o início do século XX. Pois, a maioria maciça dos desenvolvimentos importantes que ocorreram nos últimos anos na Engenharia de Fundações ainda não considera, de modo satisfatório e explícito, a natureza aleatória das várias variáveis envolvidas nos projetos.

Reflexo desta afirmação pode ser observado na prática brasileira de projetos de fundações em que, tradicionalmente, pensa-se que o estabelecimento de um fator de segurança afasta a obra da condição de ruína (AOKI, 2008), assunto este que será discutido a posteriori. A própria ABNT NBR 6122 (2019, p. 1) destaca esse panorama de incertezas:

Reconhecendo que a engenharia geotécnica não é uma ciência exata e que riscos são inerentes a toda e qualquer atividade que envolva fenômenos ou materiais da Natureza, os critérios e procedimentos constantes desta Norma procuram traduzir o equilíbrio entre condicionantes técnicos, econômicos e de segurança usualmente aceitos pela sociedade na data de sua publicação. Nos projetos civis que envolvem mecânica dos solos e mecânica das rochas, o profissional habilitado com notória competência é o profissional capacitado a dar tratamento numérico ao equilíbrio mencionado.

2.5.1 – Filosofias de projeto e o fator de segurança global

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mesmo tipo e seção transversal, uma vez observada a variabilidade do terreno, os valores estimados para a capacidade de carga dessas estacas não serão idênticos, permitindo, então, tratar a capacidade de carga R como uma variável aleatória e permitindo a definição de um gráfico da função de densidade de probabilidade, fR(R). Considerando que os

valores de R convirjam para uma distribuição normal, tem-se que, conforme apresentado na Figura 2.10, o valor característico Rk com 5% de probabilidade de ocorrência de

valores inferiores e o valor médio Rméd com 50% de ocorrência de valores menores.

Figura 2.10 – Distribuição normal dos valores de capacidade de carga (AOKI e CINTRA, 2010).

A ABNT NBR 6122:2019 apresenta duas diferentes filosofias de projeto: a) Método de valores de cálculo ou dos valores característicos

Método em que as forças ou tensões características de ruptura são divididas pelo coeficiente de ponderação das resistências (Equação 2.7), as solicitações características são multiplicadas pelos coeficientes de ponderação (Equação 2.8), e a condição de verificação da segurança é dada pela Equação 4.9:

m k d R R

γ

= (2.7) f k d

S

S

=

(2.8) d d S R ≥ (2.9) Ou seja: f k m k S R

γ

γ

≥ . (2.10)

25 Onde:

Rd = tensão resistente de cálculo para sapatas ou tubulões ou a força resistente de cálculo

para estacas;

Sd = solicitações de cálculo;

γf = coeficiente de ponderação dos valores característicos das solicitações;

γm = coeficiente de ponderação dos valores característicos das resistências: tensão de

ruptura sob sapatas ou bases de tubulões, ou carga de ruptura de estacas. b) Método de valores admissíveis

Método em que as forças ou tensões de ruptura são divididas por um fator de segurança global (Equação 2.11) e a condição de verificação da segurança é dada pela Equação 2.12: g k adm FS R P = (2.11) k adm S R ≥ (2.12) Padm = tensão admissível de sapatas e tubulões e carga admissível de estacas, antigamente

denominada como carga de trabalho;

Rk = representa as forças ou tensões características de ruptura (últimas);

Sk = representa as solicitações características;

FSg = fator de segurança global, ou, simplesmente, fator de segurança.

Conforme destacam Aoki e Cintra (2010), o princípio da filosofia dos valores admissíveis é garantir que a solicitação em cada estaca não seja superior à carga admissível. Os referidos autores ainda afirmam que, no cálculo da carga admissível geotécnica (Padm),

deve-se utilizar o valor médio de capacidade de carga (Rméd), então:

g méd adm FS R P = (2.13)

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O fator de segurança é estabelecido com base na razão entre os valores médios de resistência e solicitação, conforme é apresentado na Figura 2.11. Matematicamente, tem- se que: méd méd S R FS = (2.14)

Figura 2.11 - Curvas de densidade de probabilidade de resistência e solicitação (AOKI e CINTRA, 2010, adaptada).

Desta forma é possível estabelecer uma equivalência entre Padm e Sméd. Aoki e Cintra

(2010) ressaltam que, nessa filosofia de projeto, bastaria garantir que a solicitação média nas estacas não fosse superior à carga admissível (Padm ≥ Sméd), porém, a favor da

segurança, a prática corrente consagrou o procedimento de verificar todos os valores disponíveis de solicitação (Padm≥Si).

As filosofias apresentadas já eram previstas desde a antiga NBR 6122:1996 e podem ser correlacionadas, uma vez que denomina-se γR a relação entre os valores médio e

característico de resistência (Equação 2.15) e γS a relação entre os valores característico e

médio de solicitação (Equação 2.16). Matematicamente, tem-se que:

k R méd k méd R R R R R .

γ

γ

= ∴ = (2.15) S k méd méd k S S S S S

γ

γ

= ∴ = (2.16)

Dessa forma, tem-se que, isolando Rk da Equação 2.10 e substituindo o seu resultado,

bem como as Equações 2.15 e 2.16 na Equação 2.14, tem-se, matematicamente, as duas filosofias correlacionadas e dando origem ao chamado fator de segurança (FS):

27 m f S R

FS

γ

γ

γ

(2.17) Na prática brasileira de projeto de fundações, em aspectos geotécnicos, há preferência absoluta pela filosofia da carga admissível (AOKI e CINTRA, 2010).